O Acadêmico Diogo Onofre Gomes de Souza falou da interação entre método científico e humanização, tratando da função do pesquisador e do professor, durante o 2º Encontro Regional de Membros Afiliados da Região Sul, realizado em 29 de abril, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Para ele, a ansiedade é um sentimento que deve mover a pessoa para frente. Souza abordou algumas das questões que, a seu ver, geram esse sentimento no professor.
“Vamos partir do princípio que aprender é uma atividade cerebral como qualquer outra. No entanto, a neurociência não é levada em conta na sala de aula.” Médico, bioquímico e neurocientista, Diogo Souza citou uma entrevista do pesquisador alemão Andreas Schleicher, que é o coordenador do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA, na sigla em inglês). Nessa entrevista a VEJA, Schleicher considera aspectos socioeconômicos ao procurar explicar o péssimo desempenho do Brasil no exame, mas destaca o aspecto cientifico. “Ele diz que o atraso do Brasil se dá porque os professores usam em sala de aula as próprias ideologias ao invés do conhecimento cientifico, baseiam-se em crenças pessoais e não em pesquisas científicas. Resumindo, a neurociência é ignorada pelos educadores. A educação no Brasil hoje é como era a medicina, há 150 anos.”
Diogo citou como grande exemplo desse desconhecimento científico o nosso sistema de avaliação, baseado fundamentalmente na capacidade de memorização. E como a neurociência pode contribuir para isso? Souza referiu-se ao seu mestre e colega Acadêmico Iván Izquierdo, que diz que nada somos além daquilo que recordamos, mas somos também aquilo que decidimos esquecer. “Esquecer é a coisa mais importante do aprendizado e ninguém aplica uma prova pra ver o que a pessoa esqueceu, só o que memorizou”, polemiza Souza.
Ele explica que ao dar aula o professor está produzindo um evento externo ao indivíduo. “Esses eventos pretendem chegar da mesma forma ao cérebro das pessoas, mas cada um responde ou compreende de uma forma individualizada.” Na descrição de Souza sobre os procedimentos didáticos usados hoje em dia, o professor considera que “ensinou” naquele dia um certo conteúdo e depois de algum tempo vai querer avaliar o “aprendizado” do aluno, através do seu desempenho numa prova. Quem se lembrar do que o professor disse estará aprovado, quem não se lembrar, estará reprovado.
Porém, Diogo aponta que o que “entra” em cada aluno é completamente individual. “Esses eventos externos se confundem numa pororoca emocional e cognitiva anterior, pré-existente dentro do indivíduo, relacionada com suas vivências diárias, e geram um grão de aquisição. Essa aquisição entra em retenção temporária. Pode passar pela consolidação, que pode depois ser evocada e utilizada. Pode levar à retenção duradoura. Alguns grãos vão se acumulando ali.” Com tantas interações e filtragens, o processo de aprendizagem parece muito mais complexo do que apenas um processo de memorização. “Esse procedimento didático de avaliação da memória, portanto, é absolutamente equivocado, não há nenhuma evidência cientifica que embase esse tipo de coisa.”
Souza compreende que é difícil para o professor que não foi preparado adequadamente pensar dessa maneira, pois sabe que a dificuldade em abandonar o ultrapassado para dar lugar ao novo é grande no ser humano. Citou Ivan Pavlov, que é um ícone da neurobiologia do aprendizado de memória. “Num de seus experimentos clássicos, ele batia a campainha para um cachorro, que se aproximava e ganhava carne. Depois de um tempo, ao ouvir a campainha o cachorro já salivava e continuava recebendo carne. Em seguida, o cientista passou a bater a campainha e não dar a carne e assim, depois de um tempo, o cachorro já não salivava mais. Aprendeu um novo conceito e substituiu o antigo. Para o cachorro é mais fácil. Para os humanos, bem mais difícil”.
Outra questão que Souza observa é que, para o professor, a sala de aula é, obrigatoriamente, o melhor ambiente em todo e qualquer momento. “Ora, cada aluno vem de um ambiente, traz sua bagagem de vida junto. Será que o professor acha que o aluno deixa a vida lá fora e que quando acaba a aula, ele pega a vida e vai embora? O aluno não chega zerado de eventos externos e ainda vem com anos e anos de eventos internos e das coisas que aconteceram nos últimos instantes antes de entrar na sala.”
Outro aspecto que o incomoda é a ênfase sistemática dada por todos ao fracasso do ensino fundamental. “Mas o professor do ensino básico é ensinado pelo professor universitário, que acha que sabe ensinar. Então, a conclusão é que o ensino é um fracasso como um todo, em todos os níveis.”
E a sala de aula, para Souza, não é um templo. Ele considera que também se aprende muito em mesa de bar, em conversa com amigos, com a família, com o computador. “Essas vias de acesso podem ser muito mais eficazes do que a ênfase na concepção de que existe sempre um conteúdo central de conhecimento, pétreo e universal, a ser ensinado pelo professor, que é o transmissor central do conhecimento. O papel muito importante do professor na sala de aula é outro, é a relação afetiva da reciprocidade no processo de aprendizagem”, observa Souza.
E reforça a ideia de reciprocidade. Se o processo é de ensino e aprendizagem, porque só o aluno é sistematicamente avaliado? Diogo Souza destaca a importância da avaliação docente. “Ela é fundamental e obrigatória, até porque o professor ganha dinheiro – público, em grande parte – para ensinar e para aprender.”
Para lidar com todas essas questões que, em sua visão, geram ansiedade, Diogo Souza vê perspectivas e possibilidades. Ele credita ao seu mestre, o Acadêmico Leopoldo de Meis, idealizador do Projeto Novos Talentos da Rede Pública o estímulo para se dedicar ao estudo e desenvolvimento do que ele chama de “estratégias com expectativas ansiolíticas”. Dentre elas está a participação na Rede Nacional de Educação e Ciência, que hoje envolve 26 universidades, incluindo quatro grupos do Sul, sediados na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM ) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Os pesquisadores envolvidos trabalham com neurociência e difusão de ciência e vão às escolas públicas lidar diretamente com os alunos – e também com os professores. “Criamos em 2005 um programa de pós-graduação na UFRGS, que vem crescendo desde então e envolve diversas linhas de pesquisa em educação científica”, ressaltou Diogo. O programa abrange a investigação dos problemas do ensino e da aprendizagem das ciências na escola, na universidade e no laboratório de pesquisa; a produção científica e avaliação de produtividade em ciência e as implicações das práticas científicas na constituição dos sujeitos. Uma boa oportunidade para quem se interessa pela área e gostaria de ver reduzidos seus níveis de ansiedade.