Um trabalho desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Química e Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB) trouxe uma contribuição significativa para a compreensão do mecanismo de captação celular de ácidos graxos de cadeia longa. A pesquisa, que tem participação do membro afiliado da ABC Brenno Neto (foto ao lado), foi publicada neste mês pela Chemical Science, uma das revistas mais prestigiadas da área de química e da interface da química com a biologia.
Brenno Neto explica que os ácidos graxos estão envolvidos em inúmeros processos de importância vital nos seres vivos. Eles são, por exemplo, fontes de energia e, devido à sua estrutura, armazenam muito mais energia do que os açúcares. Além disso, os ácidos graxos estão envolvidos na prevenção de várias doenças, desde problemas cardíacos até o câncer.
O ácido oleico (classificado como um ômega-9), informa o afiliado, é um tipo de ácido graxo com 18 carbonos em sua estrutura e que é muito consumido na alimentação humana. O consumo de ácidos graxos modula a composição das membranas das células, o que regula a atividade de muitas proteínas de membrana em vários tecidos. “Uma dieta rica em ômega-9 aumenta os níveis deste ácido graxo nas membranas celulares, além de contribuir para a síntese de diversos lipídios essenciais para o organismo, incluindo fosfolipídios, triglicerídeos e colesteril éster. Nestes derivados, o ômega-9 é o principal substrato para a síntese das moléculas”, afirma.
No estudo recentemente publicado na Chemical Science, os pesquisadores da UnB inseriram na estrutura do ômega-9 um molécula que emite uma luz fluorescente verde (ver imagem abaixo). Desta forma, foi possível a visualização do ácido graxo fluorescente dentro de células cancerosas de mama. A observação foi revelando o caminho que este derivados percorrem dentro das células de câncer de mama trazendo novos indicativos dos seus mecanismos de ação.
Imagem ilustrativa de células de câncer de mama (do tipo MDA-MB-231)
com o ômega-9 fluorescente (verde) em seu interior
O professor José Corrêa (IB-UnB) explica que o ácido oleico é muito consumido e está presente em diversas fontes de alimentos como óleo de oliva, canola, sementes de girassol, amendoim e outras. Diversas evidências indicam que, enquanto o consumo de ácidos graxos mais saturados contribuem para a elevação do colesterol circulante no sangue, o mesmo não ocorre quando se consome o ômega-9 que é monoinsaturado. “Nós sintetizamos grandes quantidades de ácido oleico, o que sugere sua importância para a manutenção do equilíbrio de nossos tecidos e o bom funcionamento de nossas células”, destaca o pesquisador.
Os processos inflamatórios crônicos vêm sendo cada vez mais relacionados com o surgimento do câncer e com doenças degenerativas. Foi demonstrado que derivados nitrogenados do ômega-9, que são produzidos pelas nossas células, inibem diversas vias metabólicas presentes nos leucócitos e nas plaquetas que levam à produção de mediadores inflamatórios, os quais podem produzir e manter o estado de inflamação crônica. Neste sentido, o consumo de ácido oleico pode apresentar uma atividade preventiva a este estado inflamatório, reduzindo assim, o risco do surgimento do câncer e do estabelecimento das doenças degenerativas causadas pelos estímulos inflamatórios. Derivados nitrogenados do ômega-9 também podem ser produzidos em resposta ao acúmulo de radicais livres nas células. Neste caso, estes derivados nitrogenados estimulam a produção de diversos elementos responsáveis pela proteção e desintoxicação das células, evitando danos celulares, o que é fundamental para as células do sistema nervoso.
Os pesquisadores destacaram que, com a produção de um ômega-9 fluorescente, será buscada uma melhor compreensão no seu tráfego celular e sua relação com os diversos sistemas de proteção em células e nos tecidos. “Poderemos visualizar em tempo real a sua associação com as diferentes organelas celulares em diversas situações de desafios experimentais”, comenta Neto. “Além disso, poderemos agora acompanhar a sua absorção, distribuição, estoque e mobilização utilizando modelos animais. Esta nova ferramenta fluorescente abre um grande horizonte para o estudo do metabolismo dos lipídios e todas as suas implicações nos estados de saúde e doença.”
O trabalho completo dos pesquisadores brasileiros pode ser consultado na revista Chemical Science (DOI: 10.1039/C4SC01785D). Brenno Neto destaca, ainda, como é difícil conquistar uma publicação neste periódico, e informa que este é o primeiro trabalho produzido exclusivamente no Brasil que é aceito pela Chemical Science. “Antes deste trabalho, até onde sei, só havia outros dois com endereço do Brasil. Mas, exclusivamente brasileiro, este é o primeiro”.
Resultados preliminares deste trabalho haviam sido apresentados na cerimônia de diplomação do químico como membro afiliado na ABC, quando os colegas das áreas biológicas e médicas presentes fizeram sugestões para melhorar ainda mais a pesquisa.