Um “moleque” hiperativo. É assim que Leonardo dos Santos Avilla se reconhece na infância, passada em Petrópolis, na Serra Fluminense, jogando bola, empinando pipa, andando de bicicleta, nadando na cachoeira e curtindo suas aulas de caratê e desenho, cheio de amigos. Na cidade havia uma grande indústria têxtil, onde seu pai trabalhava (e ainda trabalha) como representante comercial. A mãe era dona-de-casa e, por alguns períodos, assumia o cargo de síndica do edifício que moravam.
Ficção, observação e exploração: um cientista nato
No ensino básico, Leonardo preferia as aulas de ciências, história, artes e educação física. Estudava numa escola que estimulava muito a criatividade, tanto nas artes quanto nas ciências. Seu grupo ficou entre os primeiros colocados num concurso nacional de Ciências, realizado em pleno Maracanãzinho. Tinham também, todo ano, uma Feira do Livro. Seus pais sempre o estimularam a ler e o menino se interessava muito por livros de história da humanidade, principalmente sobre a pré-história e história egípcia. Além dos livros, amava o cinema: “Guerra nas Estrelas”, “Indiana Jones” e outros filmes de ficção científica. Na TV, foi despertado para as maravilhas das ciências naturais através do programa “Globinho”, apresentado por Paula Saldanha; o “Mundo Animal”, com David Attenborough; e o “Mundo Submarino” com Jacques-Yves Cousteau.
Nas férias de verão, sua família sempre alugava uma casa na praia, onde passavam, pelo menos, dois meses. E foi nesse contato com o ambiente marinho que Leonardo começou a se interessar pelos animais que observava na praia, o que ele acrescenta ao surgimento do interesse futuro pela biologia. “Meu pai inclusive fez um esforço para completar uma coleção cara de fascículos semanais sobre o Mundo Submarino. Eles não tiveram possibilidade de ir adiante nos estudos, mas sempre me estimularam a ler, a aprender. Eles foram, realmente, a grande influência na minha escolha pela ciência.”
Antes disso, porém, Leonardo deu um pouco de trabalho. Na adolescência, além de colecionar discos de rock, criou uma banda de garagem com os amigos, cujos ensaios aos sábados, segundo ele, atormentavam os pais que cediam as garagens. Mas nunca sonhou em fazer outra coisa na vida além de ser cientista. Então, no vestibular, escolheu a biologia e entrou para o bacharelado na Universidade Santa Úrsula. “Lá eu tive um excelente arcabouço em zoologia. Não existia universidade no Rio de Janeiro que se estudasse praticamente todos os grupos zoológicos com tantos detalhes”, esclarece Avilla.
Um sonho batalhado e realizado
Ainda no primeiro ano, começou um estágio de iniciação científica no Setor de Mastozoologia do Museu Nacional, onde tinha sido acabado de construir o anexo do Departamento de Vertebrados e toda coleção de mamíferos, a maior da América do Sul, tinha que ser arrumada e organizada. “Quem se responsabilizou por mim neste período foi o professor João de Oliveira Alves, a quem devo muito o aprendizado sobre o quão importante é a curadoria de uma coleção científica”, comenta Leonardo Avilla.
Em seguida, surgiu uma vaga de iniciação científica com o professor Leandro de Oliveira Salles, para o estudo da evolução do aparato mastigatório de morcegos, com quem Avilla trabalhou até o ano de 2001, durante o primeiro ano de mestrado. Foi nesse período que se interessou em seguir na carreira científica. “Com o professor Salles, aprendi a ser bastante independente, o que culminou com a realização de um estágio, com bolsa, no American Museum of Natural History em Nova Iorque, nos EUA”, relata o Acadêmico. Além do estímulo para seguir a carreira, essa oportunidade de morar fora do Brasil por cinco meses deu a Avilla a oportunidade de fez conhecer outra realidade da pesquisa científica – um mundo bastante competitivo, muito difícil, onde você é valorizado por seus méritos. “As experiências que tive neste estágio no exterior eu trouxe para o dia-a-dia do meu laboratório”, destaca o cientista, hoje professor adjunto e pesquisador da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), onde coordena o Laboratório de Mastozoologia.
Leonardo atribui grande importância sobre a sua formação como pesquisados aso seus orientadores do doutorado – professor Ronaldo Fernandes do Setor de Herpetologia do Museu Nacional e Lílian Paglarelli Bergqvist, da pós-graduação em geografia da UFRJ. “Ela me ajudou muito na fundamentação da definição de minha área de atuação em paleozoologia, que é a área que estuda a zoologia de organismos, principalmente, já extintos.” Nesse período conseguiu uma bolsa-sanduíche de doutorado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes/MEC), tendo passado passei seis meses no Field Museum na cidade de Chicago, nos EUA, sob a orientação do Dr. John Flynn, que lhe renderam excelentes experiências.
A busca por respostas
Leonardo Avilla explica que a zoologia estuda diversos aspectos da biologia dos animais e que a paleozoologia faz o mesmo, só que com organismos já extintos – ou até alguns que ainda vivem, mas que também viveram no passado. Seus estudos abordam os mamíferos da América do Sul, sua diversidade, origem e evolução.
E ele quer saber tudo: quantas e quais eram as espécies de mamíferos que habitavam a América do Sul no passado? Quando e de onde se originaram? Quais são as relações de parentesco dos mamíferos sul-americanos com mamíferos de outros continentes? Por que razão alguns mamíferos se extinguiram durante o passar dos anos e outros “sobreviveram”, formando as espécies de mamíferos atuais da América do Sul? A chegada do homem nas Américas teve influência nestas extinções? Qual foi o papel do clima, principalmente, das últimas glaciações, nestas mesmas extinções? Qual foi a resposta dos diferentes ambientes pretéritos da América do Sul à mudanças climáticas do passado, e como isso influenciou os mamíferos que neles habitavam?
Ele diz que as respostas a essas questões vão ajudar a entender a nossa história e a do nosso país e continente, e utilizar essas experiências para melhor compreender o que vem acontecendo atualmente. E com isso podemos adivinhar o que mais lhe encanta na ciência: a busca por respostas. “Me maravilha saber que nas ciências a maioria das respostas são relativas ao momento, dependem das técnicas atuais. Num futuro muito próximo, ao se empregar novas técnicas, podem ser obtidas novas respostas. Por isso precisamos nos atualizar sempre, sermos eternos aprendizes.”
Interesse humano
Além disso, a partir do momento em que iniciou seu trabalho como orientador, Avilla se descobriu um apaixonado por formar alunos. “Vê-los crescer cientificamente e dar subsídios para que me superem – pois esse é sempre o meu maior sonho – é algo indescritível. A tarefa é árdua, mas é disso, dessa essência de querer sempre se superar, é que se fazem os cientistas.” Encantado pela profissão, Avilla saboreia todo o processo de geração do conhecimento. Desde a realização das expedições, que envolvem a organização, coleta dos espécimes e o convívio com os alunos), passando pelo levantamento de informações para identificação dos espécimes, com leitura de bibliografia e visita a coleções de referência, até a confecção das publicações e apresentações em
eventos científicos.
Um amante de todas as formas de expressão da criatividade humana, Leonardo Avilla adora teatro, cinema, música, gastronomia e viagens. E se sentiu “coroado” com o título de membro afiliado da ABC, pois já é um fruto colhido no início de sua carreira. “Espero poder atuar, principalmente, na divulgação da ciência em nosso país”, diz Avilla. Porque transmitir conhecimento sobre o mundo que nos cerca é mais uma forma ativa de expressão da nossa capacidade criativa.