Que o Brasil é competitivo em relação à produção científica mundial, mas inova pouco, todos já sabem. Também não é novidade que parte da solução reside em aumentar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), atualmente em 1,08% do PIB, e em recursos humanos – o país tem apenas 600 pesquisadores por milhão de habitantes. Mas, na pesquisa biomédica e no setor farmacêutico, o problema é mais complexo, e foi tema de discussão na oitava edição da Reunião Magna da ABC.
“Nossa indústria é copiadora do que funciona no exterior”, afirmou o diretor do Instituto Butantan e Acadêmico, Jorge Kalil, que coordenou a sessão e foi um dos palestrantes. No entanto, o setor farmacêutico tem uma peculiaridade no Brasil: dos dez maiores laboratórios que atuam no país, quatro são nacionais.
Kalil definiu o entrave regulatório do Brasil como “absurdo”, e deu um exemplo em relação à vacina contra a dengue – para cuja produção existe uma competição mundial: “O Butantan tem uma vacina muito promissora, que levou dois anos para ser aprovada em fase clínica I pela Anvisa, o que é um absurdo. Estou aguardando outra aprovação, pelo BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], há quatro anos. Já fui chamado três vezes para discutir detalhes científicos, sobre os quais eu tenho mais conhecimento do que eles”.
Ele ressaltou o papel dos institutos públicos na inovação farmacêutica, dizendo que não se pode esperar que um novo ministro mude toda a situação. O professor de imunologia apresentou como modelo o Instituto Butantan, que conta com 180 pesquisadores, dos quais 85% são doutores, e, em seu portfólio de inovação, tem mais de 20 potenciais novos produtos. Um deles é a vacina da dengue, que está em início da fase II.
Um dos próximos planos da instituição histórica é a criação do Instituto de Inovação em Biotecnologia do Butantan (IIBB). “Para isso, precisamos de relação com a indústria farmacêutica.”
O desafio do “vale da morte”
O diretor científico da Orygen Biotecnologia, Andrew Simpson, deu o exemplo de inovação na área de biofármacos em pequenas empresas. A Orygen foi formada a partir da parceria entre as empresas Biolab Farmacêutica e Eurofarma, com apoio do governo federal e do BNDES, para a produção de medicamentos biológicos. Simpson informou que os gastos com pesquisa vêm aumentando, mas o número de remédios não.
A explicação é o “vale da morte”, a parte intermediária dos estudos científicos que recebe menos recursos: “Na pesquisa básica há bastante investimento, na operação comercial também, mas no desenvolvimento, que fica no meio das duas, não há. É aí que está o problema”. O cientista britânico, naturalizado brasileiro, acrescentou que o desenvolvimento de um medicamento é muito caro e leva tempo. “Os ensaios clínicos levam a maior parte do dinheiro e, no Brasil, demora-se muito para avaliar essa parte da pesquisa.”
Simpson pontuou que três entidades são necessárias para ir da identificação do target até a fase clínica: primeiro são as universidades e institutos de pesquisa, depois as empresas farmacêuticas, que sabem comercializar, e há, ainda, as pequenas e novas empresas, que têm um produto como ideia. E concluiu: “Eu atravessei o vale da morte, e sei que há muitos cientistas brasileiros com ideias boas nessa área que podem atravessar também”.
Avanços nos últimos anos
O presidente do Conselho da EMS, Carlos Sanchez, falou sobre o ambiente que possibilitou que a empresa se tornasse a líder no setor farmacêutico brasileiro há oito anos consecutivos, tanto em unidades comercializadas quanto em faturamento. Primeira a entrar no segmento de genéricos no país, a EMS ocupa a segunda posição no ranking das maiores indústrias farmacêuticas da América Latina.
Sanchez falou sobre o que mudou entre 2000 e 2014. Enquanto, no fim do século 20, houve importantes avanços na definição de parâmetros para o desenvolvimento de genéricos, de métodos de análise físico-química e de testes in vivo, em 2014, foi a vez das plantas nacionais certificadas por órgãos nacionais e internacionais, de P&D capacitados nas empresas e do desenvolvimento de produtos com maior complexidade tecnológica (como os oncológicos e respiratórios).
“Passamos a entender o que era uma droga”, resumiu Sanchez. “Antes, fazer remédio era uma padaria, misturava-se A com B para ver se dava C. Hoje, analisa-se A e B previamente. Ficou muito mais científico.” Ainda assim, ele afirma que está faltando inovação. O número de moléculas comercializadas no Brasil, por exemplo, caiu de 2.933 pra 2.926, entre 2013 e 2014.
Jorge Kalil, Andrew Simpson, João Batista Calixto e Carlos Sanchez
Sanchez falou, ainda, da importância em investir em inovação incremental (que, conforme foi mostrado em outra sessão da Reunião Magna, diferencia-se da inovação radical) e nos estudos clínicos, através da capacitação de profissionais e dos centros de pesquisa, além da qualificação do corpo técnico das agências reguladoras. “A indústria farmacêutica é regulada até o último fio de cabelo, então não adianta não pensar nisso.”
O papel das universidades
Diretor do Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP), o Acadêmico João Batista Calixto enfatizou o papel da ciência básica de qualidade para desenvolver tecnologia de ponta: “Ciência e conhecimento garantem o monopólio da inovação industrial, e o conhecimento científico é, em sua maioria, produzido nas universidades”. Ele informou que 90% das drogas desenvolvidas a partir da Segunda Guerra Mundial, quando começou a indústria, derivaram das instituições de ensino.
O custo de desenvolvimento médio de um medicamento inovador, incluindo todos os riscos, pode ultrapassar 1 bilhão de dólares. Ignorando as falhas, disse Calixto, esse custo ficaria entre 200 e 300 milhões de dólares. Isso significa que a taxa de sucesso para o desenvolvimento de uma nova droga está em torno de 0.6%, e de 6% para um medicamento cujo alvo já é conhecido.
O professor aposentado de farmacologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) lembrou que doenças importantes como câncer, psicoses, depressão, ansiedade, hipertensão, diabetes e osteoporose são, atualmente, tratadas com sucesso graça a essas descobertas.
Ele lembrou do exemplo do laboratório Merck, responsável por desenvolver as drogas lovastatina (Mevacor) e sinvastatina (Zocor), que revolucionaram o tratamento das dislipidemias e aterosclerose. “Os estudo
s clínicos com essas substâncias quase foram interrompidos, pois foram observados formação de tumores em roedores”, conta Calixto. Em 2009, esse grupo de drogas vendeu 30 bilhões de dólares em todo o mundo.