A nanotecnologia aplicada às demandas da sociedade e do mercado foi o principal tema trazido pelos participantes de uma das sessões da oitava edição da Reunião Magna da ABC. Os palestrantes apresentaram bons exemplos do que vem sendo feito na área atualmente, mostrando que o país foi mais longe do que se imagina.
O coordenador da mesa e Acadêmico Martin Schmal, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), fez uma introdução sobre a importância do Sistema de Laboratórios em Nanotecnologias (SisNano), cujo objetivo é incentivar atividades de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e serviços em nanotecnologia no âmbito da universidade, institutos de pesquisas e indústria, servindo como centro de referência.
Tratando o câncer a partir do calor
Em seguida, o professor do Instituto de Física da Universidade Federal de Goiás (UFG), Andris Bakuzis, apresentou seu trabalho como coordenador da Rede de Terapias Inovadoras Aplicadas à Nanomedicina (Nanomed). Ela conta com cinco sub-projetos e tem como objetivo gerais o desenvolvimento de stents inovadores e tratamento de neoplasias malignas (câncer) por meio da hipertermia magnética, usando estudos in vitro e in vivo. A equipe, multidisciplinar, tem 25 profissionais e cerca de 45 alunos, incluindo físicos, farmacêuticos, biólogos, químicos, veterinários e oncologistas.
Bakuzis explicou o funcionamento da hipertermia magnética aplicada ao tratamento oncológico e como a nanotecnologia é usada para tratar tumores a partir do calor – o que, há três mil anos, já se tentava fazer. “Hipócrates, o pai da medicina, afirmou que, para aquelas doenças que o fármaco não conseguir curar, recorre-se à cirurgia; quando a cirurgia não curar, usa-se o calor, e o que o calor não curar, é incurável”, citou o físico.
De uma forma geral, o pesquisador esclareceu que o calor pode abrir uma nanoestrutura, e as partículas que se abrem liberam o fármaco. “Essa ideia de usar nanopartículas magnéticas para tratamento de câncer é de 1957 e está bem desenvolvida na Alemanha, por exemplo.” Ele informou que já há, inclusive, alguns produtos disponíveis no mercado. O foco é em tumores cuja sobrevida é muito baixa e, em testes feitos in vivo em camundongos, a evolução foi surpreendente: depois de 45 dias de tratamento, não havia mais nenhum tumor.
O estudo, quase completo, está na fase de simulações numéricas. A equipe também faz pesquisas de mercado. “Há demanda na área de veterinária, e estamos vendo se este tipo de produto poderia ser utilizado para câncer de mama, por exemplo.”
A empresa mais desfocada do mundo
O gerente de meio ambiente, saúde e segurança para a América Latina da 3M, Marcelo Gandur, falou sobre gestão de tecnologia, produtos e inovação. Há 23 anos na multinacional, o engenheiro mostrou os números da fabricante diversificada, que atua em 73 países e tem mais de 55 mil itens de produtos no seu portfólio. “Podemos ser considerada a companhia mais desfocada do mundo”, brincou. Baseada em tecnologia, a empresa se reinventa ao longo do tempo e a nanotecnologia é uma de suas 46 plataformas tecnológicas.
Nessa atualização constante, a 3M conta com três fontes de inspiração. A primeira, e a “mais incrementada”, é a inovação inspirada por clientes, de modo a entender quais são suas necessidades. Há também as mencionadas plataformas tecnológicas e, por último, a inovação radical, em que se busca as megatendências e as demandas criadas por elas. Uma das maiores procuras atuais é a de economia de energia. “Uma forma de atacar as dificuldades é projetando o futuro”, afirmou Gandur.
Ele deu exemplos, como o do Condutor de Alumínio Reforçado por Compósito (ACCR, na sigla em inglês). Trata-se de um condutor de alta capacidade para linha de transmissão aérea, que tem a capacidade duas vezes maior que o cabo convencional usando a mesma faixa de servidão e estruturas existentes. São três finalidades: condutividade, resistência específica do material e expansão térmica. Além do setor industrial, a empresa também desenvolve produtos na área da saúde, eletrônica e outras. “Através de ciência e criatividade, atendemos as necessidade da sociedade e do mercado”, concluiu Gandur.
Tecnologia para conservar alimentos por mais tempo
O co-fundador da Nanox Tecnologia S/A André Araújo, falou sobre como desenvolver inovação e levá-la da bancada ao mercado. É isso que faz a empresa de São Carlos, que produz e comercializa soluções em nanotecnologia para o setor industrial.
Jairton Dupont, André Araújo, Marcelo Gandur e Andris Bakuzis
Uma dessas soluções foi vislumbrada pelos fundadores da empresa a partir do problema da conservação de alimentos in natura. Segundo Araújo, da lavoura até a mesa perde-se entre 30% e 40% dos produtos alimentícios, por falta de logística e de condicionamento ideal – inclusive dentro da própria residência. “Com conhecimento e tecnologia, resolvemos esse obstáculo”, contou.
Isso porque a Nanox desenvolveu um material que promove proteção antimicrobiana e otimiza o condicionamento de alimentos como frutas e verduras. No experimento feito no laboratório, o tempo de prateleira (shelf-life) de maçãs foi aumentado em 24 dias. “Com as aprovações, hoje já temos clientes utilizando o produto.” Eles também produziram embalagens para leite pasteurizado, cujo tempo de prateleira passou de oito para 16 dias.
“Com a mesma equipe de logística, conseguimos atender mais postos de venda. É um ganho incrível. O poder transformador da tecnologia pode ter um impacto social muito grande”, disse Araújo. A proteção antimicrobiana dos produtos NANOXClean®, como foram chamados, funciona de um jeito simples: com cem vezes menos teor de prata, eles geram o mesmo efeito da prata pura. “Essa é a nossa vantagem competitiva.” A empresa também atua em áreas como arquitetura, construção e decoração, saúde e beleza, têxtil e transportes, em dez países.
Líquidos iônicos em Marte
O Acadêmico Jairton Dupont, professor associado do Departamento de Química Orgânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), finalizou a série de palestras com uma apresentação sobre formação, estabilização e aplicação de nanomateriais em líquidos iônicos (LI). Ele explicou que, no início dos anos 90 descobriu-se que determinados sais orgânicos geram líquidos iônicos a menos 80 graus.
“Esses líquidos têm propriedades interessantes: pressão de vapor quase nula, estabilidade térmica e química muito grande – a maioria não é inflamável, se pode jogar um maçarico neles que nem
vão sentir a presença”, comentou Dupont, enumerando as características específicas dos LI. “Pode-se modelar a viscosidade, densidade, mobilidade iônica, solubilidade com compostos orgânicos.”
O químico informou que a NASA é uma das instituições que mais trabalham com essas substâncias, cuja estrutura desorganizada é bem diferente da clássica, que é homogênea. “O robozinho que está em Marte é baseado em líquido iônico”, relatou Dupont que, ao fim da sessão, abriu para o debate e troca de ideias sobre a situação da nanotecnologia no Brasil.