A ciência em um país onde não se pode errar. Parte da programação do 2º Encontro Regional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências/Nordeste & Espírito Santo, realizado em Salvador, o título da mesa-redonda coordenada pelo neurocientista Dráulio Barros de Araújo (UFRN) e integrada por Charbel Niño El-Hani (UFBA), Manoel Barral Netto (Fiocruz-BA) e Mauricio Lima Barreto< (UFBA) já deixa claro o tom crítico do debate.
Mauricio Barreto, Dráulio Araújo, Charbel El-Hani e Manoel Barral


A visão oposta, que prepondera no Brasil, faz com que as pessoas tenham vergonha e escondam os seus erros, o que é ruim para a formação do caráter do indivíduo e péssimo para a ciência. “Como vamos construir uma ciência de qualidade com esses valores, que tem impacto direto sobre o fazer científico? O risco é inerente à boa pesquisa. Ciência não é sobre papers, é sobre curiosidade e descoberta”, disse Araújo, parafraseando Torsten Wiesel, Prêmio Nobel de Fisiologia de 1981. “Precisamos de uma almofada embaixo da corda bamba, algum amparo para que possamos ousar na caminhada. Como as agências de fomento podem se direcionar para esse caminho?”

El-Hani apontou alguns itens que precisam ser ajustados para mudar esse quadro. Um deles é o tempo de formação dos mestrandos e doutorandos, que hoje estão submetidos a um rigor excessivo, necessário quando foi implantado nos anos 90, mas inadequado para uma fase onde a inovação é desejável. Em seu ponto de vista, hoje seria interessante mudar o foco do tempo para o impacto do produto. “Pode levar um pouco mais de tempo e gerar um produto melhor”, defendeu.
A ousadia deve ser o foco principal dos pós-doutorandos, em sua avaliação. Para El-Hani, esta rede tem que ser ampliada e fortalecida. “Precisamos ter uma métrica decente que capture a qualidade dos artigos ou uma avaliação que considere a leitura dos melhores papers de cada pesquisador.”

Ele se ateve a questão da avaliação, relatando que nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), nos EUA, quando o projeto de um pesquisador é recusado, ele recebe um parecer detalhado explicando o motivo da recusa, sugerindo caminhos para melhorar o trabalho e reapresentá-lo. “Aqui, não há retorno. O pesquisador fica sem saber por que o projeto foi recusado. Então não tem como aprender com o erro”, observou o Acadêmico.
Mas Barral também destacou um ponto importante: os comitês de avaliação das agências de fomento são compostos por membros da comunidade científica, como eles, ali presentes. “Temos que parar de reclamar e mudar. Temos que começar a mudança por nós, pela nossa atitude. Temos que ler três artigos do autor pra avaliá-lo e dar o parecer. Então vamos ler, vamos fazer direito. Se não, nada vai mudar.”
Barreto relata que os grupos que conseguem manter um processo de criação são mal vistos, considerados rebeldes e fora dos padrões. “O conhecimento é fundamental na universidade, mas a maneira de transmiti-lo faz toda a diferença nos resultados. Surgem sementes, mas falta oxigênio.” Para Barreto, a universidade precisa proteger essas sementes, pois as transformações do ambiente são fundamentais para que sejam obtidos resultados originais, criativos, inovadores. “Precisamos nutrir a diferença.”
Ele considera que o sistema de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (Capes/MEC) foi o alavancador de uma pós-graduação robusta como a que temos hoje, e compreende que o sistema foi criado para avaliar quant
idade de produção, porque esse era o critério importante na época. “Mas agora ele precisa ser revisto, pois está sendo contrário ao avanço científico. Agora ele tem que passar a avaliar qualidade, tem que mudar. Ou seja, há um acúmulo de erros e, enquanto não corrigirmos esses erros, não vamos ter uma ciência de ponta”, alertou Barreto.
idade de produção, porque esse era o critério importante na época. “Mas agora ele precisa ser revisto, pois está sendo contrário ao avanço científico. Agora ele tem que passar a avaliar qualidade, tem que mudar. Ou seja, há um acúmulo de erros e, enquanto não corrigirmos esses erros, não vamos ter uma ciência de ponta”, alertou Barreto.
Barreto insistiu em dizer que o foco deve ser no estímulo à criatividade. “A criação é um ato do futuro e não do passado. Não dá pra querer fiscalizar e manter o controle de todos os detalhes – isso é avesso, antagonista à criação. A ciência criativa é um ato de risco, é um processo fundamental para que a ciência brasileira possa germinar. E nisso a Mc Nutt tem razão.”
Finalizando, reforçou que a universidade precisa corresponder ao que Anísio Teixeira e outros pesquisadores de educação pregavam: um ambiente criativo fértil, onde as mentes se desenvolvam dentro de um projeto de transformação da sociedade.