Vinte e quatro novos membros titulares passaram a fazer parte dos quadros da Academia Brasileira de Ciências em 2014, mas dois deles já eram figuras conhecidas da Casa. O físico Ado Jório Vasconcelos e o matemático Fernando Codá Marques foram os primeiros membros afiliados a se tornarem Acadêmicos permanentes da ABC. A categoria de membros afiliados foi criada em 2007 para cientistas de até 40 anos que, ao serem eleitos, tornam-se membros da Academia por um período de cinco anos.
Um físico de números impressionantes – e muito mais
Vasconcelos tem uma carreira que impressiona até mesmo os mais experientes. Com apenas 41 anos, o físico e professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) publicou 192 artigos que somam 13.850 citações. Seu índice H é 60, número pouco comum, e ele depositou seis patentes no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Com experimentos pioneiros, Vasconcelos revolucionou a foto-física de nanotubos de carbono.
Seu trabalho atual é no campo da nanociência, com foco no uso da luz para acessar as propriedades de nanomateriais e no desenvolvimento de instrumentação científica com esse fim, como espectrômetros e medidores. “A luz tem um limite de resolução espacial, na casa da fração da luz, dos 500 nanômetros. Eu desenvolvo um aparelho que leva essa resolução para a escala nanométrica.”
Graduado pela UFMG, ele pulou o mestrado e fez doutorado-sanduíche na mesma universidade e no Instituto Laue Langevin, na França. Vasconcelos também concluiu um pós-doutorado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e, recentemente, voltou de um ano sabático no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH, na sigla em alemão), na Suíça. Lá, trabalhou no Departamento de Engenharia Elétrica, no tema de luz, instrumentação e nanomateriais. “Estava num laboratório em que tinha acesso a tudo que eu quisesse, com boa infraestrutura e facilidade de contato com diversos grupos na Europa”, conta.
Eleito membro afiliado em 2007 pela regional Minas Gerais & Centro-Oeste, Vasconcelos conta que a ABC lhe deu uma visão mais abrangente da ciência com a realização de eventos transdisciplinares. “Foi um período de crescimento”, diz o pesquisador que, nesse tempo, também trabalhou com desenvolvimento de nanometrologia no Inmetro e como diretor do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da UFMG. “Essas três frentes me tiraram do foco do físico para um foco mais amplo do cientista.”
Ado Jório recebendo seu diploma das mãos do ministro de CT&I Clélio Campolina
Sua produção científica bastante elevada e reconhecida e o fato de ter conciliado a pesquisa com serviços à comunidade – desde gestão de grandes projetos até o trabalho no Inmetro e no NIT – contribuíram para que Vasconcelos fosse eleito membro titular tão jovem. Casado e com duas filhas, de 9 e 11 anos, o físico gosta de tocar teclado, bateria, piano e flauta, mas apenas para lazer próprio, ressalta, pois ele diz “não ser bom nisso”.
“Meus grandes professores foram meus pais”, destaca Vasconcelos. Ainda assim, ele reconhece a importância de nomes como o da falecida Acadêmica Maria Carolina Nemes, do Departamento de Física da UFMG, e da professora e membro correspondente da ABC Mildred Dresselhaus, sua supervisora de pós-doutorado no MIT. “Cada uma delas teve um impacto importante na minha forma de ver o mundo e a ciência.”
Para Vasconcelos, a legislação brasileira engessa a atividade de CT&I. Ele admite, no entanto, que os avanços desde que entrou no doutorado, em 1995, foram imensos. “Nessa época, publicar em um periódico internacional considerado hoje qualis A2 era um grande sucesso”, recorda. “Hoje, nossos alunos publicam frequentemente em revistas A1, e a produção científica aumentou substancialmente. A infraestrutura laboratorial também evoluiu muito, graças aos avanços no financiamento da pesquisa no país”.
O matemático que solucionou um problema cinquentenário
Fernando Codá Marques, pesquisador do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), tem dado contribuições fundamentais à área de geometria diferencial e superfícies no espaço. Seu trabalho é sobre a curvatura escalar, problemas variacionais da geometria conforme, superfícies mínimas e aplicações da teoria de fluxos geométricos.
O brilhante jovem matemático foi responsável pela solução da famosa e cinquentenária conjectura de Willmore, proposta em 1965. “Em linhas gerais, ela discorre sobre encontrar a melhor forma possível para a superfície de uma boia, que os matemáticos chamam de toro”, explica. Willmore tinha feito uma previsão que sua equipe confirmou ser verdadeira. O resultado foi divulgado em 2012 e publicado em 2014 – e, claro, ganhou reconhecimento internacional.
Agora, o mais novo feito de Codá foi ter sido um dos mais jovens membros titulares eleitos da ABC, com somente 34 anos. O pesquisador já tinha ficado feliz quando tornou-se membro afiliado pela regional Rio de Janeiro, em 2009. “Foi um reconhecimento importante do meu trabalho e um estímulo muito grande, porque me motivou a continuar perseguindo os meus objetivos e mostrou que eu estava no caminho certo. Vi que era possível chegar um dia à posição de titular.”
O presidente da ABC entrega o diploma à Fernando Codá
Hoje, concretizar essa possibilidade é uma honra para Codá, que vê o título como uma continuidade e mais um incentivo. Nascido em Maceió, ele começou a faculdade de engenharia civil, mas, durante um curso de verão no Impa, descobriu o gosto pela matemática. Aceitou o convite para iniciar o mestrado lá e trancou a graduação na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) que, depois, conseguiu transferir para matemática. Teve como orientador de iniciação científica o Acadêmico Hilário Alencar da Silva. Concluiu os dois ao mesmo tempo.
O título de doutor, ele obteve pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, em 2003, e voltou já como professor do Impa. No mesmo país, fez um pós-doutorado pela Universidade de Stanford em 2005 e, atualmente, está fazendo um estágio de um ano na França, como professor visitante nas instituições École Polytechnique, École Normale Superieure e Université Paris-Est (Marne-la-Vallée).
Assim como Ado Jório, Codá considera que a burocracia ainda é um entrave que atrapalha muito as universidades. “O processo de contratação é muito complicado, mas felizmente o Impa tem sido bem sucedido em superar isso e ser mais flexível, especialmente ao trazer pessoas de fora.” A internacionalização, inclusive, é algo que, na visão do matemático, precisa ser cada vez mais desenvolvida.
Codá opina que a ciência brasileira vem tendo um impacto cada vez maior no cenário internacional. “Isso é consequência do trabalho de muita gente que veio antes e que se dedicou. Eu sou um fruto desse esforço.”
Entre esses precursor
es, alguns inspiraram muito a carreira do jovem. Ele cita o Acadêmico Manfredo Perdigão do Carmo, seu orientador no Impa antes de ele ir para os Estados Unidos e que foi importante na sua escolha pela área da geometria diferencial. Outro membro da ABC que o matemático menciona é Elon Lages Lima, que o influenciou com seus livros e aulas, e o próprio Jacob Palis, presidente da ABC.
Casado há um ano, Codá não faz jus ao estereótipo comum à sua profissão e se considera “uma pessoa normal”. Gosta de jogar futebol, sair com os amigos, ir ao cinema e se interessa por assuntos muito diversos. “Mas a minha paixão mesmo é a matemática”, admite o cientista.
Para Jacob Palis, o fato de dois afiliados terem rapidamente se tornado membros titulares é motivo de “muita felicidade”, e comprova a aposta da ABC nos jovens cientistas de grande talento. “Temos certeza de que esse feito vai se reproduzir em uma escala cada vez maior, inclusive em relação às pesquisadoras mulheres”, afirma. “Estamos convictos de que a criação dessa categoria teve pleno êxito.”