O membro titular da ABC Jailson Bittencourt de Andrade proferiu a palestra de abertura do 2º Encontro Regional de Membros Afiliados da ABC NE & ES, intitulada “Pesquisando Kirimurê”. A palavra tupinambá significa “grande mar interior”, ou seja, é o nome indígena da Baía de Todos os Santos. “Ela foi assim batizada pela expedição portuguesa que chegou a Bahia em 1º de janeiro de 1501, que é dia de Todos os Santos.”


Ocupação acelerada

Andrade relatou que a Baía passou a ter uma posição estratégica para Portugal, tanto no caminho para as Índias como para a ocupação de novas terras.
Com a fundação da cidade de Salvador, foram surgindo engenhos de cana-de-açúcar. “O engenho era a unidade agroindustrial mais complexa da época e no ano de 1720 já havia 150 deles”, contou o Acadêmico.
Além dos engenhos, a cidade se dedicou também a construção naval – de grandes navios para a Carreira da Índia, de canoas a vela e de navios negreiros.
Saltando para 1950, Andrade abordou o começo de uma nova era de desenvolvimento industrial na região da Baía – formada pelos rios Paraguaçu, Subaé e Jaguaripe e uma das duas maiores do Brasil. A Petrobras se estabeleceu no local, com a refinaria Landulfo Alves.
Nas décadas seguintes (1960 e 70), foram construídos o complexo industrial de Aratu e o Complexo Petroquímico de Camaçari, e a região incorporou dez terminais portuários de grande porte.
Hoje, a área conta com mais de 170 unidades industriais, atividades agrícolas, de pesca e mariscagem, além de três milhões de habitantes e seus respectivos efluentes.

Afloramentos de rochas estratificadas associadas a correntes de turbidez

próxímo à Base Naval de Aratu


Multidisciplinaridade ampla, geral e irrestrita
O estudo liderado por Jailson de Andrade é uma agenda que envolve pesquisa em química, oceanografia, educação, formação de recursos humanos, artes, história e cultura. Tudo começou em 2007, com a proposta de um estudo multidisciplinar da Baía de Todos os Santos. Foi formado um grupo de trabalho designado pela diretoria científica da Fapesb, envolvendo físicos, químicos, biólogos, engenheiros, artistas plásticos, sociólogos. “Passamos três meses ajustando as linguagens, até conseguirmos realmente estabelecer uma comunicação e desenvolver o projeto”, conta o pesquisador.
A necessidade de ações no local era premente: a degradação ambiental já era uma realidade em algumas regiões da baia e não havia um programa de gestão ambiental eficiente. Não havia observações de longo prazo, os dados existentes haviam sido colhidos com incompatibilidades metodológicas, enfim, era uma situação que requeria atuação urgente.
A proposta do grupo envolvido foi ambiciosa: um projeto de 30 anos, dividido em seis ondas de cinco anos, envolvendo governo, universidade e empresas. A multidisciplinaridade se caracterizou pela reunião de pesquisa básica, pesquisa aplicada, produtos e formação de recursos humanos voltados para o ambiente físico, a oceanografia e a qualidade ambiental. Abrangia ainda o ambiente humano, através da educação e da cultura, incluindo artes plásticas, história e antropologia. Boa parte dos resultados pode ser vista no site do Instituto Kirimurê.
Somando sonhos
A dinâmica do trabalho é original. Com coordenação geral de Jailson de Andrade, a gestão do projeto envolve doze coordenadores, um ou dois para cada eixo do projeto: Ambiente Físico, Ambiente Humano, Oceanografia, Artes, Educação, Recursos Naturais e Biodiversidade, História e Cultura. Alguns grupos de pesquisadores ficam morando temporariamente nos locais onde desenvolvem as pesquisas e para o acompanhamento do projeto e compartilhamento de resultados são feitos seminários regulares, em diferentes cidades da Baía, sobre os mais diferentes temas.
Abordando as questões científicas, Andrade deu alguns exemplos dos trabalhos de alguns dos grupos de pesquisa envolvidos no projeto. Na área da química, são estudados os aerossóis atmosféricos, especialmente em escala nanométrica, e a toxicologia deles. A poluição e as mudanças térmicas que vêm provocando o branqueamento de corais são foco de uma equipe das geociências.
Outro grupo trabalha com sensoriamento remoto, verificando variações de temperatura e de clorofila, por exemplo, e outros ainda estudam o fluxo de dióxido de carbono, tanto no oceano quanto na parte atmosférica. Uma equipe de biólogos faz o inventário das macroalgas das ilhas, analisando sua composição química, pois são indicadores de poluição. Em termos de produção científica, o projeto gerou em quatro anos 62 teses de doutorado, 108 dissertações de mestrado e 500 artigos científicos.
Na área etnográfica, os pesquisadores estão levantando as artes de pesca que estão desaparecendo e nas artes plásticas são desenvolvidas oficinas para criação de painéis, entre outras atividades. Historiadores estudam a mestiçagem de Itaparica que derivou nos caboclos. “Esse tema gerou um vídeo e uma exposição de fotos“, conta Jailson, além de ter sido criada a marca Caboclos de Itaparica, “que é explorada por eles, associada à sua produção.”
Na área de educação, o projeto contém ações voltadas para o ensino fundamental e médio, está envolvido com o Programa de Vocação Científica (Provoc) da Fundação Oswaldo Cruz e mantém atividades de visitas de c
ientistas a escolas. Dentro do escopo educativo do projeto, estão disponíveis cartilhas muito interessantes e bem desenvolvidas sobre Pesca, Água e Zona Costeira, entre outras. A divulgação científica para crianças e jovens também faz parte do projeto. Foram criados personagens da Turminha Kirimurê e organizada uma Mostra Cinema Kirimurê.
Outras atividades artísticas e culturais também estão relacionadas ao projeto. A produção de imagens através da oficina de fotografia “Meu Lugar vê o Mundo” foi financiada pela Petrobras e desenvolvida junto à Associação da Comunidade de Botelho, com fotos feitas pelos jovens da região. “Cada um recebia uma câmera e a recomendação era empreste seus olhos pra nós. Resultou num bom conjunto de informações para subsidiar políticas públicas”, relatou o Acadêmico.
A riqueza do projeto é imensa, e pode ser dimensionada através da navegação nos links anteriores e no acesso gratuito a dois excelentes livros – Baía de Todos os Santos – Aspectos Oceanográficos e Baía de Todos os Santos – Aspectos Humanos.