Lis Ribeiro do Valle Antonelli nasceu numa cidade pequena, no sul de Minas Gerais. A vida era simples, tranquila e ela tinha liberdade. Sua mãe trabalhava em casa, com artesanato em vidro. Quando os três filhos cresceram, passou a dar aulas de matemática. O pai era comerciante, mas almoçava em casa diariamente, com os filhos. “Era o horário em que compartilhávamos o que estava acontecendo em nossas vidas”, conta Lis, que era a mais velha dos irmãos e dos primos, líder das brincadeiras com bola e bicicleta. Nos fins de semana e férias, geralmente passados em fazendas, andava a cavalo, fazia piqueniques e tomava banho de cachoeira.
Uma infância ideal: arte, ciência e natureza
Ela conta que cresceu num ambiente artístico. “Meu pai foi músico, um dos meus avôs se aventurava na literatura e uma de minhas avós era pintora, também apaixonada por música. Qualquer situação a remetia a uma letra de música ou uma poesia. Com ela comecei a apreciar a música, principalmente brasileira”, relata Lis. Também foi em casa que se interessou pela literatura. “Achava muito curioso ver minha mãe chorando ao ler um livro e tinha curiosidade de saber o que se passava na cabeça dela. Quando ela começou a compartilhar os seus livros comigo, senti que fiz uma conquista. E me encantei, por exemplo, pela ironia dos romances de Machado de Assis.”
Ainda criança, em função da morte do avô, a menina e os irmãos ficaram muito próximas de um tio avô. “Ele tinha uma paciência infinita e uma maneira especial de despertar o nosso interesse por coisas relacionadas a animais e plantas. Adorava contar estórias de sua profissão e da sua vida pessoal que me transportavam para um mundo diferente e misterioso. Ele era um cientista e sua personalidade envolvente me vez acreditar que sua profissão era muito especial.” Aliado a esse estímulo, havia o interesse natural: na escola, Lis sempre gostou de ciências. Conta que teve ótimos professores de biologia e de química, que com certeza incentivaram o seu interesse por estas disciplinas. E à medida que o tempo passava, outras coisas foram forjando sua vocação – a maioria delas relacionada à biologia, à experimentação e à novidade.
Uma das escolhas mais importantes da vida: a profissão
Lis considerava a área biológica fascinante e no ensino médio confirmou sua aptidão para biologia e química. Além disso, desde muito cedo mostrou interesse em compreender a fisiologia e as patologias humanas. Assim, a opção pelo curso de farmácia pareceu perfeita, conciliando aptidões e interesses. E ingressou na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas).
Durante a graduação, o laboratório lhe parecia o lugar ideal para passar os dias, tanto que ingressou, como estagiária, no único laboratório do núcleo básico que realizava pesquisa. Fez iniciação cientifica em micologia e farmacologia, fase em que aprimorou sua formação técnica e intelectual. No quarto ano de graduação, cumprindo os estágios curriculares nas farmácias hospitalar e ambulatorial, além de coordenar grupos de orientação a gestantes, diabéticos e hipertensos em em Centros de Saúde, Lis foi conhecendo uma realidade totalmente diferente da que vivia anteriormente, o que a motivou a direcionar sua trajetória profissional e pessoal para o bem estar da população menos favorecida.
Com a maturidade, a Acadêmica foi constatando que o que mais a encantava mesmo era a novidade. “Percebi então que a pesquisa me traria dias diferentes um dos outros, e isto realmente me entusiasmou: a possibilidade de mudar, de conviver com pessoas diferentes e discutir ideias, além de contribuir para o entendimento das coisas.” Assim, no último ano de graduação, auxiliando no processamento das amostras e dos dados do trabalho de doutorado de sua professora de imunologia clínica, decidiu definitivamente qual seria sua área de pesquisa. Iniciou então o mestrado no Departamento de Imunologia da Universidade de São Paulo (USP), com a professora Zuleica Caulada-Benedetti.
“Foi um período bastante conturbado, em função da demissão de minha orientadora”, conta Lis. Felizmente ela teve ajuda das colegas de laboratório, de professores do Departamento e, sobretudo, do Acadêmico Erney Camargo, “que nos concedeu espaço físico para a realização dos três projetos de pesquisa em andamento.” E ela conseguiu defender sua dissertação: “Estudo comparativo de apoptose de células esplênicas em camundongos infectados com cepa letal ou não letal do Plasmodium chabaudi chabaudi“, financiada pela Fapesp.
Durante este período, Lis Antonelli participou ativamente de outros dois projetos de pesquisa do laboratório e foi através de uma dessas colaborações que chegou a Belo Horizonte, onde realizou experimentos no laboratório dos professores Kenneth Gollob e Walderez Dutra, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Iniciou então seu doutorado em bioquímica e imunologia no ano de 2001, na UFMG, com bolsa do CNPq, estudando o papel de determinadas subpopulações celulares na progressão da doença ou no desenvolvimento da resposta imune protetora contra a Leishmania braziliensis em humanos. Neste trabalho, Lis contou com a colaboração fundamental dos professores Edgar Carvalho e Olivia Bacelar, um vez que todos os experimentos envolvendo amostras de pacientes com leishmaniose foram realizados no Hospital da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Fez um estágio de treze meses com apoio da Capes, na modalidade doutorado-sanduíche, na Universidade de Oxford, na Inglaterra, sob supervisão dos professores Kevin Maloy e Fiona Powrie – esta, uma das pioneiras nos estudos de células T reguladoras. Em 2005, Lis defendeu sua tese de doutorado, com a sensação de que aquele tinha sido o período mais intenso de sua vida.
Compreendendo o sistema imunológico para contribuir com a saúde pública
Lis Antonelli tem se dedicado a compreender como as nossas células de defesa agem quando se deparam com um agente agressor, como quando somos desafiados por uma doença. “Entender a forma como essas células controlam e eliminam o agente agressor do nosso corpo pode nos ensinar a ajudar estas células quando elas não conseguem realizar as suas tarefas sozinhas”, explica a pesquisadora. Ela esclarece que o nosso corpo lida com muitos micro-organismos todos os dias e consegue combater a maioria deles. “No entanto, alguns são muito complexos e conseguem enganar o nosso organismo. Assim, busco contribuir para aumentar o conhecimento sobre os mecanismos de defesa do nosso corpo contra micro-organismos que possam representar uma ameaça para a nossa saúde.”
Seu trabalho envolve a utilização de amostras de pacientes com diferentes patologias, todas elas predominantes em regiões menos favorecidas, a partir do contato direto com esses pacientes e do conhecimento de suas realidades. Ela diz que gosta de compartilhar do conhecimento de outras pessoas e de trabalhar em equipe para resolver os desafios que surgem a cada dia. “Para mim é significativo poder fazer alguma coisa que, mesmo indiretamente ou em longo prazo, possa contribuir para o bem-estar dessas populações. Isso faz com que a minha vida profissional seja dinâmica e tenha sentido.”
E esse sentido foi reforçado com o reconhecimento de sua dedicação à ciência, que é como Lis Antonelli avalia o honros
o título de membro afiliado recebido da ABC. “Pretendo retribuir aprofundando minha atividade científica e investindo na formação de pessoas que almejam seguir um caminho semelhante, visando o interesse da saúde pública brasileira.”