Fabrício Benevides sabe enumerar, desde pequeno, os componentes básicos de um computador pessoal. E mais: ele aprendeu suas funções ainda na infância, pois um de seus irmãos mais velhos estudava na Escola Técnica do Ceará (hoje IFCE) e, por isso, começou a trabalhar na área bem cedo, antes mesmo de ingressar no ensino superior.

Além de possibilitar seu acesso aos computadores à medida que se popularizavam no Brasil, Fabrício conta que o irmão, assim como o restante da família, foi para ele um exemplo de perseverança e honestidade. O pai, engenheiro agronômico de formação, é professor do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Ceará (UECE) até hoje. A mãe é geógrafa, mas não exerce a profissão.

Antes que a preocupação sobre que carreira escolher acometesse o menino, uma de suas atividades prediletas era ir à praia do Pecém, no município de São Gonçalo do Amarante, onde seus pais tinham uma casa. Quem não gostaria de tomar banho nas lagoas que se formavam em meio às dunas nas épocas de chuva? Fabrício certamente adorava. Gostava também de brinquedos que estimulassem sua imaginação e, no colégio, dos exercícios de matemática. “Era minha matéria preferida, especialmente porque eu participava das Olimpíadas Brasileiras de Matemática (OBM). Isso me estimulava a ler sobre cada assunto antes mesmo que ele fosse ministrado em sala de aula”, conta. No oitavo ano do ensino fundamental, por exemplo, resolveu todos os exercícios do livro de matemática antes do terceiro mês letivo.

Envolver-se com as Olimpíadas foi realmente significativo para Benevides. Em função da experiência, decidiu seguir o campo da pesquisa ainda nos tempos de escola. “Eu só não sabia se seria capaz”, confessa. Mas foi. E como foi! Hoje acumula os cargos de coordenador regional da OBM e professor adjunto da Universidade Federal do Ceará (UFC) – onde é colega de Antônio Caminha Muniz Neto, seu ex-professor de matemática olímpica no Colégio Sete de Setembro.

Muniz Neto é membro afiliado da ABC; desde o dia 1º de janeiro de 2014, Fabrício também. Enxergando o título como um reconhecimento à sua trajetória, ele diz que a primeira palavra que lhe vem à cabeça é motivação. “Motivação para que eu possa continuar a contribuir com a ciência no Brasil, para descobrir novos talentos e ajudar no treinamento de novos matemáticos e, em geral, para contribuir no desenvolvimento da educação em nosso país”, conta.

Para chegar a esse patamar, no entanto, Fabrício passou alguns anos especializando-se. O primeiro passo foi ingressar na universidade. Mesmo tendo sido aprovado em vestibulares de renomados cursos de engenharia, como os institutos Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e Militar de Engenharia (IME), sua vontade era estudar ciências da computação. Já matriculado na UFC, ele não pôde se candidatar à iniciação científica, pois treinava alunos do ensino médio para competições de matemática. Isso não o impediu de participar das atividades como voluntário. Orientado pela professora Cláudia Linhares Sales, uma de suas maiores fontes de inspiração, Fabrício lembra que foi ela quem conteve seu impulso de trocar de curso e ir estudar matemática.

Após graduar-se, rumou ao mestrado. Com seus objetivos delimitados e um foco agora bem mais teórico do que prático, decidiu parar de dar aulas para se dedicar exclusivamente à especialização. “Nesta época também saí da casa de meus pais para morar em uma república de estudantes em São Paulo”, recorda. Em meio a tantas mudanças, o orientador Yoshiharu Kohayakama soube direcioná-lo “de forma certeira”, como conta o próprio Benevides. Na época, ele ainda não sabia muito bem o que era fazer pesquisa.

Resgatando seus sonhos de adolescência, Fabrício foi cursar um doutorado em matemática pura na Universidade de Memphis, nos Estados Unidos (EUA), onde conviveu com o professor Béla Bollobás, que anos antes também havia orientado Kohayakama. Nessa etapa de suas pesquisas, Benevides teve ainda a oportunidade de visitar muitas outras instituições, dentre elas o Instituto Renyi, na Hungria, a Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e a Microsoft Research, também nos EUA. Ao retornar ao Brasil, foi bolsista de pós-doutorado júnior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela UFC.

O adolescente que costumava surfar com irmãos e amigos em praias do Nordeste hoje se encanta com as diferentes facetas da ciência. Unificar tópicos de diferentes áreas (e aparentemente disjuntos) em uma única teoria é um de seus maiores interesses. E, em sua visão, a matemática é uma ciência que favorece esse tipo de interconexões. “Por vezes, também é possível encontrar relações inesperadas entre as diversas subáreas de matemática”, completa. Atualmente, seus principais temas de pesquisa – a Combinatória Extremal, a Teoria dos Grafos e Teoria de Ramsey – se enquadram dentro de uma área maior, a Combinatória.

Na maioria das vezes, a Combinatória estuda objetos matemáticos finitos ou enumeráveis. De acordo com o novo afiliado da ABC, alguns dos interesses do campo estão na contagem do número de objetos de certo tipo e tamanho e na construção e análise da existência de objetos finitos que satisfazem uma dada propriedade. O grafo é um desses objetos de estudo. “Um grafo é uma abstração matemática que serve para modelar inúmeras situações da realidade nas quais há certo conjunto de objetos e cada par desses objetos pode, ou não, estar relacionado”, explica o matemático. Essa linha de pesquisas permite a Fabrício a união de suas duas áreas de formação: a matemática pura e a ciência da computação.

Refletindo sobre todo o caminho percorrido desde sua infância, Benevides se recorda de uma interessante – e motivadora – citação do matemático britânico Andrew Wiles: “Você entra em um primeiro quarto de uma mansão. Ele se encontra completamente escuro. Você esbarra em alguns móveis e gradualmente aprende onde cada um deles se encontra. Após meses de trabalho você finalmente encontra um interruptor e, de repente, tudo fica iluminado. Você vê exatamente onde esteve. E então segue para o quarto seguinte e passa os próximos meses no escuro. Cada um desses avanços, apesar de passageiros, não poderia ter acontecido sem o trabalho e os tropeços realizados nos meses anteriores.”