Leia abaixo, na íntegra, artigo de autoria do Acadêmico Isaac Roitman (na foto abaixo) publicado pelo Correio Braziliense em 3/02/2014:

“O leitor certamente achara estranho o título do artigo. Norucongo é uma nova palavra. Tive o cuidado de verificar no Google. A sua criação foi inspirada na Belíndia , conjunção da Bélgica e Índia, termo popularizado por Edmar Bacha em sua fábula “O rei da Belíndia”. Norucongo é a conjunção de outros dois países, a Noruega e o Congo. O quadrilátero se refere a forma geométrica do Distrito Federal.

Esse texto foi inspirado no documentário: “Noruega e Congo no centro do Brasil” de autoria de Camila Murugussa e Jhady Arana que utilizaram dados do Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) e da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). Nessa excelente obra cinematográfica é mostrado que temos a Noruega e o Congo dentro do quadrilátero. A Noruega é representada pelo Lago Sul e o Congo pela Cidade Estrutural. A Noruega é o país que apresenta o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): 0,943. O Lago Sul supera o IDH da Noruega: 0,945. Por sua vez a Cidade Estrutural tem o IDH semelhante ao Congo que é o país de menor índice do planeta: 0,286. O IDH é baseado em renda, educação e saúde (expectativa de vida) e foi criado como um contraponto ao indicador utilizado até então o PIB (Produto Interno Bruto) que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. No Lago Sul a renda per capita é de aproximadamente R$ 6.000,00 e a renda familiar de cerca de R$ 19.000,00. Na Cidade Estrutural a renda per capita é de R$ 300,00 e a familiar de R$ 1.300,00. No documentário vários especialistas, Julio Miragaya (presidente da Codeplan), Serguei Suarez, Herton Araujo e Marcelo Medeiros (pesquisadores do IPEA) discutem a extrema desigualdade social do Distrito Federal que é a maior entre as unidades federativas do Brasil. No Lago Sul 84% dos chefes de domicílios tem curso superior, ao contrário dos baixos níveis de escolaridade da Cidade Estrutural. A grande migração que vem ocorrendo no Distrito Federal e na sua região metropolitana é também um vetor importante para a construção desses cenários tão desiguais entre duas localidades do Distrito Federal separadas por uma distância de 20 Km. Para agravar o problema social os investimentos em infra-estruturas (educação, saúde, segurança, transporte, etc.) são maiores nas regiões cujos habitantes são de alta renda. Essa lógica perversa precisa ser revertida.

A miséria e a desigualdade no Brasil é uma herança do período colonial escravagista. O crescimento econômico sem a repartição da riqueza em um modelo de concentração de rendas e terras, de esgotamento de recursos naturais e sem proporcionar uma educação de qualidade provavelmente, aumentará o abismo entre ricos e pobres. Sem a reversão desse quadro as crianças e jovens de famílias de baixa renda não terão oportunidade de terem uma educação de qualidade. Assim não terão oportunidades em um mercado de trabalho justo e serão candidatos a uma vida no mundo da marginalidade. Provavelmente estamos a beira da explosão do caldeirão social. O abismo que se alarga entre “os que têm e os que não têm” transformou o relacionamento humano em um cenário de conflitos permanentes – étnicos, tribais, religiosos, nacionalistas ou meramente sociais, enquanto os indivíduos experimentam frustração, alienação e desconforto sem fim.

Os recentes fenômenos sociais, manifestações nas ruas e rolezinhos, que são frutos de mobilização social e da consciência do reconhecimento dos jovens a seus direitos, expressam a insatisfação dos habitantes das populações marginalizadas e sofridas.

As políticas e instrumentos de inclusão social (bolsa família, cotas, etc.) podem amenizar a situação. Porém políticas de longo prazo devem ser introduzidas para que essas medidas sejam extintas. O primeiro passo seria proporcionar uma educação básica de qualidade a todos os jovens brasileiros. Teríamos assim uma nova geração que teria a oportunidade de trabalho para uma vida digna e com um comportamento social com solidariedade e ética.

Chegamos a uma encruzilhada na evolução da espécie humana. A ameaça de cairmos numa nova idade de trevas tornou-se concreta. É importante que tenhamos a consciência que estamos todos vivendo uma breve viagem no planeta. Nessa viagem devemos deixar um legado virtuoso para nossos descendentes. Esse esforço de cada um de nós para a extinção do Norucongo no DF e no Brasil deverá ser a nossa missão prioritária.”