
Essa percepção sobre o papel estratégico da C&T e os altos investimentos feitos no setor em decorrência dela é, para Chunli Bai, a principal razão para os grandes avanços feitos na última década. O químico chinês é presidente da Academia Chinesa de Ciências (CAS), o principal órgão do sistema de C&T do país. Ele estará no Rio de Janeiro, na semana que vem, participando do sexto Fórum Mundial de Ciências, que acontecerá pela primeira vez fora da Hungria e em um país em desenvolvimento.
Na avaliação de Bai, que também é presidente da Academia de Ciências dos Países em Desenvolvimento (TWAS, na sigla em inglês), o compromisso do Fórum em vincular a ciência com o desenvolvimento social tem contribuído para fortalecer o impacto do evento, que reúne cientistas, gestores e formuladores de políticas de todo o mundo para a troca de ideias. O fato de ocorrer pela primeira vez em um país em desenvolvimento é, a seu ver, uma grande oportunidade para a participação maior de representantes desses países nesse importante espaço de debate.
Em entrevista concedida à Academia Brasileira de Ciências – organizadora do Fórum no Brasil – antes de embarcar para o Brasil, Chunli Bai, que concilia sólida carreira de pesquisa em áreas de ponta com atuação importante na política científica, fala sobre as conquistas e desafios da ciência chinesa, a importância da cooperação internacional no setor, em especial entre os países que compõem o BRICS – bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – e sobre os esforços direcionados no país à nanotecnologia, sua atual área de interesse.
O presidente da CAS fala ainda sobre suas expectativas para o Fórum Mundial de Ciências, que já tem a presença confirmada de mais de 700 líderes mundiais, de cerca de 120 países, e será transmitido ao vivo pelo site www.sciforum.hu, onde há informações detalhadas sobre o evento.
Confira, a seguir, a entrevista com Chunli Bai:
Os números e o crescimento da ciência chinesa impressionam. Qual o segredo do sucesso?
Acho que há várias razões para isso. Uma delas é a grande importância atribuída à ciência e à tecnologia por parte do governo chinês, o que tem levado a um rápido aumento do investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no país. Ao longo da última década, os recursos investidos na área tiveram um crescimento anual de quase 20%. A partir de 2012, o investimento total da China em P&D correspondeu a aproximadamente 164 bilhões de dólares, representando cerca de 12% do investimento total em P&D no mundo.
Outro motivo é a rápida expansão, em escala, de recursos humanos voltado à P&D. Desde 2010, a China tornou-se o maior pool de cientistas e engenheiros do planeta, sendo responsável por quase 25% da força total em P&D do mundo.
A terceira razão está relacionada às políticas adotadas pela China para atrair eminentes cientistas internacionais, tais como o Programa dos Cem Talentos, iniciado pela Academia Chinesa de Ciências, e o Programa dos Mil Talentos, lançado pelo governo chinês. A cooperação internacional também tem contribuído significativamente para o rápido desenvolvimento da C&T chinesa.
Temos todas as razões para acreditar que a contribuição da China para a C&T mundial vai continuar a crescer. No entanto, nosso investimento em P&D per capita ainda é muito baixo, muito abaixo do nível médio mundial, o que indica que o volume de recursos está longe de ser satisfatório e há uma grande concorrência por financiamento no setor. Embora tenhamos tido rápido crescimento do número de publicações, as taxas de citações são ainda relativamente baixas. Há, portanto, um longo caminho a percorrer antes de podermos chamar a ciência chinesa de um “verdadeiro sucesso”.
Como o senhor encara o desafio de liderar a principal entidade do sistema chinês de ciência e tecnologia nesse contexto de grande crescimento?
A Academia Chinesa de Ciências (CAS) é um órgão nacional de pesquisa, líder em ciências naturais, biológicas e tecnológicas. Nosso orçamento anual de P&D corresponde a cerca de 4% do total nacional e os recursos humanos da CAS voltado ao setor equivale a aproximadamente 2% da força de trabalho do país. A escassez e a intensa disputa por recursos para a pesquisa na China também são fortemente sentidas pela CAS. Focada na consolidação de uma instituição científica de classe mundial, a forma de gerir nossos limitados recursos e otimizar nossa performance científica é um grande desafio para a Academia.
Em uma era de globalização, não devemos tentar fazer tudo. Não devemos apenas copiar ou duplicar o que outros estão fazendo. Temos que aperfeiçoar o nosso foco de pesquisa para melhorar nossas condições de competir e cooperar com parceiros nacionais e internacionais enquanto abordamos desafios locais e globais. É por isso que tenho defendido uma iniciativa de reforma chamada Estratégia de Planejamento “135”. “1” significa uma estratégia de pesquisa claramente definida ou “posicionamento estratégico” no contexto global. “3” refere-se aos três maiores avanços que podemos alcançar no futuro previsível. E “5” para as cinco direções mais promissoras baseadas em nossos pontos fortes. Pedi a cada instituto da CAS para seguir esse princípio básico ao reformar seu sistema e estrutura de pesquisa.
Não só a China, mas os BRICS com um todo têm aumentado sua participação na C&T global. Como o senhor avalia a cooperação científica entre os países do bloco?
Vejo os BRICS como uma potência em ascensão para a C&T no século 21. Os países do bloco compartilham desafios semelhantes no que se refere ao desenvolvimento. A ciência e a tecnologia vão ajudar a fornecer soluções para muitos desses desafios. Assim, há um enorme potencial para o fortalecimento da cooperação entre os países do BRICS.
Atuando também como presidente da TWAS, sinto-me na obrigação de promover a cooperação científica Sul-Sul e Sul-Norte. Países do BRICS também podem tirar proveito da plataforma TWAS para fortalecer a cooperação científica com o resto do mundo, a exemplo do que a CAS tem feito. Através do programa Bolsas do Presidente TWAS-CAS, oferecemos 140 bolsas de doutorado por ano para estudantes de pós-graduação de países em desenvolvimento, cada uma com duração de quatro anos. Entre as 603 submissões que recebemos na primeira chamada, identificamos muitos candidatos elegíveis do Brasil, Índia, África do Sul e outros países.
Nós também estamos tentando estabelecer centros de excelência internacionais de cooperação científica entre a China e outros países
em desenvolvimento, através de uma estreita cooperação com a TWAS. Esses centros são baseados na China ou em outros países em desenvolvimento e estão focados em questões de importância vital para o seu desenvolvimento. Por exemplo, o Centro de Excelência TWAS-CAS para Água e Meio Ambiente enfoca a questão premente da água e o Centro de Excelência TWAS-CAS em Observação da Terra para a Mitigação de Desastres espera poder trabalhar com mais países na previsão e mitigação de desastres naturais.
em desenvolvimento, através de uma estreita cooperação com a TWAS. Esses centros são baseados na China ou em outros países em desenvolvimento e estão focados em questões de importância vital para o seu desenvolvimento. Por exemplo, o Centro de Excelência TWAS-CAS para Água e Meio Ambiente enfoca a questão premente da água e o Centro de Excelência TWAS-CAS em Observação da Terra para a Mitigação de Desastres espera poder trabalhar com mais países na previsão e mitigação de desastres naturais.
O senhor desenvolve trabalho importante em nanociência e nanotecnologia, áreas com crescente investimento global. Qual o nível de importância atribuído ao setor na China?
Desde 2001, a nanotecnologia tem sido uma prioridade estratégica de P&D na China. Nossos esforços de pesquisa visam alcançar importantes avanços tecnológicos, principalmente pertinentes às indústrias emergentes e à mudança do modo de produção na China. Por exemplo, as novas descobertas em nanomateriais têm estimulado uma série de aplicações comerciais, incluindo a tecnologia verde de impressão, catalisadores de alta performance, materiais de revestimento, entre outras.
De acordo com as estatísticas, a China tem o maior número de publicações no mundo em nanociência e nanotecnologia e a CAS é a organização científica líder em número de trabalhos científicos nessas áreas. Os resultados encorajadores, tanto em pesquisa fundamental quanto em aplicações industriais, levam a uma forte sensibilização da sociedade para os importantes potenciais da nanotecnologia para o futuro do nosso povo.
Mas mesmo com todas essas conquistas, a qualidade, o impacto e a aplicação da pesquisa científica na China ainda estão a alguma distância dos países desenvolvidos. Precisamos fazer melhor.
O senhor está vindo ao Brasil participar do Fórum Mundial de Ciências. Qual é a importância desse evento e quais são suas expectativas em relação a ele?
Ao longo dos anos, a dedicação especial do Fórum e seu compromisso em vincular a ciência com o desenvolvimento social têm contribuído para fortalecer seu impacto. O Fórum é uma plataforma que atrai cientistas, gestores e formuladores de políticas para o diálogo e a troca de ideias. A sinergia que essas pessoas criam é uma importante fonte de inspiração e influência, essencial para enfrentar os desafios comuns que se impõem.
Considerando que a ciência tornou-se uma parte essencial da vida cotidiana das pessoas e um fator-chave do desenvolvimento social, espero que o Fórum deste ano evoque mais reflexões sobre o papel que a ciência pode desempenhar no desenvolvimento sustentável e estimule a conscientização da comunidade científica e do público em geral sobre a necessidade de debater assuntos como esses.
Pela primeira vez o Fórum será realizado fora da Hungria e em um país em desenvolvimento. Como presidente da TWAS, o senhor vê isso como uma oportunidade para fortalecer a participação das economias em desenvolvimento nas políticas e negociações científicas mundiais?
Sim. O Fórum em si é uma marca famosa para atrair cientistas de renome internacional, bem como formuladores de políticas científicas. Tendo lugar em um país em desenvolvimento, ele vai permitir que mais líderes científicos e políticos das economias em desenvolvimento participem. Os países em desenvolvimento precisam de mais oportunidades para falar na arena internacional.