Apesar dos esforços recentes, o problema da má conduta na pesquisa ainda representa um risco grande à ciência e ameaça a sua credibilidade. O alerta foi dado por especialistas que participam do sexto Fórum Mundial de Ciência, que acontece até quarta-feira, dia 27, no Rio de Janeiro.
Indira Nath, Nicholas Steneck, Paulo Beirão e Ernst Winnaker
Complexo e arenoso, o tema da integridade científica ganhou destaque no primeiro dia do evento, que acontece pela primeira vez fora da Hungria. Com longa trajetória de estudos no campo da ética, o pesquisador norte-americano Nicholas Steneck lembrou casos clássicos e outros menos famosos de fraude na ciência e apresentou dados que evidenciam a gravidade do problema.
Estudos recentes mostram que muitos pesquisadores assumem já terem cometido deslizes éticos “brandos”, como duplicação de publicação e não declaração de conflito de interesse. Por outro lado, a maioria das ocorrências sérias de má conduta na ciência não é registrada ou detectada. “Os casos concluídos nos Estados Unidos representam menos de 1% do total esperado de má conduta e 40% dos pesquisadores não denunciam casos suspeitos”, disse Steneck, que dirige atualmente o Programa de Ética e Integridade em Pesquisa do Instituto de Pesquisa Clínica e de Saúde de Michigan.
Para o pesquisador, o tema merece mais do que reconhecimento e atenção, dado o potencial de seus efeitos. “A falta de integridade na ciência é um problema importante porque pode minar a credibilidade dos registros científicos e levar à perda de confiança e de apoio”, destacou.
Falando do ponto de vista das agências de fomento à pesquisa, o pesquisador brasileiro e membro titular da Academia Brasileira de Ciências Paulo Beirão, da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador do Conselho Global de Pesquisa, ressaltou os altos custos por trás dos erros desonestos. “Estamos falando de custos econômicos, porque haverá experimentos relacionados aos dados fraudulentos, de esforço humano, de tempo… Portanto, é inaceitável que a ciência comporte esse tipo de conduta”, disse Beirão, salientando o dever das agências de fomento de garantir o bom uso das verbas para a pesquisa.
Revisão por pares em xeque
O papel dos periódicos no combate à má conduta na ciência também esteve em discussão. Para a pesquisadora indiana Indira Nath, do Instituto Nacional de Patologia em Nova Deli, as revistas científicas deveriam ser as protetoras por excelência da integridade científica, mas têm fraquejado no cumprimento dessa tarefa.
Nath lembrou o caso recente da publicação na revista Cell de estudo relatando a clonagem bem-sucedida de células-tronco embrionárias humanas, um feito há muito esperado pela comunidade científica. O artigo foi aceito em tempo recorde de três dias e publicado on-line menos de duas semanas após a submissão. Logo depois, foram detectados problemas em suas imagens. “Será que essa rapidez na publicação é boa para a ciência? O artigo não deveria ter passado por um processo mais rígido de revisão? Por que os revisores não foram capazes de detectar esses erros?”, indagou a pesquisadora.
Para ela, o agravamento dos casos de má conduta na ciência apontado por diversas fontes está relacionado a novas tendências no cenário científico, como a tentação de publicar de forma ágil resultados impactantes, a ação predatória de periódicos de acesso aberto, que atuam sem revisão por pares ou qualquer critério de qualidade, e a apropriação indevida de informações científicas.
Ainda em relação aos periódicos, a editora da prestigiosa revista Science, que também participa do Fórum Mundial de Ciência e estava presente no auditório, ressaltou o problema dos vieses por trás dos estudos científicos. “Mas os pesquisadores dizem que não têm preconceitos, que estão intuitivamente corretos”, provocou Marcia McNutt.
Ações e reações
A crescente divulgação de casos de fraude na ciência e a maior repercussão do tema nos últimos anos têm mobilizado a comunidade científica e as autoridades na área. Dessa mobilização tem resultado uma série de ações de prevenção e combate à improbidade na pesquisa. Mas a questão é: qual a eficácia dessas ações? Para Nicholas Steneck, elas ainda estão longe de resolverem a questão.
O pesquisador reconheceu, por exemplo, a importância da elaboração de relatórios e de códigos de conduta, que hoje são muitos e de fato têm tido o mérito de encorajar a ação. “Mas, na prática, não há qualquer garantia de que estejam sendo seguidos e que tenham real impacto no cotidiano da pesquisa”, ressaltou.
Em termos de políticas públicas, esforços importantes têm sido direcionados a uma melhor definição de má conduta e de como se deve lidar com ela, o que mostra que países e governos têm levado o tema a sério. No entanto, na avaliação do pesquisador, tais políticas e definições têm pecado por sua inconsistência e têm sido pouco respeitadas.
Steneck mencionou ainda as iniciativas de formação na área, que visam à maior conscientização dos pesquisadores em relação ao tema. Embora bem-vindas, “pouco se sabe sobre a eficiência dessas iniciativas; elas não estão disponíveis em muitos países e o apoio institucional a elas ainda é fraco”, argumentou.
Ainda há, portanto, muitos desafios pela frente no que tange à integridade científica. Entre eles, Steneck destacou a urgência de se harmonizarem as políticas existentes na área – “Documentos globais, com apoio global, são fundamentais.” – e de haver um maior compromisso por parte das autoridades no sentido de enfrentar o problema.
Além disso, o pesquisador reivindicou mais recursos para se estudar o tema – “É preciso incluir verba para a pesquisa em integridade científica aos orçamentos.” -, lembrando que estudos na área são escassos e que ainda não há dados suficientes para se atacar o problema de forma adequada.
Steneck defendeu ainda a implementação de medidas para reduzir a pressão para publicar e o incentivo à má conduta, recomendando, por exemplo, um sistema de recompensa que privilegie mais a qualidade e menos a quantidade e a formação de um número menor de doutores. “Não podemos dizer que precisamos de mais PhDs se não temos onde colocá-los”, disse. Polêmica, esta última proposta provocou reação da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Acadêmica Helena Nader. “É preciso ter cuidado para não generalizar. No Brasil, ainda precisamos de mais cientistas e engenheiros”, interveio.
Outras oportunidades não faltarão para discutir o tema. Em 2015, o Rio de Janeiro sediará a 4ª Conferência em Integridade na Pesquisa.
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