Fomentar o entendimento amplo e cada vez mais natural entre pesquisador e empresa. É essa a proposta do Simpósio Academia Empresa, uma iniciativa da ABC que, em outubro deste ano, chegou à sua quarta edição na capital carioca. Organizado pela terceira vez em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), o evento fez parte da 3ª Feira de Ciência, Tecnologia e Inovação promovida pela instituição.

O primeiro dia do encontro reuniu representantes da Petrobras, da BG Brasil, do Núcleo Interdisciplinar de Dinâmica de Fluidos (Coppe/UFRJ), da Tenaris e do Instituto de Propriedade Industrial (INPI), que expressaram suas visões e participaram de debates sobre a temática proposta. Compondo a mesa de abertura estavam Jacob Palis, presidente da ABC, Ruy Marques, diretor-presidente da Faperj, e os Acadêmicos Carlos Alberto Aragão, diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), e Renato Cotta, coordenador do Simpósio.

Renato Cotta, Jacob Palis, Ruy Marques e Carlos Alberto Aragão

Na opinião de Palis, a ideia de reunir academia e empresa em um mesmo evento demandou certa dose de coragem, pois a visão antiga no meio acadêmico é que o bom pesquisador devia se manter em sua bancada de laboratório, isolado em sua torre de marfim, e não interagir com a indústria. Marques, por sua vez, apontou que desde 2007 a Faperj tem intensificado o fomento a microempresas, alcançando um número de aproximadamente 1300 iniciativas apoiadas atualmente. Já para Aragão, é enriquecedor que pesquisadores se inteirem dos desafios tecnológicos enfrentados por uma empresa: “Para que possamos ser competitivos, é preciso que esse diálogo seja cada vez mais dinâmico.” Por fim, Cotta compartilhou que organizar o simpósio foi uma tarefa bastante agradável. Segundo o professor da Coppe/UFRJ, profissionais da indústria não estão presentes na maior parte dos eventos acadêmicos e vice-versa.”Sendo assim, ter eventos dedicados a essa interação é uma ideia brilhante”, finalizou.

Em meio às discussões sobre o novo regime de partilha, Petrobras afirma que inovação gera resultados

Representante da empresa no encontro, Carlos Tadeu Fraga contextualizou as descobertas realizadas pela Petrobras nos últimos anos e falou sobre o polêmico leilão do Campo de Libra, que aconteceu em 21 de outubro. Inicialmente, o gerente executivo de Exploração e Produção do Pré-Sal explicou os papéis das bacias de Campos e Santos na produção petrolífera nacional. A primeira delas é responsável pelas descobertas no campo do pós-sal, isto é, do que está acima da camada de sal. Já o pré-sal, descoberto há sete anos, se encontra na Bacia de Santos. “Atualmente, apenas um terço de toda a área está sob contrato com a indústria e, nessa região, a Petrobras opera grande parte dos blocos, estabelecendo parcerias com outras empresas”, afirmou. Uma dessas parceiras é a BG Brasil, cujo gerente de Tecnologia de Engenharia de Reservatórios também esteve presente no Simpósio.

Carlos Tadeu Fraga e Jacob Palis

Em contrato assinado recentemente com o governo, a Petrobras adquiriu novos direitos na Bacia de Santos. O documento equivale, segundo Fraga, a uma “compra do direito de produzir o que vier a ser descoberto nessas áreas até o limite superior de cinco bilhões de barris de óleo”. Além disso, está definida no Plano de Ação da empresa a construção de 24 novas plataformas no pré-sal até o ano de 2020, duas delas na Bacia de Campos e as demais na Bacia de Santos.

Ciência e tecnologia, segundo Tadeu, são ingredientes fundamentais para a exploração do petróleo nessas áreas. “Precisamos de suporte acadêmico para superar os desafios tecnológicos impostos pelo pré-sal”, declarou, destacando que uma das estratégias adotadas pela Petrobras foi a melhoria de sua capacidade interna de pesquisa. “Embora tenhamos conhecimento e expertise interna, o mundo acadêmico está cheio de pessoas talentosas e inteligentes. Por isso, buscamos uma articulação cada vez maior com o ambiente externo”, afirmou o palestrante. Nesse sentido, os investimentos da Petrobras em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em universidades e institutos de tecnologia cresceram 11 vezes entre 2004 e 2012, ano em que foram gastos aproximadamente US$340 milhões para essa finalidade.

“Universidades não foram feitas para formar alunos”

Em seguida, Átila Pantaleão Freire falou sobre o Núcleo Interdisciplinar de Dinâmica de Fluidos (NIDF) da Coppe/UFRJ. Engenheiro graduado pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), ele optou por uma apresentação on line e, navegando pela página do NIDF, mostrou aos presentes alguns simuladores desenvolvidos sob sua coordenação. “Uma vez que nós temos uma boa ideia, o ideal é que possamos implementá-la”, avaliou. Seguindo esse pensamento, o professor explicou que o objetivo do Núcleo, cujos laboratórios integrantes lidam com ciência básica e aplicada, é garantir condições materiais para o desenvolvimento do conhecimento. O NIDF também valoriza a interdisciplinaridade: “Para que a ciência avance, é preciso que pessoas de formações totalmente diferentes sejam postas a colaborar.”

Polêmico em suas afirmações, Pantaleão opinou que as universidades não foram feitas para formar alunos. “Essa é uma concepção absolutamente equivocada. Elas são, na realidade, as depositárias do conhecimento da sociedade de um modo geral.” De acordo com ele, o conhecimento gerado pelas instituições de ensino se relaciona ao poder do Estado. “E, como dizia Francis Bacon, conhecimento é poder”. Em sua visão, é necessário transferir esse conhecimento da universidade para a sociedade e um mecanismo para que isso aconteça é a formação de recursos humanos qualificados. A questão da infraestrutura, tão complicada no Brasil, também se relacionaria a um ensino de qualidade. “Os estudantes não têm que ter medo de pensar grande. Isso deve ser uma coisa absolutamente natural na vida dos brasileiros, pois qualificação e desenvolvimento de conhecimento de alto nível passam por aí”, enfatizou.

Defensor de que a ciência merece um tratamento diferenciado, Pantaleão também ressaltou a excessiva burocracia no campo da pesquisa e, por fim, afirmou que o maior problema do país é a falta de massa crítica. Nesse sentido, concluiu: “A universidade exerce um papel de enorme relevância no desenvolvimento econômico do país. Ela é a detentora do conhecimento de uma forma geral e esse conhecimento tem uma vantagem: ele é de todos.”

Desenvolvimento tecnológico baseado em parcerias

Gerente de Tecnologia de Engenharia de Reservatórios da BG Brasil, o britânico David Watson destacou os desafios tecnológicos atuais como o principal foco da empresa onde trabalha. Ele explicou que as iniciativas do grupo no Brasil partem de um preceito básico: a tecnologia é melhor desenvolvida a partir da criação de parcerias, sejam elas projetos elaborados em conjunto com universidades e instituições de pesquisa ou acordos realizados com os próprios fornecedores. “As parcerias feitas pela BG são multidisciplinares”, enfatizou. Especializada na área de energia, a empresa tem o intuito de investir em projetos de P&D e de inovação para, a partir daí, criar condições sustentáveis de produção. Localizada no Rio de Janeiro, a filial brasileira prioriza investimentos em longo prazo que variam de US$10 a US$20 milhões de dólares, por um período que pode se estender de cinco a dez anos.

Em julho de 2011, foi anunciado o Programa BG Brasil Fellowship. Pensada em conjunto com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e com o programa Ciência sem Fronteiras (CsF), a iniciativa se propõe a fornecer recursos, na forma de bolsas complementares, que permitem não só a interação com os melhores grupos de pesquisa nacionais e internacionais, mas também a especialização dos pesquisadores contemplados com o recurso. São três opções de qualificação: doutorado sanduíche, doutorado pleno e pós-doutorado. Abrangendo diversas áreas relacionadas ao setor de óleo e gás, os bolsistas participam de pesquisas de aplicação real e, além de trazerem inúmeros benefícios ao BG Group, se desenvolvem como pesquisadores de ponta. O Programa ainda conta com o apoio do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Tenaris

“O Centro de Pesquisas e Desenvolvimento que a Tenaris está construindo no Parque Tecnológico da UFRJ é o principal promotor de interação entre essa empresa e a academia brasileira”, afirmou Marcio Marques. Diretor de P&D da empresa no Brasil, ele falou um pouco sobre as parcerias estabelecidas com diferentes órgãos de pesquisa nacionais, como a Coppe, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o Senai, o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e a Petrobras. Apesar de centrar seus esforços principalmente na questão da energia, a Tenaris também trabalha com as áreas industrial, automotiva e de saneamento. Quando finalizado, o Centro dividirá seus grupos de pesquisas em três áreas: mecânica aplicada, tecnologia de solda e revestimentos.

Explicando a interação com cada uma dessas instituições, Marques primeiro se ateve à própria UFRJ, relatando que a Tenaris já tem com ela um histórico de investimentos em projetos de P&D anterior à proposta de construção do Centro no Fundão. “É claro que fazer parte do Parque Tecnológico nos traz a necessidade de investir, mas a parceria não se findará no prazo previsto pelo contrato. Nós estamos, na realidade, investindo em um relacionamento a longo prazo, que dará frutos tanto para a Tenaris quanto para a UFRJ”, apontou. Dentro da universidade, alguns laboratórios já desenvolvem trabalhos com a empresa. São eles os laboratórios de Ensaios Não-Destrutivos, Corrosão e Soldagem (LNDC), de Mecânica da Fratura (LaMeF), de Estruturas e Materiais (Labest), de Transmissão e Tecnologia do Calor (LTTC) e o de Tecnologia Submarina (LTS). “Uma empresa privada, a partir da decisão de investir em P&D, pode aproveitar a infraestrutura e a vontade de se fazer pesquisa existente no país, para então criar uma rede que gere resultados positivos não só para a empresa, mas também para os parceiros envolvidos”, reforçou Marques.

Já o Centro de Tecnologia SENAI Solda (CTS Solda), outro instituto que também vem estabelecendo parceria com a Tenaris, tem recebido bastante suporte da Petrobras e se desenvolvido fortemente no âmbito da tecnologia de solda. O INT, por sua vez, trabalha com a empresa na área de corrosão e, na avaliação de Marques, algumas boas discussões e trabalhos já estão se desenvolvendo. Por fim, o palestrante citou a BG Brasil: “Como parte da estratégia da BG de desenvolver projetos com parceiros locais que vão além da academia, nós fomos recentemente contatados por eles e, desde então, estamos discutindo algumas ideias. Em breve vamos iniciar de fato essa colaboração.”

Retrospectiva da relação universidade-indústria no país: um balanço final

“Nós temos, no Brasil, uma trajetória de desenvolvimento que durante muito tempo deixou universidade e indústria muito distantes uma da outra”, diagnosticou Jorge Ávila, presidente do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Embora acredite que iniciativas como a fundação do CNPq tenham buscado aproximar esses dois atores, o país não contava com a estrutura de pesquisa necessária para que isso se tornasse viável. Referindo-se a uma época em que a indústria nacional apostava suas fichas na substituição de importações, ele explicou: “Por um lado, a universidade brasileira não tinha estrutura interna para apoiar o processo de industrialização do país e, por outro, o setor industrial, completamente voltado ao esforço de produzir aqui o que já era produzido lá fora, não se ressentiu muito disso.”

Segundo Ávila, esse modelo vigorou até meados da década de 80. A partir daí, a economia brasileira começou a se abrir e a indústria nacional rapidamente enxergou que a substituição de importações seria insuficiente na garantia não só de sua produtividade, mas também de competitividade em relação aos concorrentes que agora entravam com facilidade no mercado nacional. “Substituir importações é adquirir tardiamente capacidade de produzir algo que seus concorrentes já produzem há mais tempo. Significa também produzir coisas que não são tão avançadas, pois ninguém substitui a importação do que está na fronteira”, explicou.O palestrante ainda levantou uma tendência da atualidade: a obsolescência cada vez mais veloz dos produtos. Um consumidor que tem acesso a produtos de ponta não se interessa, mesmo a preços mais baixos, por algo desatualizado.

Na opinião do presidente do INPI, essa mudança de contexto da economia brasileira forçou a indústria a repensar que tipo de relação ela teria com a capacidade de geração de conhecimento. “E eu acredito que a iniciativa partiu muito mais da indústria do que da academia”, acrescentou. Ele conta que na época da discussão sobre o lançamento da Lei de Inovação havia segmentos da universidade brasileira que não estavam muito convencidos de que fosse ser bom para a universidade se aproximar de maneira mais orgânica das necessidades de conhecimento da indústria brasileira. “A alternativa pareceu, para alguns, uma espécie de desvirtuamento. Como se coubesse mais à universidade fazer pesquisa básica do que investir pesadamente em um conhecimento
que possa ser aplicado diretamente na indústria. No entanto, diferentemente do que pensavam os grupos opositores, a universidade só ganhou com essa aproximação.”

Por fim, o conferencista disse acreditar que, atualmente, ainda há pontos a serem melhorados na Lei de Inovação. Além disso, entende como necessário um maior investimento das indústrias no desenvolvimento de suas capacidades de interação com os núcleos de pesquisa. “As empresas costumam entrar apenas com dinheiro, que é claro que ajuda. Mas é evidente que qualquer empresa com alguma capacidade de pesquisa pode se beneficiar muito mais do que aquelas que não têm. E se podem se beneficiar mais, elas também irão investir mais.”