Confira abaixo o artigo do Acadêmico Wanderley de Souza. Publicado no Jornal do Brasil em 2 de outubro de 2013, seu texto analisa o atual cenário da ciência brasileira, dando ênfase à alocação de recursos para pesquisas em CT&I.

“Praticamente todos os países do chamado primeiro mundo e, mesmo alguns do mundo em desenvolvimento, têm investido de forma crescente na pesquisa científica e tecnológica. Tal fato se deve principalmente a um consenso, baseado em evidências sólidas, de que nos dias atuais é praticamente impossível ocorrer desenvolvimento econômico e social sem que haja uma forte base de Ciência e Tecnologia (C&T). O Brasil tem se aliado a este pensamento, sobretudo no período entre 2003 e 2010, quando o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia passou de R$2,1 bilhões, em 2003, para R$ 7,5 bilhões em 2010. Como consequência, a Ciência brasileira passou a ter maior projeção internacional e alcançou a décima terceira posição entre os países que produzem conhecimento científico, o que é traduzido pelo número de artigos publicados em revistas internacionais. Este cenário promissor animou a comunidade científica brasileira a aumentar suas atividades e iniciar um processo de transformação do conhecimento existente em novos processos e produtos. Desse modo, surgem várias iniciativas de inovação tecnológica, que só se sustentam se a fonte primária do conhecimento, que é a atividade científica básica, continuar crescendo.

Em 2001, veio o primeiro choque negativo, com a redução significativa do orçamento de C&T, que se mantém até hoje. Podemos mesmo afirmar que a Ciência brasileira teria ido à lona se não fosse o crescente aporte de recursos por parte dos governos estaduais, via as fundações de apoio à pesquisa científica (FAPs). As primeiras consequências desta quase paralisia do governo federal, em que pese a competência dos gestores de C&T, já podem ser notadas. Já não somos mais o décimo terceiro produtor de C&T e passamos a ocupar a décima quarta posição. Fomos ultrapassados pela Holanda. Os dados também indicam que diminuiu a taxa de crescimento do número de publicações, o que implica na possibilidade de cairmos de posição nos próximos anos. O crescimento significativo da atividade científica de países como Austrália e Índia leva a uma diminuição das chances do Brasil estar entre os dez maiores produtores de C&T, sonho que acalentamos no passado recente.

No momento há certa perplexidade por parte da comunidade científica brasileira. Na recente reunião do conselho do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de financiamento à C&T pelo governo federal, apontou-se para uma recuperação dos recursos, permitindo novamente o acalento de velhos sonhos. Este otimismo que confesso, compartilhei, cai por terra quando se observa a proposta de Lei Orçamentária enviada pelo governo ao congresso nacional. As mudanças na legislação referente aos royalties do petróleo afetaram de forma marcante o orçamento do FNDCT, sangrando-o em cerca de 40% do seu orçamento. Para complicar ainda mais, um simples exame da proposta orçamentária indica a alocação de recursos do FNDCT, da ordem de R$ 767 milhões, para formação de recursos humanos, muito provavelmente para serem transferidos ao CNPq visando cobrir as despesas do programa “Ciência sem Fronteiras”. Cabe lembrar que este programa nunca foi um pleito da comunidade científica nem a entusiasmou, ainda que ninguém seja contra a ampliação da cooperação internacional na área científica. No entanto, ele foi anunciado como algo novo, que seria mantido com recursos novos, o que a julgar pelas informações existentes no momento, não irá ocorrer. Uma rápida análise da proposta orçamentária não vislumbra recursos para programas importantes como o apoio aos institutos nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), ao programa de Núcleos de Excelência (Pronex) e mesmo à cooperação científica internacional, todos fundamentais para o desenvolvimento da atividade científica no Brasil. A diminuição dos recursos do FNDCT, devido à perda de recursos oriundos da atividade petrolífera, também afetará o programa de infraestrutura laboratorial apoiada pelo chamado Proinfra, coordenado pela FINEP. Aqui, cabe lembrar que o crescimento na produção de petróleo e a descoberta de novas fontes, como o pré sal, ocorreram graças à intensa atividade científica nesta área, conduzida por várias instituições científicas brasileiras, aliadas ao Centro de Pesquisas da Petrobrás (Cenpes). O que assistimos é uma clara falta de visão, que compromete o futuro do país. Assim fica mais difícil mudarmos nossa vergonhosa posição em indicadores como o PIB per capta (53), índice de desenvolvimento (85) e competitividade (56).”