
Unidos pelo entendimento unânime de que a legislação mineral precisa ser atualizada, renomados especialistas compareceram, em 13 de agosto, ao simpósio “Recursos Minerais no Brasil: Problemas e Desafios” para discutir os lados positivos e negativos do Novo Marco Regulatório da Mineração. Para abarcar a diversidade de pontos de vista sobre o Projeto de Lei 5.807/13, representantes do governo e da iniciativa privada participaram da primeira sessão do evento, “O Brasil no Mundo Mineral”, mediada pelo Acadêmico Diógenes de Almeida Campos. Atual secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia (SGM/MME), Carlos Nogueira da Costa Júnior foi o primeiro conferencista a falar. A ele se seguiu Elmer Prata Salomão, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), e no papel de debatedores estavam John Forman (J. Forman Consultoria), Miguel Nery (ABDI), Fernando Lins (Cetem), Renato Cimminelli (INCT-Acqua), Iran Machado (Unicamp) e Virgínia Ciminelli (ABC/UFMG).
De acordo com Carlos Nogueira, o desenvolvimento do setor mineral brasileiro se encontra muito aquém de suas verdadeiras potencialidades, respondendo por apenas pouco mais de 10% dos investimentos em pesquisa mineral da América Latina. Em sua visão, foi essa a principal motivação para que o governo propusesse, em substituição ao Código de Mineração de 1967, um novo arcabouço legal para o campo. Dentre as outras razões, afirmou o secretário, estão a necessidade de tornar mais eficiente a gestão pública de aproveitamento desses recursos – o que inclui a agregação de valor ao produto -, o adensamento das cadeias e a elevação de investimentos. Segundo o conferencista, ao contrário de todos os outros setores de infraestrutura brasileiros, a mineração não foi contemplada pela Constituição de 1988. Assim, o novo marco teria também o objetivo de atuar na inserção da atividade mineral no modelo de regulação adotado pelos demais setores. O PL ainda visa à alteração de alguns pontos no tocante à cobrança da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) e propõe a criação da Agência Nacional da Mineração (ANM) e do Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM).
Salomão, por sua vez, dedicou parte de sua palestra para comentar, em tom de crítica, que o processo de construção da nova lei foi conduzido sem nenhuma participação da academia, da indústria mineral ou dos profissionais do setor. “E, até onde se sabe, as mudanças propostas passam ao largo dos principais problemas estruturais da mineração”, completou. Ainda que esteja ciente da necessidade de realinhar as leis de mineração aos objetivos atuais do setor, uma vez que a ultima modificação se deu em 1996, o geólogo avaliou que os fundamentos do documento de 1967 deveriam ser mantidos: “Os princípios jurídicos do Código de Mineração vêm sendo exercitados com sucesso nos últimos 40 anos. Eles têm assegurado investimentos crescentes e aumento da produção mineral acima dos índices nacionais de crescimento. Esta destacada performance ancora-se em um trio virtuoso: estabilidade política, estabilidade econômica e estabilidade do marco legal.”
Já na visão do debatedor Iran Machado, coordenador de Economia e Tecnologia Mineral no Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), existe algum fundamento para que o governo brasileiro tenha encaminhado para o Congresso Nacional o PL em questão. Dispondo-se a enumerar algumas dessas razões, ele informou: “Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 1895 a 2005 mais de 100 governos introduziram em seus respectivos países novas legislações minerais.” O geólogo ainda retomou o que Carlos Nogueira havia dito durante sua conferência e concluiu que o Brasil não está sozinho nessa questão, trata-se de uma tendência mundial.
O conferencista Elmer Salomão e o debatedor Iran Machado
As principais medidas propostas pelo governo são a transformação do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em agência reguladora e o aumento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Para Salomão, entretanto, os pontos mais inquietantes do Novo Marco não são esses. Incomodam-lhe mais as ideias de extinção do direito de prioridade aos minerais metálicos e àqueles considerados estratégicos – considerado por ele um dos mais importantes pilares de sustentação da industria mineral brasileira – e a criação de Áreas de Relevante Interesse Mineral (ARIM). Esta última medida garante que, através da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), só o governo tenha autorização para realizar pesquisas nessas áreas, em seguida leiloando-as à iniciativa privada. Recordando que a CPRM cumpre, desde 1990, a função de gerar informações geológicas básicas para a sociedade, o conferencista disse acreditar que a concepção das ARIM irá desviá-la dessa missão, o que seria um enorme retrocesso para o país.
Ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o debatedor John Forman destacou que, à época de sua criação, a CPRM tinha como função realizar estudos geológicos e não a lavra. Além disso, explicou o presidente da J. Forman Consultoria, não havia limitação nos prazos de realização das pesquisas. “Até hoje a CPRM possui cerca de 80 mil quilômetros quadrados de áreas requeridas que, apesar de nada ter sido nelas encontradas, continuam com a sua titularidade”, relembrou. Mesmo que tenha tido sucesso em alguns casos, sua atividade não trouxe resultados expressivos, o que levou ao esgotamento desse modelo e à transformação – acertada, na visão de Forman – da Companhia em Serviço Geológico do Brasil. “Eu não sei, portanto, se um Estado presente com mais peso é o melhor processo a ser seguido. São pontos de vista diferentes que merecem uma discussão densa”, concluiu, relembrando que um artigo da Constituição Federal Brasileira responsabiliza o Estado pelo planejamento nas áreas de educação, saúde e segurança, deixando o restante a cargo da iniciativa privada.
Para Salomão, um monopólio flexibilizado
E uma discussão densa foi o que, de fato, aconteceu neste primeiro momento do simpósio. Falando em nome da ABPM, Elmer Salomão opinou que, se aprovado, o PL 5.807/13 representará o estabelecimento de um “monopólio do Estado sobre os recursos minerais, em tudo similar ao monopólio do petróleo tal como hoje é exercido”. Na visão do presidente da Associação, alguns resultados imediatos dessa medida serão a drástica redução de investimentos privados no setor, a extinção das equipes de exploração mineral – ocasionando um aumento nos níveis de desemprego – e uma burocratização excessiva. “A conseqüência será a paralisação do setor mineral brasileiro”, concluiu. Ger
ente de projetos da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Miguel Nery discordou do conferencista: “Reduzir toda a discussão à questão do acesso à área é criar uma falsa dicotomia no processo de gestão mineral. Acho que está se fazendo uma lei que permite o estímulo à concorrência e a não concentração setorial.” Ele também observou que muitos atribuem à proposta governamental o afugentamento de investidores estrangeiros. “Honestamente falando, não é exatamente assim”, contestou, referindo-se à crise que, iniciada em 2008, ainda perdura até os dias de hoje.
Já Fernando Lins, diretor do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), ateve seus comentários à área de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I). Abordando as questões do aumento de recursos para o Fundo CT-Mineral e do fortalecimento de investimentos em micro e pequenas empresas de mineração, o pesquisador afirmou que o campo mineral brasileiro conta, atualmente, com um volume de recursos muito pequeno. “São cerca de R$ 20 milhões que, contingenciados e cortados, muitas vezes não chegam nem a R$ 10 milhões, o que configura um valor muito baixo para se investir em PD&I no setor mineral do país. As mudanças que estão sendo consideradas para o Novo Marco devem aumentar de forma significativa os valores de financiamento, que poderão subir para mais de R$ 100 milhões”, explicou, ressaltando que esses números se aproximam da realidade dos setores de petróleo e energia elétrica. Lins também sugeriu que a ANM – a exemplo de agências similares tais quais a ANP, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) – funcione como agente de disseminação de PD&I.
Seguindo esse viés comparativo, John Forman levantou que, à época de sua criação, o arcabouço legal relativo à área do petróleo se baseou na legislação mineral, situação que agora se inverte. Para o geólogo, são circunstâncias distintas e bastante diferentes entre si, mas ele aproveitou para afirmar que, como acontece no caso do petróleo, a mineração é uma atividade de risco. Sendo assim, a grande questão estaria exatamente em debater se a alocação de capital para ela deve ser privada ou estatal. “Trata-se de uma discussão infindável que depende muito da orientação política de cada um. Devemos pensar no governo e na iniciativa privada juntos, cada um em sua respectiva função e papel”, concluiu, relembrando que qualquer planejamento depende não só de recursos, mas também de continuidade, residindo aí o nosso “grande mal”. De acordo com a conclusão de Forman, Salomão ressaltou a necessidade de se romper essa visão antagonista entre governo e iniciativa privada para que seja encontrado um caminho ótimo para o desenvolvimento do setor mineral do Brasil. “No entanto, não é justo deslocar o protagonismo da iniciativa privada na exploração mineral e eu continuo acreditando que ela exerça uma função fundamental na mecânica do setor”, finalizou.
Presidente do Conselho Consultivo do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Recursos Minerais, Água e Biodiversidade (INCT-Acqua), Renato Ciminelli atentou para a extrema polarização da discussão sobre o Novo Marco: “Em um governo que caminha fortemente fragilizado, qual a nossa função aqui? Estamos vendo aqui que vários pontos da mineração nacional podem ser melhorados, mas eu tenho visto discussões muito subjetivas. Talvez o mais interessante seja realizar uma análise de risco matemática de um modelo contra o outro para ver o que, de fato, irá funcionar.” Uma das sugestões de ação pós-simpósio foi levantada por Salomão. Preocupado com a questão da formação de pessoal qualificado para a área, ele propôs que a ABC liderasse um movimento de reavaliação de currículos e de estímulo a uma maior participação de alunos e professores junto às empresas de exploração e produção. “Há inúmeros outros pontos duvidosos ou obscuros na desconhecida proposta do Marco Regulatório, que deverão ser avaliados quando chegarem ao Congresso Nacional. A simples modificação de leis e siglas pode ter um papel significativo, mas não é suficiente para fazer o país aumentar seu patrimônio mineral”, sentenciou.
Outras temáticas debatidas
Embora a questão do PL 5.807/13 tenha sido o grande foco das discussões, outros assuntos não poderiam ficar de lado em uma painel tão abrangente quanto “O Brasil no Mundo Mineral”. Quinta economia mineral em âmbito global, o país é, na visão de Salomão, um grande player no mercado internacional de commodities minerais. Além de sediar a Vale, segunda maior empresa de mineração do mundo, ocupa a segunda posição no tocante à exportação de minério de ferro, ficando atrás apenas da Austrália. De acordo com os especialistas presentes, tudo isso merece ser debatido. Analisando o contexto nacional através de dados obtidos em julho de 2013, Carlos Nogueira disse que o Brasil produz cerca de 80 bens minerais diferentes e o valor dessa produção está avaliado em US$ 41.0 bilhões. O valor das exportações brasileiras, por sua vez, é de US$ 34.1 bilhões e o balanço final do comércio mineral atinge uma marca de US$ 25.2 bilhões.
A Acadêmica Virgínia Ciminelli atuou como debatedora do painel
Nesse contexto, a Acadêmica Virgínia Ciminelli destacou a necessidade do Brasil utilizar a vantagem competitiva de suas riquezas minerais para alavancar toda a cadeia produtiva do setor. Indo além, a professora titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ressaltou a importância do país se impor como liderança científica e tecnológica em termos globais. “Existem diversos casos de países que conseguiram isso. Um exemplo é a África do Sul, que, além de ser o maior produtor de ouro do mundo, tornou-se também uma liderança de pesquisa e tecnologia, inclusive exportando cérebros para o Canadá, para os Estados Unidos e para a Austrália.”
Co-fundador do curso de Administração e Política de Recursos Minerais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Iran Machado também acredita que são desafios do governo brasileiro, dentre outros pontos, aumentar o intercâmbio com nações avançadas em conhecimento geológico e tecnologias mineiras, atingir liderança mundial em geologia de regiões tropicais – desenvolvendo técnicas de geofísica e geofísica específicas para essas localidades – e investir em estudos sobre geologia costeira, segurança em minas inativas e mapas geológicos em 3D. Já sobre a formação de pessoal qualificado, Machado é enfático quanto à importância de se incentivar a realização de pós-graduações e estágios em instituições estrangeiras.
Discutindo a importância do ferro na produção mineral do país em dois momentos do debate, foi levantado durante a sessão que, embora essa também seja uma realidade em âmbito mundial, sua contribuição no cenário brasileiro possui expressividade consideravelmente maior. De acordo com uma pesquisa realizada em 2012 pela ICMM e Raw Materials, o ferro representa 39% do valor da produção global de bens minerais, enquanto que, no Brasil, esse número sobe para 63,3%. Sobre esse dado, o debatedor Miguel Nery comentou: “De fato, o minério de ferro cresceu, mas é preciso observar que há também uma mudança no patamar médio das outras commodities. Isso significa que, apesar do ferro crescer com grande r
elevância, a ponto de ofuscar as demais substâncias, estas também têm crescido e posicionado o Brasil, do ponto de vista industrial, no conjunto das demais cadeias”.
Miguel Nery e o secretário Carlos Nogueira
Carlos Nogueira ainda forneceu números relativos ao porte das minas brasileiras. Em um universo de 3357 minas com produção bruta (também conhecida como produção ROM) superior a 10 mil toneladas anuais, 70,7% delas se enquadraram como pequenas, 24,6% como médias e 4,6% como grandes. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) o Brasil bateu o recorde nacional na alocação de investimentos para o setor mineral durante o período de 2012 a 2016, destinando a ele US$ 75 bilhões. Antes disso, o valor mais alto havia sido de US$ 68,5 bilhões, referentes ao período de 2011 a 2015. Nery também teve ressalvas a fazer sobre esse ponto. De acordo com o gerente da ABDI, os valores descritos são relativos à previsão de investimentos a serem realizados naqueles quatro anos e não o que, de fato, foi alocado ao setor mineral no período em questão.
Por fim, Salomão disse acreditar que, apesar de suas fortes raízes históricas e culturais no país, a atividade mineral é freqüentemente associada à ideia de riqueza fácil e “irresponsavelmente considerada por alguns como incompatível com o desenvolvimento sustentado”. Utilizando-se do exemplo da província de Carajás, uma das maiores concentrações minerais do planeta, ele afirmou que a mineração é uma alternativa eficiente para levar progresso a regiões remotas com mínimo desgaste ambiental. “As minas ocupam 2% da Floresta Nacional de Carajás. Fora da área protegida pela mineração, não há mais florestas, pois elas foram devastadas pela agricultura, pelo gado e pela extração de madeira, atividades até então responsáveis pela colonização da Amazônia”, alertou.
Realizando um balanço final da sessão, Fernando Lins mostrou-se bastante otimista em relação à iniciativa da ABC. “A Academia conta com grande prestígio nacional e, mesmo que essa discussão já esteja sendo realizada em outros locais, ao trazê-la para dentro de seus domínios, ela dá um retorno à sociedade”, afirmou. Segundo ele, espera-se que os coordenadores de cada sessão do evento elaborem relatórios que traduzam o posicionamento da comunidade científica quanto a esse tema tão polêmico.