A diversificação dos recursos minerais explorados no Brasil foi defendida nas palestras dos Acadêmicos José Goldemberg e Sergio Rezende durante a sessão Brasil mineral: visão de futuro, realizada no dia 14 de agosto, com a mediação do Acadêmico Adolpho José Melfi, incluída no simpósio Recursos Minerais no Brasil: problemas e desafios, que ocorreu na sede da Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro.
Quando falam de futuro, pesquisadores do setor mineral alertam que os recursos minerais mais explorados nos últimos séculos estarão inteiramente exauridos. Em resposta a isso, a agenda do desenvolvimento sustentável ganha força ao criticar a atividade desenfreada do setor. Mas, é importante considerar que a exportação de petróleo, ferro e outros recursos faz o Brasil despontar no cenário econômico internacional, fato que torna o debate sobre a exploração mineral mais intrincado do que pode parecer à primeira vista.
Reunindo pesquisadores, gestores de órgãos públicos e lideranças do setor privado na plateia, havia a possibilidade da sessão Brasil mineral: visão de futuro reproduzir o debate de prós e contras pautados em interesses particulares e conhecidos por todos. Não foi o que ocorreu. Ao iniciá-la, Melfi, que é diretor do Centro Brasileiro de Estudos sobre a América Latina da Fundação Memorial da América Latina, antecipou que os palestrantes fugiriam às redundâncias dos discursos, propondo alternativas para a exploração mineral no país. “Estão reunidos aqui protagonistas das últimas décadas e que provavelmente influenciarão a trajetória futura. Garimpando esta sessão, serão encontradas ideias valiosas para o setor”, afirmou.
O primeiro palestrante foi José Goldemberg, co-presidente do Global Energy Assessment, sediado em Viena, que abordou a exploração de recursos renováveis e não renováveis. Ele acredita que carvão, petróleo e recursos dessa natureza continuarão sendo explorados por algumas décadas, mas a redução de suas reservas determinará a produção de energia a partir de outras fontes. E o Brasil – que possui um equilíbrio entre a produção de energias renováveis e não renováveis – pode sofrer menos com crise que será instaurada próximo ao fim desses recursos se mantiver o uso de matrizes energéticas limpas. “Hoje ocupamos uma posição privilegiada, porque o uso de energias renováveis (principalmente hidroeletricidade e energia da biomassa) representa aproximadamente 50% do consumo de energia no país, que é uma das taxas mais elevadas do mundo”, explicou.
Em sua opinião, um risco que o país enfrenta decorre das grandes expectativas em relação à exploração do petróleo a grandes profundidades no oceano, o pré-sal, pois tendem a concentrar os investimentos numa única matriz. Goldemberg defende que a diversidade de matrizes energéticas seja preservada, pois a dependência brasileira de petróleo pode ser prejudicial num futuro próximo. “Não é que a exploração deve ser interrompida, mas ela traz riscos ambientais de escala global, elevando exponencialmente o custo da exploração. As reservas estão cada vez mais difíceis de serem acessadas e, com isso, outros países já estão em busca de energias oriundas de outras fontes”, afirmou.
Indo adiante, ele explicou que seguindo as leis do mercado de oferta e procura, a demanda por recursos não renováveis, com a redução das jazidas, primeiro aumentará os lucros, mas, em seguida, tende a diminuir em função da alta dos preços, que, por sua vez, levará à utilização de novas matrizes e aplicação de novas tecnologias. “O problema que enfrentamos é o de manter a matriz energética nacional limpa, isto é, evitar que esta participação de cerca de 50% de energias renováveis seja reduzida nos próximos anos. As matrizes limpas guardam o nosso futuro”, explicou.
Goldemberg propôs o uso dos recursos renováveis já identificados no país. A biomassa – seja através da produção de etanol ou da geração de eletricidade – está em crescimento e há boas perspectivas de que se torne mais lucrativa do que é hoje, caso haja investimentos em tecnologia que permitirão dobrar a quantidade de etanol produzido por hectare de cana de açúcar. O potencial hidrelétrico, que também é uma realidade no Brasil, é bastante elevado. “Utilizando apenas 1/3 do nosso potencial hidrelétrico inventariado, somos o 3o maior produtor do planeta”, afirmou Goldemberg. “O problema neste caso é que desde a década de 1990 as usinas hidrelétricas estão sendo construídas com pequenos reservatórios a fim de minimizar as inundações de áreas, o que frequentemente dá origem a problemas ambientais e sociais, dos quais Belo Monte é o exemplo mais recente”, afirmou.
Terras raras
Sérgio Rezende, ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação entre 2005-2010, apresentou-se em seguida. Assim como Goldemberg, ele acredita que o Brasil deve explorar a diversidade de recursos minerais existentes no território, em vez de concentrar-se em apenas um. Por isso, propôs que sejam feitos mais investimentos na exploração dos minerais de terras raras, atividade na qual o Brasil era potente há décadas atrás.
Para Rezende, o aumento das aplicações dos elementos de terras raras nas duas últimas décadas só foi acompanhado de uma produção crescente de compostos pela China, cujas exportações a baixo custo resultaram no encerramento de atividades de produção em vários outros países. O governo chinês decidiu recentemente impor quotas de exportação para os países consumidores, o que provocou uma disparada nos preços e resultou em grande preocupação com os minerais de terras raras, devido à quase total dependência de fornecimento pela China – que chega a ser de 97%.
Em sua opinião, o Brasil pode ser uma liderança na exploração desses materiais, que, como ficou demonstrado, são requisitados pela indústria de alta tec
nologia. “Não lavramos nem produzimos qualquer composto de terras raras, nos tornando totalmente dependentes da importação. E pensar que a produção de terras raras no Brasil já teve posição de destaque na década de 1940. No entanto, o país, pelas suas reservas, teores dos minérios, variedade de depósitos e capacitação tecnológica apresenta bom potencial para a extração de minerais de terras raras”, afirmou.
Para que isso seja possível, Sergio Rezende defende o desenvolvimento de competência na cadeia produtiva em três níveis: as universidades precisam formar especialistas, os institutos tecnológicos precisam testar a aplicação dos materiais e as empresas precisam utilizá-los em larga escala, inclusive para aumentar a competitividade.
Ele destacou a relevância do documento recentemente publicado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), intitulado “Usos e aplicações de terras raras no Brasil 2012- 2030”, ainda não disponível on-line. De acordo com o estudo, a produção mundial atual de minerais de terras raras é de 124.000 toneladas por ano (t/ano), enquanto a demanda já ultrapassa 135.000 t/ano, com uma previsão de crescimento ate 210.000 t/ano em 2014. Como os projetos de mineração demoram a iniciar a produção, a expectativa é de que a produção não ultrapasse 160.000 t/ano nos próximos três anos, o que pode levar a escassez desses recursos no curto prazo.
Uma boa notícia é que o MCTI e o Ministério de Minas e Energia (MME) criaram uma comissão interministerial para estudar a questão e elaborar recomendações de medidas do Governo. Vários estudos e propostas resultaram daquela iniciativa, sendo o detalhado estudo do CGEE uma delas. “Em contrapartida, a discussão sobre o novo marco regulatório da mineração pelo governo, que tem paralisado as iniciativas de pesquisa mineral e prospecção em todas as áreas, também acarretou uma diminuição do interesse na exploração de minerais de terras raras. A importância estratégica desses minerais requer que o país defina uma agenda com objetivos e ações de curto, médio e longo prazos, voltados ao desenvolvimento das cadeias produtivas de exploração, produção e aplicações desses elementos valiosos”, concluiu.