Eleito membro afiliado da ABC para o período de 2013 a 2017, Diogo Seibert Lüdtke conta que a notícia de sua eleição para o quadro de jovens cientistas da Academia provocou grande entusiasmo no seu grupo de pesquisas. “Essa honraria estimula ainda mais meu interesse em desenvolver educação, ciência e tecnologia de qualidade em nosso país. Acredito que seja esse o caminho para a formação de recursos humanos cada vez mais qualificados, indispensáveis na elevação da competitividade e da qualidade de vida no Brasil”, opina. Lüdtke diz que pretende contribuir com a ABC na popularização da ciência brasileira, trabalhando para desmistificar a ideia de que ser cientista é algo extremamente difícil e assim estimulando o interesse de mais jovens pela pesquisa de modo geral.
A infância de Diogo foi no interior do Rio Grande do Sul, em Paraíso do Sul – que hoje é um município independente, mas na época era apenas um distrito da cidade de Cachoeira do Sul, onde nasceu. Lá cursou o ensino fundamental na escola Presidente Afonso Pena, onde sua mãe, ex-secretária municipal de Educação, atuava como professora. O pai, por sua vez, era comerciante e possui até hoje uma loja de calçados e materiais elétricos e hidráulicos. “Trago muitas lembranças agradáveis desse período. Eu tinha uma convivência muito próxima com meus pais, já que sou filho único, e também me lembro vivamente das tardes de sábado e domingo brincando com amigos”. Gostava de futebol, vôlei e de andar de bicicleta, mas lembra do impacto que teve a tecnologia em em sua infância, quando surgiu o videogame Atari. Já quando se tratava dos estudos, apresentava especial inclinação pela matemática e pelas disciplinas básicas de ciências. Além disso, gostava muito das aulas de história – o que, em sua visão, explica o interesse que mantém até hoje por biografias de cientistas importantes e aspectos históricos da ciência.
“O curso de uma vida é basicamente delineado pelo que escolhemos”
Vivendo de acordo com essa premissa, Diogo diz acreditar que o momento da escolha de uma profissão talvez seja uma das decisões mais difíceis na trajetória de uma pessoa. De acordo com ele, seu primeiro passo em direção à carreira acadêmica foi tomado aos 13 anos de idade, ainda que inconscientemente, durante uma conversa com seus pais a respeito de seu futuro. “Eles me deram duas opções: seguir morando em Paraíso do Sul, cursar o ensino médio noturno e começar a trabalhar na loja da família ou mudar-me para outra cidade para estudar em um colégio melhor, de onde eu saísse bem preparado para o vestibular. O ônus da decisão era exclusivamente meu.”
Dessa escolha resultou a mudança para Santa Cruz, onde se matriculou no Colégio Mauá e lá encontrou tudo o que precisava para se envolver com a área de química. O rapaz teve aulas experimentais em laboratórios bastante estruturados, participou de feiras de ciências, frequentou bibliotecas e, acima de tudo, conheceu os professores Cássio Evanir Souza da Silva e Wolmar Alípio Severo Filho. “Com seu entusiasmo e dedicação, eles souberam despertar em mim um interesse definitivo pela carreira de químico”, credita. Após prestar vestibular na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e ser aprovado em primeiro lugar para o curso de química industrial, veio a certeza de ter feito a escolha certa. E as disciplinas experimentais que acompanhavam os conteúdos das aulas teóricas o motivavam intensamente.
Diogo começou a estagiar logo em suas primeiras férias de verão. “Após alguns contatos, consegui uma vaga na CVI Refrigerantes, uma empresa licenciada da Coca-Cola no Brasil. Foram dois meses nos quais tive a oportunidade de passar por todas as etapas do processo produtivo da indústria, com maior ênfase no monitoramento do controle da qualidade”, recorda. Com a volta às aulas, quis experimentar a vida acadêmica e, mediante indicação de Severo Filho, seu antigo professor do ensino médio, ingressou na iniciação científica (IC) do grupo de pesquisas do professor Antônio Luiz Braga. “Simultaneamente, eu tive meu primeiro real contato com a disciplina de química orgânica básica, ministrada com entusiasmo, empolgação e excelente didática pelo professor Hugo Braibante. Com essa oportunidade de conciliar o crescente interesse pelo mundo das moléculas orgânicas com o instigante trabalho em um laboratório de pesquisa, me senti de fato fazendo parte do desenvolvimento da ciência brasileira”, orgulha-se. A IC se estendeu pelo restante da graduação e o desejo de cursar uma pós-graduação na UFSM norteou seus interesses profissionais para a área acadêmica.
Logo após sua formatura, Lüdtke iniciou o mestrado em química. “Continuei trabalhando no grupo do professor Braga, com linhas de pesquisa voltadas para a química de compostos organocalcogênios. As duas principais áreas estudadas no laboratório eram a preparação e reatividade dos compostos vinílicos ou aromáticos de calcogênios e o desenvolvimento de novos ligantes e catalisadores quirais, utilizando aminoácidos como matéria-prima quiral, e sua aplicação em síntese assimétrica”, explica. Em sua visão, a co-existência desses dois campos de atuação, juntamente com a liberdade e a informalidade com que o professor Braga conduzia a equipe, lhe permitiram aprofundar seus conhecimentos e ter a oportunidade de atuar em mais de um projeto de pesquisa. Durante essa experiência, Lüdtke pôde explorar diversos aspectos da química dos compostos orgânicos de enxofre, selênio e telúrio e também estudou a síntese assimétrica, visando à construção de novos centros estereogênicos de maneira controlada.
Juntamente com o desenvolvimento do trabalho de mestrado, os primeiros frutos decorrentes do trabalho de IC começaram a aparecer, resultando na publicação de dois trabalhos em periódicos internacionais. “Ao final do primeiro ano do curso de mestrado, tive minha solicitação de passagem direta para o programa de doutorado aprovada pela Coordenadoria de Pós-Graduação”, conta. Constantemente encorajado por seu orientador a propor projetos e encarar novos desafios, o doutorado lhe propiciou um envolvimento ainda maior com a área de síntese assimétrica e o desenvolvimento de novos catalisadores e ligantes quirais. Nessa época, surgiu também o convite para participar do programa de docência orientada, como professor assistente das disciplinas de química orgânica experimental e síntese orgânica, ambas sob a supervisão do professor Braga. “Também fez aumentar meu interesse pela área da pesquisa acadêmica a oportunidade de interferir diretamente no treinamento de um estudante, o Eduardo Alberto, transmitindo os conhecimentos que tinha adquirido e procurando despertar nele a mesma paixão que eu já sentia pela química”, conta.
Após finalizar o doutorado, Diogo foi para a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) realizar um pós-doutorado, no grupo do professor Ronaldo Pilli. Lá trabalhou com a síntese total de produtos naturais bioativos, complementando sua formação em uma área de seu interesse na qual ele ainda não havia tido nenhuma experiência. Hoje em dia, DIogo Lüdtke continua trabalhando com substância quirais e os interesses de pesquisa de seu grupo estão focados principalmente na utilização de matérias-primas abundantes na natureza e sua conversão, através de transformações químicas seletivas, em moléculas com maior valor agregado.
“A quiralidade é um fenômeno no qual duas moléculas apresentam entre si a
relação de objeto e sua imagem especular. Portanto são constituídas pelos mesmos átomos, apenas com diferentes orientações dos átomos no espaço”, explica. De acordo com ele, a importância da quiralidade é evidente em diversos campos da ciência, pois a maioria dos receptores biológicos reconhece de maneira diferente cada uma das distintas formas de uma molécula. “Nosso grupo vem se dedicando a esse tema e utiliza aminoácidos e carboidratos, que são moléculas quirais de baixo custo e oriundas de fontes naturais como precursores para a síntese de outras moléculas com maior complexidade estrutural e potencial atividade biológica”, completa.
Após ter atuado como professor da Universidade de São Paulo (USP) durante um período de quatro anos, Lüdtke retornou ao seu estado natal e começou a trabalhar no Instituto de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Fascínio inerente à pesquisa
Além da possibilidade de estar em contato permanente com jovens motivados a aprender e crescer através do conhecimento científico, Diogo entende o fascínio pela investigação e pela descoberta como inerentes à atividade do pesquisador. “É muito gratificante ver o crescimento profissional e pessoal dos estudantes através da pesquisa e, sob o aspecto mais específico da minha área de atuação, é fascinante imaginar que estamos trabalhando na construção de novas moléculas que nunca haviam sido sintetizadas anteriormente. E a partir de sua síntese, estudar suas propriedades e comportamentos sob diversas condições”, opina.
Para Diogo Lüdtke, as qualidades que caracterizam um cientista são motivação, dedicação e persistência. “O conhecimento, por mais incrível que possa parecer, não é a primeira qualidade que procuro quando entrevisto um jovem interessado em trabalhar no meu grupo. O conhecimento necessário para seu crescimento profissional virá naturalmente se ele estiver motivado, for dedicado e persistente para aprender com os percalços inevitáveis decorrentes da atividade de pesquisa”, observa.