Curiosa e intrigada por entender o funcionamento do mundo que a rodeava – isso é inclusive, até hoje, o que a encanta na ciência – Tábita Hünemeier passava o dia entre brincadeiras ao ar livre e as atividades escolares. Ela e o irmão mais velho cresceram numa pequena cidade de colonização alemã do interior do Rio Grande do Sul, onde tinham liberdade para andar de bicicleta e patinar. Mas Tábita também gostava dos caleidoscópios, microscópios e misturas químicas, que conheceu através de jogos como o Poliopticon , que não existe mais, e o Alquimia, da Grow.
Sua referência acadêmica foram os tios-avós, que estudaram engenharia mecânica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), cursaram doutorado na Argentina no final da década de 60 e regressaram como docentes da UFRGS, no começo dos anos 70. Tábita conta que, na família, tanto a geração de seus pais quanto a sua cresceram num contexto de admiração e respeito pela universidade, pelo que ela significa para o desenvolvimento científico e social. “Com isso, várias pessoas da minha família seguiram ou buscam seguir a carreira acadêmica.”
Buscando conhecer os processos da natureza
No colégio, suas matérias preferidas eram história, literatura, física e biologia. Quando estava terminando o ensino médio, em Estrela, no interior do estado do Rio Grande do Sul, já havia se decidido pelas ciências biológicas, por sua curiosidade em compreender a natureza e, mais especificamente, genética e evolução. “Entender o mundo de forma estática, apenas em sua aparência, não me bastava. Eu desejava desvendar seus processos”, relembra Tábita.
Já pensando em trabalhar com pesquisa em genética, Tábita realizou atividades de IC durante os quatro anos de graduação na UFRGS, sob orientação do professor José Arthur Bogo Chies, na área de imunogenética. Ela diz que esta fase foi determinante na sua formação. “Foi em período fundamental para que eu aperfeiçoasse minha capacidade técnica e crítica ao longo do trabalho que fui desenvolvendo. Nesta etapa aprendi a duvidar das minhas certezas a cada análise e, principalmente, que a ciência é o ajuste das tuas certezas aos fatos, e não o inverso.”
Durante seu mestrado e doutorado, também na UFRGS, ambos sob supervisão da professora Maria Cátira Bortolini, Tábita foi contagiada pelo espírito entusiasmado de sua orientadora. “Ela era uma fonte constante de estímulo, apoio e um exemplo de dedicação à pesquisa e à vida acadêmica. Devo a essa convivência boa parte de minha formação como pesquisadora”, declara. Ela conta que ao longo dos anos de trabalho conjunto, tanto Maria Cátira quanto o professor Francisco Salzano não só lhe deram liberdade para desenvolver suas ideias, mas também investiram nelas. “Com isso, conseguimos criar e ampliar projetos e colaborações internacionais”, relata a cientista.
Este ambiente proporcionado pelos seus orientadores, bem como seu grande envolvimento em colaborações com profissionais das mais diversas áreas e diversos países, que viam e faziam ciência de uma maneira diferenciada , acabaram levando Tábita a buscar sempre uma visão mais ampla e bem embasada do fazer científico. Sua meta principal como pesquisadora tem sido tentar desvendar a influência dos processos evolutivos na história da espécie humana e de outros primatas. Tábita Hünemeier busca, principalmente, elucidar os fatores e processos envolvidos na coevolução entre gene e cultura que levaram à diferenciação das populações humanas atuais. “Em linhas gerais, busco identificar o que, ao longo da evolução dos primatas, nos fez humanos e o que nos diferenciou, como humanos, uns dos outros ao longo do tempo, em nível populacional. Tudo isto do ponto de vista genético, ou seja, buscando as marcas destas mudanças no genoma humano e de outras espécies de primatas.”
Especificamente na sua área, o que a fascina é ver como a espécie humana foi sendo moldada ao longo da sua história evolutiva pelos mais diversos fatores (sociais, ambientais, culturais, entre outros), e como esta intricada rede de conexões deixou marcas genômicas que podem nos ajudar tanto a recontar e entender nosso processo civilizatório, como também nos dar subsidio para o entendimento das condições atuais das populações humanas, seja do ponto de vista médico ou antropológico.
“Fazer ciência é mais do que uma profissão”
Disciplina, criatividade, dedicação e paixão. Essas são as características que ela considera fundamentais em um cientista. A um jovem que tem interesse pela ciência, mas ainda não escolheu sua profissão, ela diria que buscasse algo que lhe seja apaixonante para estudar, que lhe cause encantamento, “pois fazer ciência é mais do que uma profissão, é uma maneira diferenciada de perceber o mundo, cheia de responsabilidades e desafios, na qual a persistência e a determinação se originam no encanto inerente pelo objeto de estudo.”
Para Hünemeier, ser membro afiliado da ABC significa não só um reconhecimento dos pares pelo trabalho que vem desenvolvendo, mas também um estímulo para dar continuidade a este trabalho. “Além disso, é uma honra fazer parte desta entidade que tem como compromisso manter e renovar o legado do pensamento científico através do tempo. Os maiores benefícios, e contribuições, acredito, estão relacionados a fazer parte de maneira ativa e representativa de uma entidade que pode ser definitiva nos novos rumos que a ciência no Brasil pode seguir.”