No Brasil, a maior parte do fomento à pesquisa científica é feito com recursos públicos, segundo dados do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Essa tendência não se repete nos países que lideram a área no cenário global, nos quais a parceria com o setor privado é sólida. Isto eleva a responsabilidade do governo e demais órgãos públicos no repasse de verbas às universidades, laboratórios e aos pesquisadores e faz com que a questão da política científica se torne uma questão política, econômica e social.

É neste quadro que se inserem às Fundações de Amparo à Pesquisa, também conhecidas pela sigla FAP. Elas tratam dos recursos de cada estado com o objetivo de financiar pesquisas, capacitar recursos humanos, melhorar infraestruturas e promover a inovação. Devido a sua importância, o seu papel estratégico no desenvolvimento científico-tecnológico brasileiro foi debatido durante os 1os Encontros Regionais de Membros Afiliados da ABC, que aconteceram por todo o país no último ano, reunindo estudantes, cientistas, gestores e lideranças das FAPs.

Esses Encontros ocorreram por todo o país no último ano, foram abertos ao público e compostos de palestras e mesas redondas. Na regional Sul, foi realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em Porto Alegre, nos dias 10 e 11 de outubro. Na regional Rio de Janeiro, aconteceu na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nos dias 15 e 16 de outubro. Na regional Minas Gerais & Centro Oeste, ocorreu na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no dia 31 de outubro. Na regional Nordeste & Espírito Santo, foi realizado nos dias 22 e 23 de novembro, na sede local da Fundação Oswaldo Cruz, em Salvador.

FAPs do Nordeste: assimetrias

Lideranças das FAPs NE: Haroldo Rodrigues (Funcap), Diogo Ardaillon Simões (Facepe),
Maurício Embiruçu (pró-reitor da UFBA) e Roberto Paulo Machado Lopes (Fapesb)

Prova que ciência e economia fazem parte do mesmo processo de desenvolvimento é o fato das assimetrias regionais na pesquisa científica reproduzirem as desigualdades socioeconômicas do país. O encontro da região Nordeste e Espírito Santo reuniu os presidentes da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), Haroldo Rodrigues; da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe), Diogo Ardaillon Simões; da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), Roberto Paulo Machado Lopes; e o pró-reitor de Pesquisa, Criação e Inovação da UFBA, Maurício Embiruçu. Para eles, as condições do Nordeste, geograficamente distante dos grandes centros de pesquisas e universidades, além de possuir um histórico de disparidades socioeconômicas, fazem com que a importância do papel das FAPs aumente.

Na região, as FAPs articulam-se com outros órgãos para complementar o trabalho das agências nacionais, tornando os recursos mais abrangentes. Também precisam investir nas localidades mais afastadas dos grandes centros da região. “Com isto, atraímos cientistas de outras partes do Brasil e evitamos que os residentes na região migrem em busca de oportunidades de trabalho”, afirmou Haroldo Rodrigues. Eles apresentaram a evolução do quadro de assistência à pesquisa na região, sobretudo o investimento nas unidades de pesquisa existentes no interior do Nordeste. Os presidentes das Fundações acreditam que investimentos em ciência, tecnologia e inovação tornarão a região mais competitiva. “Para compreender as assimetrias, precisamos comparar a região Nordeste com as demais regiões. Para superá-las, precisamos comparar a situação dentro da região, neste caso, em busca de exemplos e diálogos para o desenvolvimento” afirmou Roberto Paulo Machado. Diogo Ardaillon mencionou que também é papel das FAPs colaborar no combate as desigualdades com “acesso e universalização de bens produzidos pela ciência, e olhando o conjunto das áreas da ciência para um crescimento equânime”.

Faperj: crescimento sensível com o cumprimento da lei dos 2%

Outro fator de sucesso ou insucesso no desempenho das FAPs, e neste sentido, no desenvolvimento da ciência brasileira em algum grau, é o recurso destinado à pesquisa científica em cada estado.

No encontro do Rio de Janeiro, o Acadêmico e diretor-científico da Faperj Jerson Lima da Silva falou sobre a atuação da Faperj como agência de fomento no estado do Rio de Janeiro nos últimos seis ou sete anos, que têm sido de razoável sucesso, em grande parte pela garantia de que 2% da arrecadação tributária líquida do estado passaram a ser totalmente destinados à Faperj. “Os governantes realmente entenderam que uma agência de fomento tem que ser uma agência de estado, não de governo, e deixar que as decisões sejam feitas em nível do seu Conselho Superior, da sua Diretoria, da comunidade científica.” Além de ter crescido muito, o diretor-científico destaca que a Faperj conseguiu, nesse período, reduzir muito a defasagem entre o que é empenhado e o que é executado.

A Faperj tem procurado, segundo Silva, ter ações complementares ao sistema federal. No sistema de bolsas, por exemplo, procura não reproduzir exatamente o que a Capes e o CNPq fazem e busca apoiar os cursos emergentes, que geralmente têm poucas bolsas. “A missão de uma agência regional é exatamente essa: entender que uma ação é inovadora e atuar.” Uma ação nova da Faperj, relacionada a bolsas para doutorado-sanduíche, que já existem, será a bolsa para doutorado-sanduíche reverso. “Daria para trazer um número relativamente pequeno de doutorandos estrangeiros, mas achamos que pode ser extremamente impactante.” As parcerias da Faperj não se restringem hoje às agências federais, mas envolvem também o setor privado. Além das pequenas e médias empresas, que a Faperj já atinge em todos os municípios do estado, estão sendo seladas novas parcerias, com empresas de maior porte.

A distribuição dos recursos – numa média de 30 editais por ano – pelas instituições, tanto universidades quanto institutos de pesquisa, sejam públicos ou privados, é baseada no mérito e na demanda. “A UFRJ tem uma demanda alta e tem sido a instituição com maior aporte nesses últimos anos”, observou Silva. Ele apresentou dados que mostram que as áreas de ciências biológicas e de ciências da saúde demandam 50% dos recursos, de forma geral, e que as bolsas de iniciação científica são mais requisitadas pelas ciências humanas.

Embora orgulhoso da atuação da Fundação, Jerson não perde de vista o plano geral e lamenta a diminuição no fomento em nível federal, o contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e outros riscos para
o desenvolvimento da CT&I e do país de forma geral, como o PL 4368. “Este é um projeto de lei que tramita no Congresso propondo que as universidades federais eliminem a necessidade do nível de doutor para ingresso na carreira e comece como auxiliar, o que é um problema enorme. Qual é a imagem, qual é a mensagem que a gente está passando para os nossos jovens? Que a qualificação não é valorizada.” Como médico de formação, Silva compara a situação do financiamento de CT&I a um paciente. “Quando está saudável, o paciente deve se lembrar de que já foi doente antes. Então, essa doença pode voltar. É muito fácil a destruir as coisas. No caso de uma agência de fomento, seja federal, como CNPq e Finep, seja estadual como a Faperj e outras FAPs, é importante que a sociedade fique atenta e preserve aquilo que foi tão difícil conquistar.”

Fapemig: oportunidades para a região, desafios para o país

No encontro de Minas Gerais, o presidente da Fapemig Mário Neto Borges abordou os recursos para a ciência no estado e no país e as ações das FAPs neste contexto. Ele relatou que a Fapemig é uma instituição 13 vezes maior em termos de orçamento do que era há dez anos atrás. Hoje, a agência concede, por ano, aproximadamente 7.000 bolsas entre os diversos níveis de formação, atende a cerca de 1.200 solicitações de apoio a eventos e a 3.000 projetos. Para isto, são fundamentais os recursos assegurados pela constituição estadual, que determina o repasse de 1% da receita do estado para o apoio de atividades de ciência, tecnologia e inovação, o que garante atualmente o maior valor nacional per capita para pesquisadores cadastrados na base do CNPq nos diversos estados. “Esses números contemplam uma ampla gama de pessoas e instituições de ciência, tecnologia e inovação sediadas em Minas Gerais, tais como universidades, órgãos do governo do estado, empresas privadas, incubadoras de empresas e parques tecnológicos voltados ao desenvolvimento de atividades de pesquisa científica”.

Embora satisfeito com esse quadro, que se traduz em boas oportunidades para o desenvolvimento da ciência na região, Mário Neto Borges, que também é presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), defende que o Brasil precisa aumentar o investimento na área. “O volume de recursos que o país investe em ciência, tecnologia e inovação ainda é insuficiente. O Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), grande parceiro nosso, tem dito que nós estamos com 1,13% do PIB em ciência, tecnologia e inovação. Só que nos últimos dois anos, com os contingenciamentos feitos e o PIB crescendo, na hora em que fizermos a relação outra vez, do ponto de vista do investimento público, nós vamos perder. Como o investimento privado não cresce na mesma proporção, a apuração desse percentual pode resultar em uma surpresa negativa, menor do que 1%”, explicou. Borges relatou que esteve recentemente na Coreia do Sul e constatou que é exatamente no momento de crise que eles aumentam os investimentos em ciência, tecnologia e inovação. “E a Coreia do Sul, em 2012, fez um investimento de 4% -1% de investimento público e 3% do setor empresarial. O setor empresarial brasileiro, atualmente, investe em torno de 0,5%”.

Na opinião de Borges, os recursos destinados à ciência também sofrem com a burocracia, que dificulta os processos de repasse e de utilização. Para ele, as FAPs devem apoiar a proposta do Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação que tramita no Congresso Nacional. “Nós demos azar desse processo coincidir com outros grandes temas para o Congresso, como o Código Florestal e a questão do recurso do orçamento desregulamentado, que é essencial para o governo federal. Agora, estamos na hora certa para retomar as discussões”. As FAPs precisam conciliar os seus investimentos com aqueles que a federação faz em cada região, de forma que eles se complementem, potencializando a ciência da região. “Esse é um grande desafio para a gestão de C,T&I e nós temos uma oportunidade de atuar para fazer a diferença de forma que, daqui a duas décadas, o Brasil tenha a posição de destaque como potência científica que lhe é possível”, conclui.

Fapesc: a lei na prática é outra

No encontro da região Sul, o presidente da Fapesc Sergio Gargioni foi representado por Carlos Zanchin, engenheiro elétrico que atua como consultor da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), vinculada à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável. Ele apresentou a Fundação que, como toda FAP, tem como missão o fomento à pesquisa cientifica e tecnológica para o avanço de todas as áreas do conhecimento.

Hoje, a Fapesc financia 1534 projetos ativos, com quatro mil pesquisadores e 640 bolsas. O orçamento da Fapesc, constitucionalmente, corresponderia a 1% do orçamento estadual. “Seriam R$ 105 milhões esse ano, mas nunca conseguimos receber. Esse ano chegou a R$ 35 milhões e ainda sem regularidade nos pagamentos das parcelas.” Zanchin acrescentou que a Fundação tem outra fonte de receita, oriunda de todo o incentivo fiscal realizado por empresas no Estado de Santa Catarina. “Atualmente essa receita é de R$ 17 milhões que, na prática, correspondem a 50% do orçamento da Fapesc”, esclarece. A contrapartida federal é de R$ 26 milhões, mas Zanchim explica que nem todo esse recurso é aplicado em projetos de interesse estadual. “Boa parte vai para projetos de interesse federal.” Os recursos humanos também são bem limitados. A Fapesc trabalha com um equipe de 69 pessoas, mas destas apenas 13 são servidores do estado: dez tem cargos comissionados, que variam de acordo com o governo; 29 são consultores externos que atuam como coordenadores de projetos; 12 são auxiliares, motoristas e outras funções terceirizadas e tem mais cinco estagiários.

As quatro principais linhas de interesse são desenvolvimento científico (C&T), inovação (P&D), recursos humanos e disseminação social. Zanchin deu alguns exemplos da atuação da Fundação. Em C&T, a Fapesc tem projetos estruturantes para os laboratórios e apoia o Programa de Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS), que busca apoiar pesquisas voltadas para problemas prioritários de saúde e o fortalecimento da gestão do Sistema Único de Saúde no estado de Santa Catarina. “Apoiamos também quatro Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) no estado: de Convergência Digital, de Refrigeração e Termofísica, de Catálise em Sistemas Moleculares e Nanoestruturados e o Brasil Plural”, ressaltou o palestrante. A Fapesc ainda apoia e o Inventário Florístico Florestal, que visa inventariar os remanescentes florestais e gerar uma base de dados sólida para a formulação de uma política florestal para Santa Catarina. Apoia também a Rede Guarani/Serra Geral, projeto de produção de conhecimento compartilhado sobre gestão sustentável de águas superficiais e subterrâneas no Sul do país.

Para reconhecer esforços de instituições, empresas e pessoas que se destacaram com contribuições em inovação para processos, bens e serviços aplicados em Santa Catarina, a Fapesc oferece um prêmio de inovação – Prêmio Professor Caspar Erich Stemmer. Conta ainda com o programa Geração TEC, de qualificação de software de interesse de
cada região, em parceria com o Sebrae e o Senai. “O programa foi criado por demanda da indústria, que apontou a falta de pessoal qualificado no Estado. Formamos 605 pessoas, das quais 456 estão empregadas.”

Fapergs: expectativa de recuperação

Também no Sul, a presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs) Nadya Pesce da Silveira, relatou que embora a entidade tenha direito a 1,5% dos recursos do estado, nunca recebeu essa quantia nos últimos anos. Segundo ela, a dotação orçamentária gira em torno de R$30 milhões. “Mas para o ano de 2013 está previsto um aumento que vai perfazer um total de R$100 milhões”, animou-se Nadya, salientando que a agora está buscando parcerias privadas e de fontes diferenciadas.

Nadya contou que a Fapergs é a segunda fundação de amparo à pesquisa mais antiga do país depois da Fapesp . “Ela já foi forte, mas sofreu um longo e profundo processo de decadência. Hoje, de todo recurso que aporta apenas 2% vai para custeio, inclusive de salários”, lamenta a presidente. Mas mostrou confiança de que agora a instituição vai mudar de sede, para um espaço mais adequado. “E estamos contando com o aumento de 40 % no aporte de recursos, que será uma mudança de paradigma, mas ainda é pouco em função da qualidade dos pesquisadores que o estado possui”, declarou. “Temos que partir de uma organização dos pesquisadores para reivindicar aplicação de recursos numa comunidade que é de alto nível e não está sendo valorizada”.

A presidente esclareceu que para melhorar a situação a Fapergs está procurando garantir o repasse ao menos de parte dos recursos destinados à Fundação por lei, elaborando um plano de cargos e salários. Respondendo a uma pergunta sobre a burocracia da entidade, informou que foi lançado um sistema eletrônico para facilitar os processos, mas que essa situação está atrelada ao que ela chamou de “a incrível burocracia do estado do Rio Grande do Sul”. Para Nadya, o sistema de avaliação da Fapergs em relação aos projetos de grande porte temáticos e outros é ruim e está sendo revisto. Temos no momento muita preocupação com a avaliação inicial, nenhuma com o acompanhamento e pouca com a avaliação final. Isso tem que mudar”.