No conjunto de 1ºs Encontros Regionais de Membros Afiliados da ABC, o geneticista Sérgio Danilo Junho Pena foi um dos membros titulares convidados para apresentar uma Palestra Magna, prática que se repetiu em vários dos Encontros. Em Minas Gerais, além de Pena, proferiu palestra o Acadêmico Nívio Ziviani. No Nordeste, a Palestra Magna foi feita pelo Acadêmico Jailson Bittencourt; no Rio de Janeiro, foram proferidas Conferências Magnas pelos Acadêmicos Antônio Carlos Campos de Carvalho e Luiz Davidovich. No Sul, o vice-presidente regional Francisco Salzano foi o conferencista convidado.
No Encontro de Minas Gerais & Centro-Oeste, realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, Pena cumprimentou os membros afiliados organizadores do encontro, discordando de que eles sejam a ciência brasileira de amanhã. “Vocês são a ciência de hoje. Essa foi uma grande iniciativa da ABC investir nos jovens e espero q vcs se tornem membros titulares da ABC.”
Ciência e sociedade
Esclarecendo o título de sua palestra, Pena relatou que a partir do século XIX a torre de marfim ficou associada aos cientistas fazendo ciência pela ciência, de forma que ela se baste e não precise se justificar. “Mas o cientista vive em sociedade e esse aspecto social da ciência é a sua própria essência. Os cientistas recebem verbas de pesquisa que se originam dos impostos pagos pela sociedade, portanto, é desejável que usem seus conhecimentos e suas descobertas em beneficio da sociedade.” Ele mostrou uma imagem da Tower Bridge, em Londres, que é ao mesmo tempo uma torre e uma ponte. “Da torre de marfim o cientista lança seus braços, que são pontes de marfim na direção da sociedade”, esclareceu Pena.
Em questões morais e políticas, Pena afirma que o papel da ciência é ser informativa e não prescritiva. “Quem disse que a política é a biologia aplicada? Hitler. David Hume disse que a ciência diz o que é, mas nunca pode dizer o que deve ser. Mas a ciência pode e deve dizer o que não é”, disse o geneticista. Assim, a ciência serve para afastar falácias e preconceitos e desempenha um papel libertador no exercício das escolhas morais, na visão de Pena. “Sua única ferramenta é a das evidências empíricas, e depende da experimentação. E mais nada.”
A variabilidade genética humana
Introduzindo seu trabalho de pesquisa mais recente, Pena relatou que a humanidade moderna teve uma origem única na África, há menos de 200 mil anos. “É, portanto, uma das espécies mais jovens da Terra. Fora da África, a humanidade tem apenas 60 mil anos. Nas Américas, ela surgiu a 15 ou 20 mil anos atrás”, informou o geneticista. No progresso migratório a humanidade se diversificou através da ocorrência de novas mutações e adaptações aos diversos ambientes continentais.
Em 1974, o geneticista norte-americano Richard Lewontin já afirmava que 85% da variabilidade genética humana estavam dentro das populações e não entre as chamadas “raças”, que são grupos praticamente idênticos. Esse e muitos outros estudos mostram que do ponto de vista biológico não ocorreu diferenciação significativa de grupos humanos. “Podemos afirmar que do ponto de vista cientifico, raças humanas não existem”, afirmou Pena, completando: “Não porque sejamos todos iguais, mas porque somos todos igualmente diferentes.”
Ele explica que o que se costuma relacionar à “raça” são apenas variações de pigmentação da pele e de características morfológicas que representam adaptações evolucionárias às condições locais. “O genoma humano tem aproximadamente 20 mil genes. Menos de 20 desses genes estão relacionados com a determinação da cor da pele”, esclarece Pena. Ele completa: “A cor da pele não está geneticamente associada com nenhuma habilidade intelectual, física ou emocional. Assim, argumentos usados pelos racistas não têm credibilidade científica.”
WE R NO RACE
O trabalho de Pena e sua equipe derivou para uma interessante aplicação: o combate ao racismo no futebol, chaga crônica do esporte. O foco agora é a Copa do Mundo de 2014, que envolverá 32 times – 13 países da Europa, cinco da África, quatro ou cinco da Ásia, quatro ou cinco da América do Sul, três ou quatro países da America do Norte, Central e Caribe, um ou nenhum da Oceania.
Junto com Eduardo Moreira da Costa, professor e pesquisador do Departamento de Engenharia e Gestão do Conhecimento da UFMG, mais Hans Donner e um time de craques em diversas áreas, Pena integra o grupo 14 BIS, parceria do Ministério dos Esportes com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Fundação de Estudos e Pesquisas Socioeconômicos (Fepese), formado com o objetivo de “encantar, surpreender e emocionar o mundo” na Copa. “Nossa contribuição será coletar material genético dos 700 jogadores, estudá-los e divulgar os resultados, mostrando ao mundo que está ligado na Copa que raças não existem.”
Essa proposta foi lançada num estande da feira Brazil at Heart, em Londres, em julho de 2012. Uma iniciativa do grupo 14 Bis Brasil, a feira foi inaugurada pela presidente Dilma Roussef, na embaixada brasileira, com o objetivo de mostrar ao mundo o potencial turístico e comercial do país. Mostrou o pequeno vídeo “Nós não somos de raça nenhuma“, um sucesso na feira inglesa e um hit na internet. “Assim como o mineiro Milton Nascimento acha que o artista deve ir onde o povo está, acho que o cientista, de vez em quando, deve ir também.”