A singularidade das condições climáticas locais compôs estimulante cenário para a discussão de uma grande variedade de temas, de ética, integridade e independência à cobertura do ceticismo climático e de movimentos anticiência, passando por mídias sociais e jornalismo investigativo.
Os assuntos foram analisados de perspectivas diversas por representantes sobretudo de nações com tradição na área – como Estados Unidos e as da Europa -, mas também de países um tanto menos óbvios – como Líbano, Costa do Marfim e Samoa.
Em ambiente marcado pela diversidade, prevaleceram valores, anseios e desafios convergentes, todos eles relacionados ao papel crucial do jornalismo científico no mundo moderno, fortemente impactado pela ciência e cada vez mais vulnerável às pressões do homem e da natureza.
Somados, os debates refletiram um consenso sobre a importância de os jornalistas examinarem criticamente evidências científicas e comunicarem de maneira responsável e independente o desenvolvimento da ciência e suas implicações para a sociedade – preocupação registrada na declaração final da conferência.
Grande apelo à liberdade de expressão, ao acesso facilitado a informações, à transparência e à melhor comunicação entre organizações envolvidas no empreendimento científico e na elaboração de políticas do setor também permeou o evento, sendo igualmente incluído na declaração, segundo a qual o impulso atual para o jornalismo científico de qualidade nunca foi tão forte.
Dificuldades e desafios
Mas será de fato um bom momento para o jornalismo de ciência? Dificuldades de toda ordem foram apontadas durante a conferência. A falta de recursos esteve entre as principais preocupações dos jornalistas de países desenvolvidos, onde a mídia em geral – e o jornalismo científico em especial – foi fortemente afetada pela crise econômica.
Para nações mais carentes, no entanto, os debates mostram claramente que o buraco é mais embaixo: em geral, há pouco reconhecimento político sobre a importância da ciência e, consequentemente, interesse e espaço escassos para o jornalismo científico. Os poucos que se aventuram na cobertura da área esbarram, muitas vezes, na dificuldade de acesso a informações científicas e na falta de liberdade para exercer a profissão.
Relatos sobre as condições de trabalho em países periféricos da África, do Oriente Médio e da Oceania, por exemplo, estimulam uma reflexão mais aprofundada sobre o próprio programa da conferência, que tende a privilegiar discussões baseadas no panorama do jornalismo científico no primeiro mundo – ou em países em que ele se encontra mais ou menos consolidado, como no caso do Brasil e da Argentina.
Entre os desafios da profissão, destaque para aqueles impostos pelo novo contexto digital: em um mundo em que não faltam informações, nos mais diversos formatos (blogues, vídeos, áudios, redes sociais…), e em que todos são jornalistas em potencial, como fazer a diferença? No momento em que os leitores podem acessar, de um mesmo computador, notícias de ciência de diversos veículos, faz sentido todos reportarem a mesma coisa?
Caminhos
Diante de tantas dificuldades e dilemas, não restam dúvidas de que o jornalismo científico precisa se reinventar. O momento atual exige um profissional empreendedor e inovador, menos preso a uma única instituição. Nesse sentido, alguns caminhos foram apontados durante a conferência.
Em busca de recursos, independência e profundidade, jornalistas têm recorrido ao crowdfunding, modelo em ascendência de patrocínio coletivo de ideias e projetos, que vem sendo explorado, inclusive, por cientistas.
A revista eletrônica Matter é um fruto bem-sucedido dessa estratégia. No início de 2012, dois jornalistas de ciência experientes conseguiram arrecadar 140 mil dólares na Kickstarter – plataforma mais antiga no universo do crowdfunding – para criar uma publicação dedicada a longas reportagens de ciência. Hoje, estabilizada e com assinatura mensal a 0,99 centavos de dólar, a revista vem sendo elogiada no meio e tem inovado na interação com os financiadores e assinantes, que participam da seleção dos assuntos abordados na publicação.
Menos competição e mais colaboração – tanto entre jornalistas e público quanto entre os próprios jornalistas – também foi um lema defendido na conferência, mas que ainda é pouco praticado. Um exemplo interessante em outra área é o Homicide Watch D.C.. Apesar do tema sombrio, o premiado projeto do Distrito de Columbia, nos Estados Unidos, pode ser um bom modelo para o jornalismo de ciência. A iniciativa, sustentada por doações, integra uma rede crescente de sites no país dedicada a cobrir, por meio de reportagens originais, documentos judiciais, mídias sociais e com a ajuda de membros das comunidades locais, assassinatos cometidos em diferentes estados norte-americanos.
Sejam quais forem as dificuldades e os caminhos do jornalismo científico, é importante aproveitar ocasiões como a Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência para reforçar os valores básicos que movem a nossa profissão, muitas vezes atropelados pela correria do dia a dia e pela pressão por produção e versatilidade.
Sem falar que, para os poucos que nos dedicamos à área no Brasil, é sempre reconfortante saber que não estamos sós e que o entusiasmo, os obstáculos e os dilemas que vivemos, mesmo que de ordens diversas, são compartilhados por colegas de todo o mundo – desenvolvido, subdesenvolvido, democrático, totalitário…
Em 2015 tem mais, na Coreia do Sul!