As professoras da UFRJ Maria Tereza Leopardi Mello, do Instituto de Economia, e Débora Foguel, do Instituto de Bioquímica Médica, membro titular da ABC e atual Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa, enviaram para Notícias da ABC o seguinte artigo:
Com a lei 12.772 recém-aprovada (em dezembro de 2012), o governo já editou uma Medida Provisória (MP) para alterar algumas de suas regras – que foram propostas pelo próprio governo. Sintoma de que há algo errado não só na Lei, mas no próprio processo decisório do MEC, que ignorou solenemente a opinião de segmentos importantes da academia. A discussão da nova MP arrisca seguir pelo mesmo caminho, resolvendo apenas uma pequena parte de um problema que, diga-se de passagem, não existia antes da Lei 12.772. No fundamental, contudo, os malefícios da Lei já se fizeram sentir nas universidades e – pela recusa em dialogar demonstrada pelo MEC – tenderão a continuar e a eclodir com força em 2015.
A carreira docente nas universidades federais é, atualmente, regida pela Lei 12.772, aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2012 a partir de um Projeto de Lei proposto pela Presidente da República(1). Apesar de recém-aprovada, o governo já editou uma MP alterando algumas de suas regras.
Nesse cenário incerto, várias universidades federais estão com concursos abertos regidos pela infante Lei 12.772, que instituiu a dispensa do título de doutor para o ingresso na carreira do magistério superior, dentre outros malefícios. A contratação sem titulação passou a ser a regra geral, colocando em risco décadas de intenso esforço da academia, conjuntamente com órgãos federais – como CAPES e CNPq – e estaduais – FAPs – para fazer prevalecer o mérito nas universidades.
Por que a pressa – a MP supõe urgência – de alterar a Lei, se as regras em questão foram propostas pelo próprio governo? Aparentemente, os dirigentes do MEC se deram conta – tardiamente – dos problemas causados às universidades federais pela nova sistemática de ingresso na carreira docente, muito provavelmente em resposta às manifestações de várias entidades de enorme prestígio, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências, que fizeram coro com um grande segmento de professores universitários rechaçando e apontando os graves problemas embutidos nesta Lei.
Resumidamente, a MP introduz as seguintes modificações na Lei 12.772 aprovada em dezembro último:
- estabelece a titulação de doutorado como requisito para ingresso na carreira, prevendo a possibilidade de as universidades dispensarem – justificadamente – essa exigência nos editais dos concursos (art. 8º, §§ 1º e 3º);
- modifica as designações de cada classe – de Auxiliar, Assistente, Adjunto, Associado e Titular para, respectivamente, A, B, C, D e E; na classe “A”, o docente pode ser denominado Adjunto (se Doutor), Assistente (se Mestre) ou Auxiliar (se não tiver titulação). As demais classes correspondem às denominações de Assistente (B), Adjunto (C), Associado (D) e Titular (E). O ingresso na carreira permanece sendo obrigatoriamente no primeiro nível da classe A;
- reduz de 20 para 10 anos o tempo de experiência ou de titulação de doutorado exigidos para ingresso na classe de Titular-Livre (art. 9º, II);
- estabelece regras do concurso para Titular-Livre, prevendo banca com membros externos e critérios a serem estabelecidos pelo Ministro da Educação (art. 9º, com acréscimo de um § 3º);
- amplia as atividades e formas de remuneração admitidas no regime de Dedicação Exclusiva, incluindo bolsas de organismos internacionais (art. 21, III) e colaboração esporádica de natureza científica ou tecnológica, limitadas a 120h/ano (inciso XII acrescentado ao art. 21). Tais atividades deverão ser autorizadas e normatizadas pelo Conselho Superior de cada universidade (art. 21, §1º);
- adiciona o afastamento para pós-doutorado entre as hipóteses de afastamento possíveis ainda no período probatório (art. 30, I).
De forma, geral, a MP tentou corrigir parte dos graves problemas criados pela Lei 12.772. No entanto, a questão mais relevante – em nossa opinião, a estrutura da carreira docente e a sistemática de ingresso nessa carreira – não foram contemplados. Para entender o problema, façamos um breve histórico.
O sistema anterior da carreira docente federal (regido por normas de 1987) previa uma estrutura de classes – Auxiliar, Assistente, Adjunto e Titular – divididas, as três primeiras, em quatro níveis cada; a estrutura remuneratória seguia uma lógica que relacionava cada nível/classe com a titulação e regime de trabalho; cada nível salarial resultava da combinação desses fatores e era composto de um vencimento básico e um adicional por titulação (VB + AT). Ao longo do tempo, tanto a estrutura remuneratória quanto os níveis e classes foram sendo alterados. Criaram-se novas gratificações (GED, GEMAS etc.), além da nova classe de professor Associado (com 4 níveis), acima da de Adjunto.
O ingresso na carreira podia se dar no primeiro nível de cada classe – de Auxiliar, Assistente ou Adjunto, exigindo-se, respectivamente, diploma de graduação, título de mestre e doutor. Tal sistema era flexível, adaptável às diferentes condições das universidades federais em todo o país, e muito mais adequado ao atual estágio da universidade brasileira.
Nesse aspecto, a Lei 12.772/2012 provocou um tremendo retrocesso! Estabeleceu que o ingresso na carreira docente só poderia ocorrer no primeiro nível da classe de Auxiliar, mediante concurso para o qual se exigia apenas o diploma de graduação (art. 8º). Quem já tivesse doutorado, embora recebendo uma Retribuição por Titulação correspondente ao título, permaneceria Auxiliar por três anos, já que a promoção para Adjunto só seria possível depois do estágio probatório (cf. art. 13).
Os problemas decorrentes dessa nova sistemática de ingresso são vários. O primeiro, e mais evidente, é relativo aos salários e à atratividade – já algo combalida – da carreira docente nas universidades federais. Mesmo com uma Retribuição por Titulação de Doutorado, um professor no primeiro nível da carreira ganha menos do que o salário de Adjunto 1 (o nível no qual seria enquadrado pelo sistema anterior). Como se pode ver no Anexo (Tabela 1), a diferença entre o salário de ingresso (agora denominado de “Adjunto A, nível 1”) e o de “Adjunto C, nível 1” atualmente é de 7% (R$ 8.049,77 contra 8.618,53); mas, esta diferença aumenta até 2015, quando passará a ser de 15,8% (R$ 8.639,50 contra 10.007,23). Adicionalmente, se compararmos o salário de um ingressante em 2012 (R$ 7.627,02) e em 2015 (R$ 8.639,50), observa-se uma perda de cerca de 2% em termos reais(2).
Em segundo lugar, a Lei acabou inviabilizando que a titulação constasse como requisito no Edital do concurso – o único requisito para ingresso na carreira previsto legalmente era o título de graduação (art. 8º, § 1º); e ainda que o edital viesse a estabelecer requisitos adicionais, isso poderia ser contestado, pois tais requisitos não eram previstos em Lei(3).
Curiosamente, esse problema já havia sido previsto quando das discussões em torno do Projeto de Lei que deu origem à Lei 12.772, mas aparentemente o alerta foi ignorado. Por outro lado, quando desses debates, difundiu-se a ideia – equivocada – de que a sistemática anterior de ingres
so não seria compatível com os princípios e regras constitucionais que regem a Administração Pública(4) – isso embora a prática de concursos para o nível de Adjunto tenha sido comum nas universidades federais e não tenha sido questionada judicialmente até o presente.
so não seria compatível com os princípios e regras constitucionais que regem a Administração Pública(4) – isso embora a prática de concursos para o nível de Adjunto tenha sido comum nas universidades federais e não tenha sido questionada judicialmente até o presente.
Mas, a questão crucial é a perda do sentido original da estruturação da carreira: afinal, o que significa ser Auxiliar, se se prevê que possa haver um “Auxiliar com mestrado” ou um “Auxiliar com doutorado”? E o que significa ser Adjunto, se o título de Doutor não é condição suficiente (nem necessária) para isso? A divisão em classes perdeu seu sentido original, que estava ligada à titulação (e à senioridade do docente!).
Os arts. 16 e 17 da Lei 12.772 estabelecem a estrutura remuneratória constituída de Vencimento Básico + Retribuição por Titulação. Os valores de cada item (VB e RT) ao longo dos próximos três anos (de 01/03/2013 a 01/03/2015) são previstos nos seus Anexos. Falta-lhes, entretanto, uma estrutura lógica explícita – as variações entre os níveis de remuneração não são regulares, nem entre níveis de uma mesma classe nem entre classes; tampouco são regulares os acréscimos por titulação, ou as variações por regime de trabalho (Dedicação Exclusiva (DE), 40 horas sem DE, 20 horas).
Tudo o que se define são os valores de cada nível e a retribuição por titulação. Como esses valores vão até 2015, segue-se que a partir daí a questão voltará à agenda/pauta dos professores (do governo, dos sindicatos etc.) e poderá servir de estopim para uma nova greve.
Entendemos ser necessária uma re-estruturação da carreira docente, que obedeça aos princípios de valorização da qualificação e do regime de dedicação exclusiva e atenda aos objetivos de atrair novos professores de bom nível, com bons salários e a perspectiva de crescimento dentro da carreira.
O MEC parece ter percebido – tardiamente – os problemas causados pela Lei por ele proposta, e parte agora para tentar corrigir alguns pontos pela via da Medida Provisória. Mas, no essencial, ela apenas contorna um dos problemas: estabelece a exigência do título nos concursos, mas, junto com isso uma mudança nos nomes de classes – criando, agora, uma categoria de denominações – como se mudar o “nome” fosse resolver o problema do ingresso – que continua se dando no primeiro nível da carreira. Além disso, a existência de dois tipos de Professor Titular (de Carreira e Livre) também soa estranha e, até onde saibamos, não há similar mundo afora. Como o Titular de Carreira passou a ser mais um nível a ser galgado ao longo da carreira, mesmo que seja necessário o enfrentamento de um processo seletivo (com banca externa inclusive), não haverá competição entre candidatos, como nos concursos para Titular que vigoravam nas universidades até a promulgação da Lei. Torcemos para que esses concursos para o cargo de Titular de Carreira sejam regidos exclusivamente pelo mérito e que não se tornem uma “ação entre amigos”, maculando o significado e a importância de um Professor Titular no mundo acadêmico.
Em suma, assistimos à passagem meteórica de uma Lei, redigida sem ouvir grande parte dos interessados que teriam contribuições consistentes a fazer em prol da melhoria da carreira do magistério superior no Brasil. Enquanto se desenrolam vários concursos que operarão segundo os critérios dessa Lei e colocarão dentro das nossas universidades docentes não doutores, aguardamos os próximos capítulos dessa novela que já se descortina nessa nova MP que, se corrige o que de pior havia na Lei 12.772, nos brinda com um sistema de classes confuso e desnecessário.
E, para finalizar, não podemos deixar de registrar nossa grande preocupação com atual situação das universidades federais que correm o sério risco de regredir, aprisionadas nas suas próprias teias, numa verdadeira crise de representatividade, que pode ainda se agudizar, caso o MEC permaneça sem dar ouvidos aos segmentos da academia mais comprometidos com a qualidade e a excelência do trabalho acadêmico.