Leia a entrevista com a Acadêmica Debora Foguel – pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da UFRJ e coordenadora do conjunto de palestras “Estrutura de ensino superior” incluído na Reunião Magna da ABC – sobre políticas públicas, carreira docente, ensino e aprendizado nas universidades.

O ensino superior brasileiro, uma das forças motrizes do desenvolvimento do país, teve um avanço expressivo na primeira década deste século. Dados do Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o percentual de brasileiros com nível superior completo passou de 4,4%, em 2000, para 7,9%, em 2010, o que representa a passagem de 6,1 milhões para 12,8 milhões de brasileiros detentores de um diploma universitário. Esses dados também sinalizam prosperidade socioeconômica: afinal, mais conhecimento para o brasileiro significa mais conhecimento para o Brasil, sobretudo se for acompanhado da abertura de postos de trabalho, acarretando o aumento da produtividade e do poder aquisitivo.

No entanto, para que este avanço seja bem compreendido há muito mais a se considerar. Convém avaliar o que a carreira docente oferece em termos de remuneração, formação continuada e atividade de pesquisa aos professores; identificar a infraestrutura das salas de aula, laboratórios, centros de pesquisa e demais espaços das universidades; e analisar qual o nível de aprendizado de quem ingressa e de quem sai das universidades para o mercado de trabalho ou para prosseguir nas atividades de pesquisa e na carreira acadêmica. Só assim será possível entender por que persiste a evasão de estudantes e professores e também por que o número de pesquisadores aumenta lentamente, caso seja considerado o potencial de 193 milhões de brasileiros ou, ao menos, os 12,8 milhões que conquistaram um diploma universitário na última década.

A Academia Brasileira de Ciências defende que a educação é uma das chaves para alavancar o desenvolvimento do Brasil, pleiteando inclusive um percentual fixo dos recursos dos royalties do petróleo, vigorosos a partir da exploração na camada pré-sal, para as áreas da educação, ciência, tecnologia e inovação, com o argumento de que o conhecimento é um recurso humano, abundante e renovável.

Esta postura se reflete na realização do conjunto de palestras Estruturas de Ensino Superior, coordenado pela Acadêmica Debora Foguel, pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Reunião Magna da ABC 2013, especialmente no ano em que o tema é Desenvolvimento científico-tecnológico: Rumo a novos patamares. Haverá palestras dos Acadêmicos Simon Schwartzman sobre modelos de ensino superior, Wanderley de Souza sobre universidade de excelência e Jailson Bittencourt de Andrade sobre carreira docente.

Na entrevista a seguir, Debora Foguel introduziu o debate comentando políticas públicas para o ensino superior, modelos de universidade e a carreira docente universitária brasileira, ponderando os impactos sociais resultantes de cada tema.

Notícias da ABC Ampliar o acesso ao ensino superior e aumentar a qualidade do ensino são dois grandes desafios que a universidade brasileira enfrenta hoje. A superação destes desafios pode ser alcançada com a estrutura atual da universidade brasileira?

Debora Foguel A questão do acesso ao ensino superior é uma das questões mais relevantes para a construção do Brasil do futuro que todos nós almejamos. Para esse país do futuro que, em última instância, é o país que queremos já, no presente, precisamos, indiscutivelmente, de muita gente formada, graduada e pós-graduada. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) lançado pelo governo Lula, apesar de muito criticado, foi, a meu ver, um marco na história do ensino superior no Brasil. Este programa forneceu as condições financeiras e políticas para que a universidade pública criasse novas vagas, criasse novos cursos, criasse novos campi. Não podemos negar que o REUNI forçou a todos a travar uma discussão interna e necessária, inicialmente centrada nos nossos cursos de graduação, nas metodologias de ensino, grades de disciplinas e etc., mas acabou transbordando para o sistema de acesso às universidades que resultou no fim do modelo antigo do vestibular. Este programa representou, a meu ver, uma verdadeira revolução nas nossas universidades federais.

Certamente, a expansão foi feita tendo como ator principal uma universidade que estava sucateada, com salas de aulas e laboratórios precários, infraestrutura predial deteriorada e sem concursos há vários anos, devido a décadas de poucos investimentos. Mesmo assim, não sem embates internos difíceis, as universidades federais atenderam ao apelo do governo por acreditarem ser este programa necessário como um primeiro passo no sentido de aumentar a porcentagem de jovens nos bancos universitários. E os recursos e as vagas docentes e de técnico-administrativos para sustentar essa expansão chegaram e, hoje, não podemos negar que o cenário nas universidades é outro, em qualquer campus universitário que se visite. O caminho ainda é longo, mas saímos do lugar de estagnação onde estávamos. E, dessa forma, com o REUNI e, agora, com o ENEM, a universidade pública brasileira vem se transformando, como há muito não acontecia.

NABC Nos últimos anos foram implementadas políticas públicas para a universalização do ensino superior no país, com destaque para a assistência de crédito estudantil, cotas raciais, intercâmbio, entre outras. Entre elas, a que causou maior repercussão na sociedade foi a introdução de cotas nas universidades. Qual a sua avaliação dessa política para ensino superior brasileiro?

Debora Foguel No que tange a política de cotas, foram muitos os debates que presenciei e as opiniões sobre essa política são divergentes entre os acadêmicos. Como experimentalista, antes de formar minha opinião, não poderia me furtar a olhar dados, dados de universidades que já praticam as cotas há algum tempo, como a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), por exemplo. Esses dados têm mostrado, até onde eu pude acompanhar, que a qualidade do ensino universitário não foi afetada pela chegada dos alunos cotistas. Os dados mostram também que a taxa de evasão, outro mito em torno das cotas, também não tem sido maior entre os cotistas. Alguns dados até mostram o contrário! E, curiosamente, um estudo realizado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) mostra que os alunos cotistas negros não se sentem discriminados pelos seus professores, nem pelos seus colegas, nem pelos funcionários e técnicos da universidade onde estudam, outro mito que ronda o tema, no caso das cotas raciais.

Baseado nesse conjunto de observações, mas, também, naquilo em que acredito enquanto pessoa, professora e acadêmica brasileira, sou favorável às cotas! Se as cotas sociais já seriam suficientes para resolver a questão das cotas raciais, isso é outra discussão. Mas, não podemos negar que este país é miscigenado nas ruas e nas praias, por exemplo, mas branco nas repartições, nos consultórios médicos e de advocacia, nas universidades. Mas, considero que determinar uma fração das cotas para os negros traz em si um resgate, um compromisso e uma carga de simbolismo. Eu, particularmente, gostaria de poder ver os cidadãos brasileiros e meus filhos, que são universitários, participando dessa experiência como parte de sua formação como cidadãos do mundo.

Certamente, nosso problema maior e que nos leva à necessidade da adoção de tal medida reside na baixa qualidade do ensino
básico ofertado na maioria das escolas públicas ou mesmo em algumas escolas particulares brasileiras. Nós das universidades não podemos descansar enquanto essa questão não for equacionada e isso levará décadas… Até lá, quantas mais gerações de jovens de baixa renda ou negros ficarão aguardando a solução desse problema crônico e de difícil solução? As cotas vêm para fazer com que atravessemos esse longo período enquanto as coisas não se arrumam na educação básica brasileira dando oportunidade para essa geração de jovens que cá está e longe da universidade. E os dados do último Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) também mostraram que os alunos cotistas não obtiveram pontuação tão distinta dos não cotistas. Penso que a missão das universidades brasileiras é plural, múltipla e traz enormes desafios.

NABC Um modelo de universidade de grande aceitação junto a comunidade científica é a universidade de excelência. Se o que faz uma universidade de excelência for realização de pesquisa de ponta, as primeiras universidades de excelência brasileiras seriam a Universidade de São Paulo, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Estadual de Campinas, todas na região Sudeste. Para o ensino superior, a melhor estratégia é ampliar os recursos públicos nestas universidades, para que elas se estabeleçam internacionalmente, ou captar recursos privados junto às empresas instaladas ao redor delas, para que os recursos públicos ajudem a expansão das demais universidades existentes no país reduzindo a diferenças regionais?

Debora Foguel As universidades de excelência ou de classe mundial precisam de um conjunto de medidas e ações coordenadas, firmes e de longo alcance, tanto por parte de seus gestores quanto do governo, para que elas se estabeleçam e prosperem. Nelas, o componente da pesquisa é muito forte e, para tal, o aporte de recursos deve ser muito expressivo, a infraestrutura e o parque de equipamentos precisam ser cuidados, adequados e modernos, a governança e a gestão devem ser favoráveis, facilitando a vida do professor-pesquisador. E a questão da liberdade de cátedra, da regulamentação e leis do país onde elas se encontram deveriam tramar a seu favor, para que tudo caminhe a contento.
Penso que ainda temos muito chão a caminhar no Brasil, principalmente no que concerne às universidades federais, para chegarmos aos níveis de excelência vistos em outras grandes universidades mundo afora. Dessa forma, penso que a resposta é sim para ambas as perguntas, ou seja, é importante que recursos do setor privado sejam captados para que essas universidades mencionadas se estabeleçam internacionalmente, mas, também, e de forma mais necessária, ainda se faz importante que os governos, estadual e federal, as financiem.

As universidades de excelência precisam ter aporte de recursos para financiar editais de pesquisa internos, para o desenvolvimento de suas competências e dos seus grupos de excelência de forma programada, atrelada a um programa de desenvolvimento institucional. Não tenho conhecimento de universidades federais que possuam recursos para promover editais internos de pesquisa (com valores expressivos) ou que possam investir recursos na modernização de seus laboratórios e equipamentos de forma sistemática e eficiente. Ainda dependemos da conquista individual por parte dos pesquisadores por auxílios à pesquisa sem uma participação estratégica da universidade. Como a pesquisa é uma atividade que demanda muitos recursos e de forma perene, o envolvimento do setor privado é necessário para ajudar a nutrir esse sistema, de preferência de forma colaborativa, onde os pesquisadores da universidade interagem com a empresa buscando avanços tecnológicos para a nação.

Mas, não podemos nos iludir, a fração maior de investimentos em pesquisa em universidades de classe mundial vem de recursos públicos. Por outro lado, uma universidade de excelência é extremamente cara. E, por isso, os diversos países, mesmo os mais ricos, escolhem um subconjunto de suas universidades para dar a elas o status de excelência. Mesmo a China e a Índia também tomaram essa decisão. Precisaremos pensar coletivamente nessa questão no devido momento, criando uma solução que se adeque ao cenário brasileiro, onde temos o grande conjunto de universidades ainda muito jovem, outras recém-criadas, onde ainda existem regiões desatendidas neste país continental e onde a participação das empresas se conta nos dedos.

NABC Pesquisas apontam a pouca atratividade da carreira docente entre estudantes. Em sua perspectiva como professora e pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação da UFRJ, quais as possibilidades e os limites da carreira docente universitária?

Debora Foguel Penso que a carreira docente era, até pouquíssimos anos atrás, o único, e certamente o mais cobiçado, destino para vários dos egressos dos nossos programas de pós-graduação. Penso que a situação começa a mudar por conta do momento econômico que estamos experimentando. A própria pós-graduação já começa a não ser mais a preferência dos egressos da graduação. Ou melhor, nossos alunos formados estão sendo imediatamente empregados! Nada disso me parece ruim.

Certamente, precisamos tornar igualmente atraente a carreira docente universitária, através de salários competitivos e atraentes e pela oferta de condições plenas de trabalho e de pesquisa. Mas, o que assistimos no final de 2012, foi a promulgação de uma Lei (Lei 12.772) que mudou completamente a carreira nas universidades públicas, a meu ver para pior, o que, certamente, vai contribuir para que a docência e a pesquisa não sejam mais opção para os egressos dos nossos cursos. Talvez o maior dano que está no bojo dessa Lei é no que concerne à entrada na carreira docente, agora, única e exclusivamente no nível de Auxiliar de Ensino, para o qual apenas o curso de graduação se faz necessário. Isso está na contramão de todo um esforço de décadas que temos assistido com orgulho, com especial destaque ao trabalho do governo e da Capes [Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], no sentido de qualificar o corpo docente das universidades federais e fazer crescer a atividade de pesquisa nas universidades, mesmo naquelas mais jovens e distantes dos grandes centros.

Não me parece necessário, nos dias de hoje, mais do que alguns instantes de reflexão para se concluir qual a importância e o impacto para o ensino de graduação do ingresso de professores doutores nas instituições de ensino superior. Num Brasil que ficou no passado, era, de fato, difícil, para a maioria das áreas, encontrar doutores em número suficiente para suprir o quadro docente das universidades. Hoje, isso não é verdadeiro para a quase totalidade das áreas, salvo algumas exceções que, mesmo no sistema antigo, eram tratadas como exceção. No meu entender, o título de doutor deveria ser uma exigência básica para a investidura de um professor em uma universidade. Esses professores não doutores não participam de programas de pós-graduação e, com isso, deixam de contribuir para a formação dos novos doutores que o Brasil ainda tanto precisa. Cabe ressaltar ainda, que os professores que ingressarem sem doutorado e como Auxiliar de Ensino poderão ser promovidos até o último nível da classe de Professor Adjunto. Ou seja, nesse momento a nova lei me parece desferir um golpe fatal nas universidades federais, trazendo-nos um enorme atraso.

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Esta é a quarta da série de entrevistas da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências em 2013, que tem a intenção de compartilhar com os leitores a vasta experiência dos coordenadores de sessão da Reunião e sua compreensão da ciência brasileira em seus múltiplos aspectos. A primeira entrevista foi com o Acadêmico Luiz Davidovich, um dos coordenadores gerais do evento, que abordou os
rumos da ciência no Brasil. A segunda entrevista foi com o Acadêmico Sergio Rezende, coordenador do ciclo de palestras Grandes Projetos, que abordou os projetos científicos de ponta em curso no país. A terceira entrevista foi com o Acadêmico Carlos Alberto Aragão de Carvalho, coordenador do ciclo de palestras P&D nas Empresas: Desafios, que abordou a importância da academia e as empresas trabalharem juntas para o progresso econômico, para o desenvolvimento do conhecimento científico e para a sustentabilidade do planeta.

Reunião Magna 2013
Desenvolvimento científico-tecnológico: Rumo a novos patamares

Veja a programação e o perfil dos palestrantes.

Inscrições: São gratuitas e abertas ao público, mediante inscrição prévia por e-mail para rmagna2013@abc.org.br.

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