Os desafios enfrentados pelas empresas brasileiras para realizarem pesquisa e desenvolvimento (P&D) foram abordados nas palestras dos empresários Pedro Passos, Pedro Wongtschowski e Bernardo Gradin, além do Acadêmico José Oswaldo de Siqueira, no painel P&D nas Empresas: Desafios, realizado no dia 7 de maio, sob a coordenação do Acadêmico Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho, durante a Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências que aconteceu no Rio de Janeiro, entre os dias 6 e 8 deste mês.

A competitividade do mercado global tornou a inovação uma palavra de ordem para as empresas que querem prosperar, seja em qual área for. Isto fez com que o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), a chave para a inovação, entrasse no orçamento das empresas. Também fez com que fossem criados postos de trabalho para os cientistas, além de centros de pesquisa e institutos tecnológicos que estão transformando os parques industriais e a economia brasileira.

“Cientes de que a parceria academia-empresa favorece a ambas, o objetivo deste painel é saber como aproximá-las ainda mais. Optamos por palestras de empresários, porque somos uma plateia de cientistas, e isto nos dá a chance de conhecermos o que eles pensam dessa parceria e sobre como podemos aprimorá-la”, explicou Aragão, físico e diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), ao iniciar a sessão.

Cultura da inovação

O primeiro palestrante foi o membro titular da ABC José Oswaldo de Siqueira, pesquisador do Instituto Tecnológico Vale (ITV), que abordou a cultura da inovação no Brasil. Ele fez uma distinção entre aqueles que sabem que a inovação é parte do desenvolvimento econômico e aqueles que põem este pensamento em prática. Diferença que pode ser observada comparando o Brasil com países desenvolvidos ou países em desenvolvimento, e comparando os investimentos privados em inovação entre áreas distintas e até mesmo entre empresas da mesma área. “O baixo investimento em inovação se explica pelo fato de que, enquanto os outros países enxergam na inovação o caminho para o desenvolvimento econômico, no Brasil isto não tem gerado ações concretas em larga escala, apesar dos esforços existentes e da ampla aceitação desta ideia. Este é um desafio para o desenvolvimento interno e para a competitividade no mercado global”, explicou.

Para superá-lo, Siqueira acredita que uma alternativa seja fortalecer o ciclo do conhecimento, fazendo com que ele passe das universidades para as empresas e vice-versa: “Levar ideias ou dificuldades das empresas às universidades para que elas gerem conhecimento novo que, ao voltar para a empresa, se transformará em tecnologia aplicada em produtos inovadores”. Mas, para que este ciclo possa funcionar sem interrupções, as empresas precisam investir nas universidades que, por sua vez, precisam direcionar suas pesquisas às demandas das empresas de forma a aumentar a produtividade e agregar valor aos produtos. “O papel das universidades para o incremento de P&D nas empresas não será possível com pesquisas feitas unicamente no espaço universitário, de forma pontual e sem foco. Elas não transferem conhecimento e mantém-se confinada ao ambiente acadêmico”, explicou.

A cultura da inovação – ou a ausência dela – continuou sendo a tônica das palestras seguintes, ficando a cargo dos palestrantes oferecerem mais soluções, inclusive por meio de uma agenda da inovação.

Agenda de inovação para a competitividade

Para os empresários, a competitividade caminha junto do desenvolvimento, assim como pensam os cientistas a respeito da pesquisa. Mas, se há pesquisas e universidades pouco atinadas para a competitividade, a verdade é que também há empresas assim.

O segundo palestrante, Pedro Passos, co-presidente do Conselho Administrativo da empresa de cosméticos Natura, abordou este assunto ao mostrar que se o Brasil tem um percentual pequeno de seu Produto Interno Bruto (PIB) revertido para pesquisa e desenvolvimento, a iniciativa privada tem responsabilidade sobre isto. “O investimento em P&D em relação ao PIB deixa o Brasil somente acima de México, Argentina, Chile, África do Sul e Rússia. Fica ainda muito distante de China e Coreia do Sul. A grande diferença está no volume de investimento em P&D feito pela iniciativa privada. O montante de 0,55% do PIB aplicado pelas empresas brasileiras está longe dos 2,68% investidos pelo setor privado da Coreia do Sul ou dos 1,22% da China”, explicou. Continuando a comparação, ele mostrou que isto se reflete no baixo número de patentes registradas no país e na pouca competitividade no mercado global.

Passos defendeu uma agenda de inovação voltada para a competitividade brasileira, pautada de forma que, entre outros fatores, atraia centros de P&D de empresas estrangeiras e apoie a internacionalização de empresas brasileiras e de suas atividades de P&D; melhore a infraestrutura e a cultura de propriedade intelectual no país; dê maior ênfase na formação de recursos humanos; aprimore o marco legal de apoio à inovação; e melhore a articulação entre a política de inovação e a política de comércio exterior. “Por trás desta agenda está a certeza de que a aproximação entre a academia e a empresa é o caminho da inovação. E está é uma agenda que interessa a todos: aos trabalhadores, à academia, ao governo. É uma agenda do país”, afirmou.

Pedro Wongtschowski, membro do Conselho Administrativo da indústria química Ultra, prosseguiu no assunto, como terceiro palestrante, enfatizando a formação de recursos humanos e de empreendedores na agenda. Ele reconheceu que as universidades brasileiras formam mestres e doutores em quantidade superior àquela que vinha formando no passado; no entanto, o destino profissional deles continua voltado para a carreira acadêmica. “Se a maioria desses profissionais qualificados está nas universidades em detrimento de atividades profissionais de P&D nas empresas, é lá que a academia e as empresas podem reverter este quadro, adequando programas de pós-graduação para viabilizar a participação de profissionais das empresas, incentivando a participação deles, como docentes e orientadores, e adotando temas de interesse de empresas em dissertações e teses”, afirmou.

Na opinião de Wongtschowski, além da formação de recursos humanos, empreendedores também precisam ser estimulados dentro da universidade: “Hoje há 400 incubadoras e 29 parques tecnológicos em operação com cerca de 7.000 empresas residentes, algo bom que pode melhorar. E para fomentar o empreendedorismo nas universidades os melhores alunos devem ser estimulados a criar empresas, mostrando aos bons alunos que há vida virtuosa fora da universidade, inclusive como empreendedores. É preciso estimular no ambiente universitário a concepção de empr
eendimentos inovadores com o uso de tecnologia avançada”, explicou.

O quarto palestrante, Bernardo Gradin, presidente e sócio fundador da companhia de biotecnologia GraalBio, destacou que as empresas também devem mudar, para que essa agenda seja posta em prática. “Em geral, a mentalidade empresarial brasileira não é empreendedora, por isso não pode ser inovadora a contento. Há pouco apetite de risco pela tecnologia transformadora, uma espera pelo incentivo público e crença de que copiar ainda compensa”, afirmou.

Gradin explicou que este comportamento fez o Brasil perder chances históricas de ser líder em áreas de tecnologia nos últimos anos e que, com a ciência de alto nível que o país dispõe hoje, não se pode perder outras. “As empresas que mudam essa postura têm a oportunidade de serem pioneiras. Quando o assunto é pesquisa e desenvolvimento, a melhor estratégia é firmar acordos de cooperação com a academia, aproveitando que também é desejo dela estreitar os laços”.

Após as palestras, houve perguntas da plateia, certamente interessada nos desafios enfrentados pelas empresas, mas também querendo conhecer o que já foi possível realizar no estágio atual da parceria. Foi ocasião dos produtos desta parceria serem conhecidos e explicados. Já se encaminhando para o final, o vice-presidente da ABC Hernan Chaimovich expressou o sentimento geral: “É vibrante ouvir empresas inovadoras que propõem desafios e apontam soluções. Este painel deveria ser publicado em livro, porque a voz das empresas, com o selo da ABC, pode ser uma influência benéfica para avançarmos”.

O painel mostrou que o empresariado brasileiro está em transformação, superando a velha visão extrativista que o caracterizou por tantos anos, para incorporar pesquisa e desenvolvimento na cadeia produtiva. Na medida em que avança, esta transformação tem gerado produtos com um valor agregado para as empresas e modificado os rumos da ciência brasileira. Isto ajuda a explicar porque o painel teve palestras concatenadas ao ponto da crítica e a autocrítica constituírem uma agenda efetiva de mudança.