A Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências (ABC) 2013 teve início no dia 6 de maio, em sua sede, no Rio de Janeiro. Após a abertura – conduzida pelo presidente da ABC Jacob Palis em conjunto com os Acadêmicos Luiz Davidovich e Antonio Carlos Campos de Carvalho, coordenadores do encontro – foi cedida a palavra ao ex-ministro de Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende. Membro Titular da Academia e professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Rezende convidou os pesquisadores Virgílio de Almeida, Denise de Menezes Neddermeyer, Adalberto Fazzio e Carlos Alberto Aragão de Carvalho a comporem a mesa redonda “Grandes Projetos em Ciência, Tecnologia & Inovação”.Quando entrevistado pelo NABC na rodada de entrevistas prévias com os coordenadores das diferentes mesas redondas do evento, Rezende afirmou que esse primeiro conjunto de palestras foi organizado a partir de uma avaliação sobre onde a ciência brasileira avançou, visando a destacar onde é preciso continuar investindo para que seja dado o salto necessário.

“O caminho para esses novos patamares passa por uma ênfase em tecnologia da informação”

Dando início às apresentações do dia, o Acadêmico Virgílio de Almeida tratou de questões relativas à tecnologia da informação (TI). De acordo com o professor titular do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – que é também membro da Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS, na sigla em inglês) – é evidente a importância estratégica da área no cotidiano das sociedades contemporâneas. Para exemplificar, o engenheiro citou um relatório, elaborado no ano de 2013 por uma comissão do presidente Barack Obama, que pretendia mostrar como seria um dia sem TI e sem redes. Segundo o texto, 24 horas sem redes e tecnologia da informação significariam um dia inteiro sem diagnósticos médicos, televisão, MP3 e internet. Seria, portanto, um dia em que automóveis não contariam com o funcionamento de injeção eletrônica, freios ABS ou controle de estabilidade. Os aviões e trens iriam parar e os bancos não seriam capazes de operar. “Basicamente, o funcionamento da sociedade seria interrompido”, concluiu Almeida.

No intuito de nortear a palestra, o especialista em caracterização de tráfego e cargas de trabalho enumerou três questões, às quais procurou responder durante sua fala. Por que a pesquisa em computação e tecnologia da informação é fundamentalmente importante para o futuro do país? Que motivos levam a TI a ser um elemento crítico para a ciência e tecnologia no Brasil? E, finalmente, quais os planos futuros do governo brasileiro para esse setor? Nesse sentido, Almeida disponibilizou alguns números relativos à realidade brasileira. Trata-se do segundo país em números de usuários do Facebook – contando com 65 milhões de pessoas fazendo uso da rede social – e também da segunda nação em termos de visualização de vídeos no YouTube. Além disso, o Brasil se encontra entre os quatro maiores mercados da Google. Na visão do Acadêmico, além de suas dimensões econômicas, a TI funciona como o vetor responsável por levar inovação aos demais setores da economia e da ciência e tecnologia brasileiras. Sobre o ano de 2012, ele comenta: “Nesse período, a estimativa para o mercado de tecnologia da informação no Brasil foi de 123 milhões de dólares, o que representa aproximadamente 5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Se acrescermos a esse número a parte de telecomunicações, alcançaremos 7%.”

Falando sobre a dificuldade de computadorizar ações puramente baseadas no reconhecimento de padrões que variam ao longo do tempo, o Acadêmico deu o exemplo de projetos de carros que dirigem autonomamente. A ambição de construir automóveis capazes de locomover-se sem interferência humana sempre esteve presente entre os pesquisadores, mas, até pouco tempo atrás, parecia tratar-se de uma realidade distante. Hoje em dia, no entanto, empresas como Google, BMW e Audi já possuem modelos de carros capazes de trafegar longas distâncias de maneira autônoma e segura, sem a ocorrência de acidentes. “Isso confirma que a evolução da computação foi muito mais rápida do que havia sido previsto”, afirma Virgílio de Almeida. O professor ainda citou as atividades da Enalta, única instituição brasileira a constar em ranking elaborado por uma revista norte-americana das 50 empresas mais inovadoras do mundo. Sediada em São Carlos, no estado de São Paulo, suas atividades se concentram no desenvolvimento de tecnologias para o setor sucroalcooleiro. “A Enalta trabalha com um sistema de software e sensores que auxiliam no plantio e na colheita da cana de açúcar para a produção de etanol, tudo isso por comandos de voz e com uma precisão imensa que aumenta a produtividade do sistema”, explica.

Para finalizar, o Acadêmico afirmou que as tecnologias da informação encontram-se no núcleo das potenciais respostas aos principais desafios enfrentados pela sociedade brasileira, dentre eles a segurança e transporte públicos, o atendimento médico, a sustentabilidade, a educação e a energia. De acordo com Almeida, no Brasil as universidades concentram quase toda a capacidade de pesquisa, os laboratórios são mínimos ou quase inexistentes na maior parte dos setores e – embora estejam sendo estimuladas – as parcerias público-privadas são raras. Sua conclusão foi enfática: “Sendo assim, torna-se necessário ampliar a capacidade da infraestrutura cibernética, atrair capital de risco, envolver o setor privado na geração de tecnologias inovadoras e, finalmente, formar cada vez mais e melhor os pesquisadores e cientistas.”

As particularidades do Ciência sem Fronteiras

Representando o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) Jorge Guimarães, a segunda conferencista a falar foi Denise de Menezes Neddermeyer, diretora de relações internacionais da instituição. Membro Titular da ABC, Guimarães não pôde estar presente e, em seu lugar, Neddermeyer explicou os objetivos do programa Ciência sem Fronteiras (CsF), fornecendo números e esclarecendo dúvidas. No início de sua fala, entretanto, a palestrante optou por contextualizar a implementação do ensino superior no Brasil – a qual se consolidou somente no século XX, com a criação da Universidade de São Paulo. Hoje em dia, 80% das instituições de ensino superior do país são privadas e apenas 20% públicas. O número de estudantes brasileiros na graduação, por sua vez, situa-se em torno dos 60 milhões. Para Denise, quando colocado em perspectiva, esse valor mostra-se muito baixo. “Considerando o tamanho do país, ainda contamos com muito espaço para crescer e nos desenvolver”, afirma.

Para lembrar aos presentes que o CsF é apenas um dos muitos programas desenvolvidos pela Capes, Neddermeyer citou duas outras atividades realizadas pela Coordenação. Primeiramente, falou sobre a avaliação e ranqueamento de todos os cursos de pós-graduação do Brasil, medida que serve de base para a alocação de recursos, concessão de cotas de bolsa e incentivo da formação de pessoal qualificado nas universidades e centros de pesquisa do país. Em seguida, r
ecordou que – a partir de 2007 – a instituição passou também a formar profissionais da educação para o ensino básico. A decisão, que à época foi alvo de muitas críticas, atualmente é encarada de maneira positiva. “Isso mudou o nosso público, o nosso diálogo e a nossa estrutura de pensamento, pois, até então, nós só lidávamos com questões relacionadas ao ensino superior. As críticas cessaram a partir do entendimento de que, sem a qualificação dos professores da educação básica, não será possível alcançar excelência no ensino superior”, explica.

Entrando no mérito do CsF, ela contou que, lançado no ano de 2011, o programa leva em conta a necessidade de se formar uma força de trabalho voltada não só para a ciência, tecnologia e inovação, mas também para o empreendedorismo. De acordo com a diretora, o maior objetivo do programa Ciência sem Fronteiras é incitar uma via de mão dupla – proporcionar a estudantes brasileiros de graduação e pós-graduação a oportunidade de passar um período em universidades estrangeiras e também estimular pesquisadores e jovens doutores a virem ao Brasil para conhecer as instituições nacionais. Além disso, outro objetivo do CsF é atrair brasileiros que possuam vidas consolidadas no exterior e desejem passar um tempo em sua nação de origem, contribuindo para o desenvolvimento de suas respectivas áreas de pesquisa no país.

O projeto foge do modelo de formação de pessoas no exterior adotado por muitos países. “Programas de intercâmbio e mobilidade acadêmica”, explica Neddermeyer, “quase todo país tem. No entanto, além de destinado especificamente a áreas vinculadas à ciência, tecnologia e inovação, ele possui um período determinado – devendo ir até 2015 – e um número fixo de pessoas a serem contempladas com suas bolsas – 101 mil estudantes.” Ademais da possibilidade de aprenderem um novo idioma e o enriquecimento proveniente da vivência no exterior, também são oferecidos estágios em empresas estrangeiras privadas aos alunos que viajam pelo CsF. Para cuidar de seu gerenciamento, existem um Comitê Maior, especificamente formado para orientar, acompanhar e aprovar as ações do CsF, e um Comitê Gestor, voltado para resolver seus problemas cotidianos.

Esbarrando na questão tratada anteriormente pelo Acadêmico Virgílio de Almeida, a representante da CAPES ressaltou outro marco do programa administrado em conjunto com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): o CsF terá um quarto de seu financiamento proveniente da iniciativa privada. “Essa talvez seja a primeira vez em que a iniciativa privada brasileira participe da formação de recursos humanos de forma tão clara e efetiva”, orgulha-se. No esforço de fortalecer os laços com diferentes instituições de excelência ao redor do mundo, o primeiro grupo de estudantes viajou em janeiro de 2012 e, até hoje, mais de 23 mil alunos já foram enviados ao exterior para enriquecerem sua formação.

Desvendando os desafios da nanotecnologia

O terceiro palestrante, Adalberto Fazzio, analisou os novos patamares a serem alcançados pela nanotecnologia. Pesquisador nível 1A do CNPq e professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), o Acadêmico foi nomeado, no mês de julho de 2012, secretário adjunto da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Durante a conferência, abordou aspectos relativos à importância da nanotecnologia no desenvolvimento do país. Em sua abordagem, desenvolvimento assumiu o sentido de transformação dos conhecimentos em produtos capazes de gerar riqueza para o país. “Eu procurei mostrar que a nanotecnologia não é um modismo, mas uma realidade”, enfatizou.

De acordo com Fazzio – que, em seu currículo, conta com atuações como pesquisador visitante no National Renewable Energy Laboratory, nos Estados Unidos, e também no Fritz Häber Institut, na Alemanha – o mercado global da plataforma nanotecnológica trabalha com valores superiores a 350 bilhões de dólares. E ele ainda alerta: “Esse número, daqui a dois ou três anos, superará a margem dos três trilhões de dólares.” Nesse contexto, o pesquisador aconselha que os empresários brasileiros invistam em locais onde a inovação possa ser encontrada. Ademais, o Acadêmico ressalta que a maioria dos produtos inovadores fazem uso de soluções baseadas em plataformas nanotecnológicas.

Especialista em física da matéria condensada e simulação computacional em materiais, com enfoque nos materiais nanoestruturados, Adalberto Fazzio – em entrevista ao NABC – concluiu: “Para que os desafios da área sejam vencidos, é necessário que o governo e o setor acadêmico participem. É preciso também que haja financiamento e que a infraestrutura seja melhorada.” No intuito de alcançar essa melhoria nas insfraestruturas, o professor citou a criação de um sistema de laboratórios nacionais dividido em dois grupos, os quais terão prioridade na aplicação do orçamento de 2013. Segundo a explicação do palestrante, o primeiro grupo, composto por laboratórios denominados estratégicos, é ligado à pesquisa e aos governos; o segundo, correspondente aos laboratórios ditos associados, é relacionado à academia.

Em busca de um acelerador síncrotron de terceira geração

A última palestra do painel foi ministrada pelo Acadêmico Carlos Alberto Aragão de Carvalho. Em fala bem humorada, o físico tratou das atividades realizadas pelo Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização da qual é diretor geral. Dando especial atenção ao Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e seus esforços direcionados à construção de um acelerador síncrotron de terceira geração, Aragão optou por primeiramente traçar um panorama das principais funções do CNPEM.

Nesse sentido, ele ressaltou que a instituição abriga também os Laboratórios Nacionais de Biociência (LNBio), de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) e de Nanotecnologia (LNNano). “Dedicados à pesquisa de ponta, nós fazemos uso de um modelo de laboratório nacional que conta com aproximadamente 1800 usuários externos, 900 propostas de pesquisa e mais de 300 artigos publicados”, explica. Ainda segundo o professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as missões estratégicas do Centro consistem em apoio constante à inovação. Os projetos desenvolvidos no CNPEM são de notória diversidade: vão desde a conversão de biomassa até o estudo de macromoléculas. Por fim, também está entre suas funções receber pesquisadores do país inteiro.

Inaugurado em 1997, o LNLS foi o primeiro laboratório de pesquisa do Hemisfério Sul a construir um acelerador síncrotron e, até os dias atuais, é o único da América Latina a contar com um aparato dessa magnitude. Orgulhoso, Aragão conta que mais de 85% de sua estrutura foi produzida no Brasil – o que é considerado um marco internacional, visto que não existem notícias de outro laboratório síncrotron a ser construído com esse grau de internacionalização.

De acordo com explicação do palestrante, a radiação síncrotron é uma radiação eletromagnética produzida por elétrons que, quando acelerados, ganham energia. “Entretanto, pelo fato de interagirem com seus próprios campos, parte da energia desses elétrons vai para os campos. Isso acontece”, explica, “porque a distribuição de cargas está sendo perturbada e a perturbação se propaga no espaço e no tempo.” Curiosamente, a radiação síncrotron, por tra
tar-se de um resíduo, antigamente era indesejada por físicos de partículas. Divertido, o Acadêmico completa: “Mas, obviamente, a ciência é prodiga em fazer do limão uma limonada. Foi, então, observada a importância do resíduo como sonda de prova para investigar diversas áreas – dentre as quais química, física e biologia – em faixas de energia menores do que as de interesse dos aceleradores de partícula.”

O mais novo projeto do LNLS pretende criar um acelerador de luz síncrotron de terceira geração. Mais modernos, esses aparatos permitem a confecção de imagens muito melhor definidas em escalas mais diminutas, isto é, a obtenção de figuras tridimensionais em escalas nanométricas. Apesar do acelerador de segunda geração do LNLS já ser capaz de oferecer muitas possibilidades aos pesquisadores que o utilizam, Aragão acredita que batalhar por um aparelho de terceira geração seja investir na competitividade em nível internacional. “Será a melhor máquina de sua categoria”, promete o ex-presidente do CNPq, ressaltando que sua única competidora será um acelerador sueco que também se encontra em fase de construção.

Respondendo a uma pergunta do ex-ministro Sérgio Rezende, coordenador do painel, Aragão falou sobre o orçamento do projeto. “Para mantermos o cronograma, a engenharia financeira da iniciativa,que levou o nome de Projeto Sirius, prevê para este ano recursos de 90 milhões de reais. Nós já temos 15 milhões assegurados e os 75 milhões restantes nos foram prometidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) no âmbito do Inova Brasil, plano lançado há pouco tempo pela presidente Dilma Roussef”, explica. Para finalizar, Aragão ainda citou o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e a Petrobras – cuja parceria com o CNPEM está em vias de se concretizar – como grandes parceiros para a empreitada.