Na manhã desta terça-feira, dia 21 de maio de 2013, no auditório do Viva Rio, será assinado manifesto favorável à adoção de uma política mais humana em relação ao usuário de drogas de abuso. Iniciativa de Roberto Lent – Membro Titular da ABC e diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – e Ricardo Reis – professor associado do Instituto de Biofísica da mesma instituição – o documento contará com a assinatura de cientistas reconhecidos nacional e internacionalmente, figurando entre eles os Acadêmicos Helena Nader – presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – e Sérgio Rezende – ex-ministro de Ciência e Tecnologia. Em entrevista ao NABC, Rezende explicou as razões pelas quais a descriminalização do consumo de drogas pode figurar como uma alternativa benéfica à sociedade.

“Há cerca de um mês, eu recebi uma mensagem do Prof. Roberto Lent a respeito da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), entidade política que tomou a iniciativa de redigir esse manifesto sobre a questão das drogas”, explicou o ex-ministro. Membro da CBDD, Lent explica – em artigo publicado pelo Ciência Hoje Online no ano de 2009 – que a organização, além de reunir personalidades de diferentes atuações sociais, tem como objetivo principal rediscutir a problemática das drogas sob uma nova perspectiva. Segundo ele, pretende-se substituir as políticas de “confrontação direta e inflexibilidade diante da produção, comercialização e consumo”, ainda vigentes na maioria dos países.

No caso específico do Brasil – um dos muitos Estados a aderir, nos fins da década de 1980, à política conhecida como “Guerra às Drogas” – está em vigência a Lei 11.343/2006. Na opinião de muitos, para que se alcance uma abordagem mais eficiente do enorme problema social representado pelas drogas na contemporaneidade, fazem-se necessárias certas alterações na legislação em questão. “Atualmente”, explicou Sérgio Rezende, “o usuário de drogas é visto como criminoso. O manifesto pretende chamar a atenção da sociedade, mostrando tratar-se de uma doença, uma dependência química que não deve ser enxergada como crime.” De acordo com essa visão, são os traficantes de drogas os reais criminosos e quem deve ser devidamente punido perante a lei.

Ainda de acordo com o artigo de Lent, o fracasso da atual política de drogas se confirma por meio de dados da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. Segundo a organização, a América Latina é o maior exportador mundial de cocaína e maconha e o consumo de drogas da região está em expansão, ao contrário do que acontece em países da Europa e nos Estados Unidos, onde foi alcançada certa estabilidade. “O crescimento da produção e do consumo em nosso continente veio acompanhado e vinculado a um aumento do crime organizado dedicado ao tráfico internacional e ao controle dos mercados nacionais. Por outro lado, o continente latino-americano ocupa o topo do ranking mundial de homicídios de jovens, intimamente ligado ao tráfico de drogas”, explica o neurocientista em seu texto.

Sendo assim, faz-se necessária – na visão dos assinantes do manifesto – a proposição de uma nova política conhecida como “redução de danos”. Baseada na aceitação do uso de drogas como uma prática impossível de ser completamente eliminada da realidade mundial, o foco passa a ser a contenção dos males provocados à saúde a partir do consumo excessivo. Esse novo direcionamento implica na orientação dos dependentes para tratamento, e não para a prisão. O usuário torna-se alvo de políticas de saúde e prevenção, enquanto apenas o produtor e o traficante tornam-se alvo da polícia.

Nesse contexto, o ex-ministro ressalta o papel do fabricante – que, na maioria das vezes, não é o traficante. Na tentativa de realizar uma rápida contextualização, ele afirma que as drogas, há 20 anos atrás, eram consumidas principalmente por jovens e pessoas da classe média, uma vez que seus preços eram bastante altos. Com o surgimento do crack, no entanto, essa realidade foi alterada. “Trata-se de uma droga barata, que passou a ser utilizada por pessoas mais pobres e sem oportunidades. Ademais, em sua fabricação, o crack utiliza produtos que são comprados no comércio, como a amônia e o bicarbonato de sódio”, explica Rezende.

O ex-presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) ainda propõe uma simples medida, capaz de identificar a indústria química que está fornecendo insumos ao traficante: “Se o governo controlasse a venda da amônia e do bicarbonato de sódio, como fez quando controlou a venda da cola de sapateiro, talvez também obtivesse resultados positivos. Uma medida viável, por exemplo, seria obrigar os fabricantes a colocarem marcadores nos produtos em questão; marcadores esses que, posteriormente, poderiam ser descobertos no crack que está sendo vendido aos usuários e, então, identificados os fabricantes que fornecem esses insumos aos traficantes.”

Sabe-se que a grande dificuldade da temática encontra-se na falta de consenso entre os diversos setores da opinião pública. Apesar de muitos cientistas de peso apoiarem a iniciativa, existem pessoas que não concordam com a descriminalização do consumo de drogas e, portanto, não a enxergam como o único caminho com chance de sucesso. Vale lembrar aos que compartilham da visão de que tratar o consumidor como criminoso não traz benefícios à luta contra a dependência química, que o manifesto pode ser assinado por qualquer pessoa interessada. Para conferi-lo na íntegra, clique aqui.