Físico francês Serge Haroche é um dos primeiros a desvendar esta área sem modificar suas propriedades. Leia no site de O Globo.

A física quântica é uma ciência marcada pela incerteza. Com suas previsões bizarras, o mundo quântico foi por muito tempo inescrutável até para os próprios cientistas, já que sua simples observação alteraria suas propriedades.

Isso, no entanto, começou a mudar a partir da década de 80 com o trabalho de pesquisadores como Serge Haroche. Ganhador do Prêmio Nobel de Física de 2012, o francês liderou uma das duas equipes no mundo que conseguiram, pela primeira vez, “espiar” sistemas quânticos sem afetá-los. No caso de Haroche, os alvos foram os fótons, partículas de luz que aprisionou em uma armadilha cuja concepção contou com a colaboração do físico brasileiro Luiz Davidovich, professor da UFRJ. Haroche é um dos três laureados pelo Nobel no Rio para participar da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências, que acontece esta semana.

Durante décadas o mundo quântico foi objeto de exercícios e experimentos puramente mentais, já que sua observação direta era considerada impossível. Por que o senhor decidiu desafiar este dogma?

É verdade que em geral, quando se observa uma partícula ou sistema quântico, você muda seu estado com o simples ato de observá-los, mas ainda assim há alguns estados particulares que são estáveis e não mudam quando observados. Estes estados, porém, não existem no mundo natural. O que fizemos então foi colocar os sistemas nestes tipos especiais de estado. No nosso caso, trabalhamos com a luz, com fótons. Normalmente, quando se detectam fótons eles são destruídos. Mas a teoria também nos dizia que em alguns destes estados particulares seria possível contar os fótons sem destruí-los. Decidimos então encarar este desafio, que considero ser a base para o desenvolvimento da ciência. Levamos 16 anos para montar e melhorar o aparato até o ponto em que obtivemos sucesso. Agora, observamos e contamos fótons com tamanha precisão que, se por acaso um dos fótons desaparecer porque as paredes de nossa armadilha não são perfeitas, podemos colocá-lo de volta no sistema quântico, regulando o número de partículas nele da mesma maneira que os controlamos com o obturador de uma câmera.

O senhor já esteve no Brasil? Foi convidado para fazer parte do programa “Ciência sem fronteiras”?

Venho frequentemente ao Brasil há 30 anos. A primeira vez foi em 1983, como parte de um acordo de colaboração entre o CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França) e o CNPq. Desde então, já estive aqui umas 50 a 60 vezes para seminários, palestras, cursos e também a passeio. Davidovich e eu somos amigos e ele já me convidou para participar do programa na UFRJ, mas o problema é que agora, depois do Nobel, não tenho tempo. Tenho viajado muito e nos últimos seis meses mal consegui ir ao meu laboratório, embora mantenha contato com meus colaboradores lá para saber o que andam fazendo. Gosto muito do país e quando tiver tempo novamente considerarei participar do “Ciência sem fronteiras”.

E ao longo destas três décadas a ciência no Brasil mudou muito?

Houve uma grande evolução. Lembro que nos anos 80, com o fim do regime militar, muitos físicos teóricos brilhantes voltaram para o Brasil, mas o país não tinha quase nenhum experimentalista. Hoje, no entanto, vejo um grande desenvolvimento nesta área, com vários grupos de experimentalistas em todo país competindo em nível internacional. O maior investimento brasileiro em ciência fica claro com este ganho de espaço da física experimental, que demanda muito tempo e dinheiro.

Uma das críticas que ouvimos muito no Brasil é que o dinheiro investido em ciência não se traduz em resultados práticos, que ele poderia ser gasto em problemas mais urgentes. Como o senhor responde a isso?

Isso acontece em todo lugar do mundo e é um erro. A verdade é que, se você quer aplicações práticas, primeiro deve investir em pesquisa básica. Ela é a plataforma que produz inovações. É um problema em qualquer país o fato de estarmos agora sob o jugo do mercado global, que pede retorno rápido dos investimentos. Não é assim que a ciência funciona. Grandes descobertas raramente são feitas na busca por lucro.

Na época do Nobel, porém, muito se falou de como seus experimentos seriam os primeiros passos para os supercomputadores quânticos e outras inovações. O que podemos esperar de fato?

Prever o futuro é algo muito difícil. Não posso garantir que algum dia estes supercomputadores quânticos existirão. Em teoria eles devem funcionar, mas ainda há tantos desafios a serem superados que simplesmente não sabemos. Posso dizer que, se um dia eles de fato existirem, muito provavelmente serão bem diferentes do que hoje pensamos que deverão ser. Já a comunicação quântica e a metrologia quântica, que são campos hoje puramente teóricos, deverão se beneficiar.

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