A Academia Brasileira de Ciências debaterá em sua Reunião Magna deste ano, que acontece entre 6 e 8 de maio, os patamares de desenvolvimento científico e tecnológico almejados por seus Acadêmicos, gestores de C,T&I no governo, nas empresas e por jovens cientistas.
Congregando estas diversas perspectivas, o objetivo é avaliar o que há de positivo e negativo hoje na ciência, identificar as suas relações com a sociedade, o governo e o empresariado, além de medir a distância até esses novos patamares, comparando os rumos tomados por países que os alcançaram e os desafios a serem superados durante a trajetória.
A leitura destes dados foi feita pelo Acadêmico e diretor da ABC Luiz Davidovich, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos coordenadores gerais da Reunião Magna de 2013, na entrevista a seguir.
Imagem La Lettre, Collège de France
NABC Qual é o estágio atual da ciência no Brasil?
Luiz Davidovich Considerando que as primeiras universidades brasileiras foram fundadas apenas no século XX, a ciência brasileira teve no século passado e na primeira década do século XXI um desenvolvimento notável, o que pode ser medido pelo aumento do número e da diversidade dos grupos de pesquisa, pelo crescimento do número de artigos publicados em boas revistas, pelo fortalecimento das pós-graduações e pelo aumento do número de doutores em nossas universidades. O CNPq, a Capes e as fundações estaduais de apoio à pesquisa tiveram um papel fundamental. Deve-se destacar também o apoio institucional da Finep, que ajudou a fortalecer a pesquisa nas universidades brasileiras. Precisamos pensar agora, no entanto, nos obstáculos a serem superados para que possamos alcançar um novo patamar, comparável ao das nações mais desenvolvidas e perseguido também por países como a China e a Índia. Estamos fazendo boa ciência, mas não conseguimos ainda pautar, internacionalmente, as grandes linhas da ciência e da inovação tecnológica, salvo as honrosas exceções, frequentemente mencionadas, como a Embrapa e a Petrobras.
Para isso, precisamos cuidar da melhoria da educação em todos os níveis, da aprendizagem infantil e da educação básica ao ensino superior, de modo a fazer bom uso de nossa grande população, agregando mais gente qualificada a esse esforço. Prestigiar os professores da educação básica, de modo que essa profissão possa atrair bons estudantes, deve ser uma prioridade nacional. Por outro lado, a dupla missão de nosso ensino superior, de buscar a excelência na ciência, na tecnologia e na formação de profissionais qualificados, e ao mesmo tempo ajudar a promover a inclusão social, demanda uma reformulação das instituições de ensino superior, promovendo sua diversificação e reformando seus programas. Deve ser mencionado como grande obstáculo, neste momento, a carreira docente recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, um sério retrocesso para as universidades federais.
Para alcançar esse desejado patamar, devemos também aumentar o investimento em áreas de fronteira em ciência e tecnologia, pois uma não caminha sem a outra. Em particular, devemos procurar estar na vanguarda internacional em tecnologias portadoras de futuro, como as tecnologias de informação, a nanotecnologia, a biotecnologia e energias renováveis. Grandes projetos em áreas específicas devem ser apoiados, tendo em vista seu potencial científico e tecnológico. Deve-se também levar em conta as oportunidades oferecidas pela nossa diversidade regional. A Amazônia, por exemplo, é um grande tesouro que guardamos em nosso país, à espera de inovações tecnológicas que permitam explorar seu imenso potencial, mantendo a floresta em pé. E é necessário também aumentar substancialmente a atividade de pesquisa e desenvolvimento das empresas estabelecidas no país: essa é a atividade que fará a diferença, nas próximas décadas, entre países de primeiro e segunda divisão…
NABC Quanto a ciência está presente na vida do país?
Davidovich A ciência está presente em áreas fundamentais para o desenvolvimento do país. Na produção de alimentos, através do trabalho fantástico da Embrapa, coordenado com o de diversas instituições de ensino superior. Na extração de petróleo, beneficiando-se da tecnologia sofisticada desenvolvida pela Petrobras, em conjunto com uma rede de pesquisas que inclui institutos e universidades em várias regiões do país. Em diversos desenvolvimentos na área de saúde, da produção de vacinas a pesquisas com células tronco. Em desenvolvimentos na área de tecnologia de informação. Em procedimentos cada vez mais sofisticados tecnologicamente de validação de produtos, conduzidos pelo Inmetro. Nas atividades de vários laboratórios situados em universidades e institutos de pesquisa, como o Laboratório Nacional de Luz Sincrotron, que colaboram com diversas empresas no aperfeiçoamento de produtos e processos tecnológicos.
Mas a consciência social da importância da ciência é ainda reduzida. Atividades como a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia ajudam a promover o interesse pela ciência na sociedade. Programas de educação em ciências, como o Mão na Massa, da Academia Brasileira de Ciências, ajudam a melhorar a formação de professores do ensino básico. No entanto, a presença da ciência na imprensa brasileira ainda deixa a desejar, se compararmos com o que ocorre em outros países. E o apoio governamental sofre ainda grandes oscilações que prejudicam a pesquisa, enquanto a burocracia continua sendo o grande desafio, que sobrevive às várias tentativas de enfrentá-lo.
Quanto ao empresariado, cresce a atividade de pesquisa e desenvolvimento nas empresas, mas estamos ainda muito longe do nível alcançado por países do chamado primeiro mundo. Reuniões regionais entre a academia e empresas têm sido organizadas pela ABC. Isso ajuda a mapear os desafios no setor, mas a conquista de novos patamares requer uma grande mobilização, incentivando o investimento de risco e envolvendo também o setor educacional, pois é necessário mudar entraves culturais, estimulando a criatividade, a invenção e o empreendedorismo.
NABC Como são os novos patamares que a ciência brasileira quer alcançar?
Davidovich Nessa trajetória, os piores inimigos são a timidez e a modéstia. Devemos almejar ter nossas universidades entre as melhores do mundo, pautar internacionalmente, através de nossas instituições de pesquisa e empresas, linhas importantes da ciência e da inovação tecnológica, e criar, com a ajuda da ciência e da tecnologia, um ambiente de desenvolvimento sustentável, que leve em conta a riqueza de nossa diversidade regional e respeite a natureza e os seres humanos.
Países como os Estados Unidos, a China, a Coreia do Sul e a Índia procuram ocupar espaços, em meio à crise econômica global, através do aum
ento do investimento na ciência e na inovação. Programas bilionários em biotecnologia e nanociências estão sendo promovidos nos Estados Unidos, na Europa e na China. Em março do ano passado, o primeiro ministro da China anunciou, diante do Congresso do Povo, que a taxa de crescimento do PIB chinês seria reduzida. No mesmo discurso, anunciou um aumento de 26% no investimento em ciência básica. Os chineses já apontam as universidades que estão destinadas a serem as Harvards e os MITs da China. Precisamos ousar mais, não basta andar para a frente, temos que caminhar com a mesma velocidade ou mais rapidamente que os outros países emergentes, reduzindo a desigualdade social, garantindo uma educação de qualidade para todos e promovendo a excelência na ciência e na inovação.
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Por ocasião da Reunião Magna, a Academia Brasileira de Ciências quer compartilhar com os leitores a vasta experiência dos coordenadores de sessão da Reunião e sua compreensão da ciência brasileira em seus múltiplos aspectos através de um série de entrevistas que tem início com esta.
Reunião Magna 2013
Desenvolvimento científico-tecnológico: Rumo a novos patamares
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