No dia 24 de abril de 2013, foi publicado no site do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) o documento “Ciência Antártica para o Brasil: um plano de ação para o período 2013-2022”. Possíveis sugestões e comentários podem ser enviados, até o dia 24 de maio deste ano, ao endereço eletrônico proantar@mct.gov.br, após o preenchimento do formulário da consulta pública.
A partir do entendimento da Antártica como uma das regiões mais sensíveis às variações climáticas em escala global – também levando em conta como seus processos atmosféricos, biológicos, criosféricos, geológicos e oceânicos afetam diretamente o Brasil – a pasta encomendou, a um grupo de exímios pesquisadores, a elaboração de um Plano de Ação.
Nesse contexto, foi elaborado o documento em questão, o qual contou com o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Jefferson Cardia Simões (na foto ao lado), membro titular da ABC, como relator. Além do Acadêmico, compuseram o grupo de trabalho os cientistas Adriano R. Viana (Petrobras), Eduardo Resende Secchi (FURG), Emília Correia (UPM/INPE), Heitor Evangelista da Silva (UERJ), Ilana E. K. C. Wainer (USP), Maurício Magalhães Mata (FURG), Vivian Helena Pelizzari (USP) e Yocie Yoneshigue Valentin (UFRJ).
No texto, é proposta a criação de cinco programas de investigação científica capazes de explorar as conexões entre os ambientes antártico e sul-americano – dando ênfase aos processos que afetam o território brasileiro. Também é almejado o aumento do protagonismo brasileiro no Sistema do Tratado da Antártica (STA), em particular no Comitê Científico sobre Pesquisa Antártica (SCAR, na sigla em inglês).
Esse sistema, constituído pelo Tratado da Antártica e demais regimes específicos que se formaram sob ele, estabelece um acordo entre os países que reivindicavam partes da Antártica e aqueles que se posicionam favoravelmente ao livre acesso ao continente – defendendo a sua desmilitarização e a liberdade de pesquisa científica. O SCAR, por sua vez, é um comitê interdisciplinar do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU, na sigla em inglês) responsável por não só por iniciar, promover e coordenar pesquisas científicas de alta qualidade na região, mas também por prestar aconselhamento científico independente ao Sistema do Tratado da Antártica.
Hoje em dia, a influência de um país no STA está atrelada à qualidade de seu programa científico, de suas publicações e, consequentemente, de seu papel dentro do SCAR. Isso se comprova pelo forte componente político da ciência antártica, decorrente das peculiaridades do Tratado da Antártica – cujo artigo de número IX exige “substancial atividade de pesquisa científica” para que as partes contratantes mantenham o direito de voto nas reuniões que decidem o futuro da região.
De acordo com o relator do projeto, trata-se de um primeiro passo para a reestruturação das ações brasileiras na região, sendo uma das prioridades o desenvolvimento de um programa científico atualizado que responda a questões multidisciplinares e inter-relacionadas. “Também pretendemos utilizar plenamente todas as plataformas de pesquisa existentes no âmbito do Programa Antártico Brasileiro (Proantar) – que inclui a nova Estação Antártica Comandante Ferraz, nossos dois navios polares e o novo módulo Criosfera 1 – aumentando sua produtividade intelectual”, explica Simões. Ele também ressalta a importância de elevar o protagonismo da ciência nacional no sistema jurídico que rege toda a região ao sul do paralelo 60ºS e atenta para o papel político da ciência no Sistema do Tratado da Antártica.
O próximo passo, após o recebimento de todas as sugestões e comentários, é a consolidação do documento pela Coordenação para Mar e Antártica do MCTI. Em seguida, o texto será submetido à aprovação de integrantes do Comitê Nacional de Pesquisas Antárticas (Conapa); do Acadêmico Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento; e, por último, do ministro Marco Antonio Raupp. No mês de março deste ano, durante a 12ª reunião ordinária do Conapa, o plano absorveu sugestões do colegiado. Para saber mais sobre o encontro, clique aqui.
Os cinco programas propostos
Como explicado por Simões, pioneiro da ciência glaciológica no Brasil, o plano – que instituirá ações até o ano de 2022 – propõe programas em cinco áreas integradas. O primeiro deles, denominado “Interações gelo-atmosfera: o papel da criosfera no sistema ambiental e o registro de mudanças climáticas”, tem como foco principal a investigação do papel do continente gelado no clima do Hemisfério Sul e na evolução dos processos biogeoquímicos ao longo dos últimos dois mil anos.
O segundo programa chama-se “Efeitos das Mudanças Climáticas na Biocomplexidade dos Ecossistemas Antárticos e suas Conexões com a América do Sul”. Elaborado pelo grupo de trabalho para contribuir na compreensão das conexões biológicas entre a Antártica e a América do Sul, ele também pretende estudar as conseqüências das influências antrópicas – resultantes da ação humana – e as mudanças climáticas regionais e globais. Como descrito no documento, o Programa 2 “dá atenção à origem e evolução da biodiversidade antártica, sua distribuição e as relações entre os organismos e o ambiente”.
Em seguida, aparece o programa “Mudanças e Vulnerabilidade Climática no Oceano Austral”, o qual se dedicará ao estudo dos processos físicos e biogeoquímicos associados às mudanças na circulação do Oceano Antártico – também conhecido como Oceano Austral – e sua interação com o gelo marinho e as plataformas de gelo capazes de impactar o clima continental e oceânico do Brasil.
O quarto programa tem como tema a “Antártica na evolução e ruptura do Gondwana e na evolução do Atlântico Sul”. Nesse sentido, os cientistas propõem uma integração entre os estudos geológicos da região e ações que visem ao entendimento dos mecanismos que levaram à fragmentação do continente Gondwana e à conseqüente abertura do Atlântico Sul – analisando também seus recursos de óleo e gás.
A quinta e última ação diz respeito à “Dinâmica da alta atmosfera na Antártica, interações com o geoespaço e conexões com a América do Sul”. A proposta é investigar o impacto da redução dos níveis de ozônio estratosférico no clima Antártico e ecossistemas associados, levando em conta os efeitos da interação da Terra com o sol e também os impactos de fenômenos astrofísicos de alta energia.
Pontos adicionais
Além dos cinco programas propostos, o documento também se dedica a determinadas temáticas relacionadas à garantia da qualidade das ações de ciência e tecnolog
ia no âmbito do Proantar ao longo dos próximos dez anos. Os pontos ressaltados são: a importância de se dar atenção a temas emergentes não contemplados anteriormente; o investimento em estudos sobre conexões com o Ártico; e, por fim, a divulgação e aplicação prática do conhecimento gerado.
Curiosamente, o plano de ação – apesar de apontar que, nos próximos dez anos, a ciência antártica avançará rapidamente devido ao uso intensivo de novas tecnologias – também atenta ao valor dos estudos em ciências sociais. Enumerando campos como a arqueologia, a sociologia e a geografia política, o grupo de trabalho afirma que, na atualidade, investigações sobre vetores de doenças transmissíveis, microbiota antártica patogênica e psicologia de grupos sob condições extremas, dentre outras, despertam o interesse de inúmeros cientistas. Enfatizando a relevância do investimento em pesquisas de biologia humana e medicina polar, recomenda-se que uma parte dos recursos para C&T do Proantar seja dedicada a essas áreas do conhecimento e também a projetos inovadores não previstos na proposta em questão.
Nesse contexto, chega-se à necessidade de formar especialistas antárticos e sua posterior absorção no sistema de ensino e pesquisa do país. De acordo com os cientistas elaboradores do projeto, a primeira geração de pesquisadores brasileiros especialmente treinada para a ciência antártica já está atingindo a maturidade e, nos próximos dez anos, estará se aposentando. O documento também aponta que algumas das áreas emergentes da ciência polar ainda contam com pouco ou nenhum especialista no Brasil. Assim, eles enxergam como essencial uma ação conjunta do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para o lançamento de um edital de bolsas de formação dedicado ao tema, bem como sua inclusão em programas já existentes como o Ciência sem Fronteiras.
Além disso, o plano expõe a falta de oportunidade para especialistas antárticos no país. De acordo com essa visão, “raros são os recém-doutores em temas antárticos que puderam dar continuidade plena a suas pesquisas”. Portanto, é também importante uma ação junto ao Ministério da Educação (MEC) para incentivar as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) a realizarem concursos para professores nessas temáticas. E ainda: “Os proponentes deste plano ressaltam que o investimento nessas duas ações, a formação de pessoal e concursos, é baixa. A alocação de bolsas de formação e de vagas em concursos para professores doutores específicas para o tema antártico, dentro do período deste plano de ação, já seria de extrema valia para a continuidade das pesquisas do Proantar”.
Por fim, é vital um aumento no número de publicações de resultados de pesquisas antárticas em periódicos internacionais de alto índice de impacto para que a visibilidade da área junto à comunidade científica cresça. Em relação a esse ponto, os elaboradores do projeto propõem: “Os editais para novos projetos do Proantar devem ter a maior divulgação possível entre as sociedades científicas nacionais, garantindo maior transparência e oportunidade para envolvimento de novos pesquisadores e grupos de pesquisa. Esses novos projetos deverão ter ações de educação e popularização da ciência associados, incluindo, por exemplo, divulgação na mídia eletrônica, redes sociais e projetos de e-learning para o ensino de nível médio e superior sobre a questão antártica.” Para conferir o documento “Ciência Antártica para o Brasil: um plano de ação para o período 2013-2022” na íntegra, clique aqui.