A conferência de abertura do 5º Encontro Preparatório para o Fórum Mundial de Ciência 2013, realizado no Campus Tecnológico do MCTI em Recife, nos dias 15 e 16 de abril, foi realizada pelo ex-ministro de C&T e Acadêmico Sergio Rezende.
O físico observou que esses Encontros Preparatórios são uma boa oportunidade de se discutir as questões da ciência no Brasil, cotejando com as questões do mundo. “Nem tudo que está sendo debatido nos Preparatórios será levado para o Fórum, que é Mundial, mas certamente a mobilização em torno dos temas científicos mais relevantes para o Brasil é de grande importância para nossa comunidade científica e para a sociedade brasileira.”
Ciência e tecnologia: fator de riqueza no mundo
O palestrante começou explicando o que significa transformar ciência, tecnologia e inovação (CT&I) em uma política de Estado. “Significa continuidade, mais aperfeiçoamento, mais expansão. É isso que precisamos fazer no Brasil.”
Rezende apresentou um gráfico com o PIB per capita de países que se destacam em nível internacional, divididos em duas categorias: os da primeira categoria são aqueles com índice per capita de 30 a 50 mil dólares por ano e os outros são os que estão abaixo. “O Brasil nem está tão mal em termos de PIB per capita. Mas uma das grandes diferenças é que 70% do PIB dos países desenvolvidos vêm da economia do conhecimento.”
“Temos que comparar o Brasil com países que tem mais de 30 milhões de habitantes. Comparar com a Finlândia não faz sentido”, observou Rezende. Ele analisou alguns exemplos de crescimento econômico baseado em C&T nas últimas décadas, como o ocorrido no Japão pós-guerra e, mais recentemente, na Coreia do Sul.
“O Japão, em 1944, era um pais destruído. Em 1949 foi composto um Conselho de Ciência – que é forte até hoje – e que colocou a ciência, a tecnologia e a industrialização como meta para a recuperação da economia do país”, relatou Rezende. A partir de então, o país passou a ter planos básicos de ciência e tecnologia para cinco anos e investiu na reforma das instituições públicas: universidades, centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D), assim como em agências de financiamento mais independentes do governo. “Foram estabelecidas parcerias com o setor empresarial com forte investimento em P&D, o que tornou o Japão um sucesso na competitividade industrial.” Um exemplo antigo, mas bom,segundo o palestrante: os EUA inventaram o transistor em 1947, mas o primeiro transistor portátil – o rádio de pilha foi feito pelo Japão, em 1957. “E hoje o Japão tem o terceiro PIB do mundo”, ressaltou Rezende.
Outro excelente exemplo é o da Coreia do Sul, que provou ser possível um país sem tradição em C&T mudar seu padrão de desenvolvimento. Na década de 70, o país fez um plano de oito anos para a indústria eletrônica. Investiu na criação de centros de P&D com missões temáticas, como o Korean Institute of Electronic Technology (KIET) , criado em 1976. Licenciou tecnologias de outros países e fez parcerias com grandes grupos nacionais como Samsung, Goldstar e Hyundai. “E, principalmente, não poupou investimentos em educação básica, técnica e superior”, destacou o ex-ministro. O desenvolvimento da indústria coreana começou com a imitação nos anos 70, construiu o domínio tecnológico na década de 80 e a partir dos anos 90, passou a inovar. “Para isso, coordenou a política de ciência e tecnologia com a política industrial e nos anos aumentou os incentivos fiscais, investiu em contratos de P&D e reduziu tarifas”, explicou Rezende. “E mudou o curso da sua história em 40 anos.
Brasil: início tardio, descontinuidade, mas com avanços significativos
E no Brasil? Rezende fez um resumo da história recente da ciência no país e explicou porque a ciência e tecnologia não têm sido fator decisivo no nosso desenvolvimento. Ele avalia que a comunidade de C&T era relativamente pequena e pouco experiente até a década de 1980, sendo que havia – e ainda há – uma falta de cultura de P&D e de inovação na indústria. Além disso, Rezende apontou a falta de uma política de Estado de CT&I como o maior problema. “Nenhum desenvolvimento resiste à descontinuidade de programas e à irregularidade nos recursos financeiros.” A prova disso, no seu ponto de vista, é que em áreas nas quais o governo federal manteve ações consistentes o país tem exemplos importantes de resultados econômicos de C&T. A Petrobras é líder em prospecção de óleo e gás em águas profundas; a Embrapa, criada em 1972, hoje é líder mundial em P&D em agropecuária tropical; e a Embraer, que quando ainda era estatal investiu fortemente em inovação e tornou-se uma dos maiores fabricantes de aeronaves voltadas para nichos de mercado importantes.
Após uma queda no crescimento em CT&I nos anos 80 e 90, a partir dos anos 2000 a situação no Brasil foi melhorando, com criação dos Fundos Setoriais de C&T, com o início da recuperação do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia (FNDCT), com novos formatos de financiamento, com a estruturação de redes de pesquisa, com a criação do Programa de Núcleos de Excelência (Pronex), os Institutos do Milênio e os editais universais. Em 2003, foi lançado o primeiro Plano de Ação em CT&I para sete anos, que abrangia a expansão e consolidação do Sistema de C,T&I; o apoio à inovação tecnológica nas empresas; o investimento em P&D&I em 13 áreas estratégicas e em C,T&I para o desenvolvimento social. Foram criados 123 Institutos Nacionais de C&T (INCTs), que são redes temáticas envolvendo pesquisadores e instituições científicas de todo o país.
Recentemente, os principais avanços identificados por Rezende envolvem um grande aumento nos recursos financeiros federais, possibilitando forte expansão do sistema de C&T, ampliação dos programas de bolsas e fomento à pesquisa com melhor distribuição geográfica. O reflexo disso é uma substancial melhoria na produção científica, medida por indicadores de quantidade e de citações. Fora da academia, Rezende reconhece um notável avanço no ambiente para inovação tecnológica nas empresas, estimulado pela Lei da Inovação e pela criação de programas para apoiar P&D&I nas empresas e para a criação de novas empresas de base tecnológica.
É preciso ter política de Estado para alcançar as metas de CT&I em 2022
Para Rezende, as metas da estratégia nacional de CT&I para o período de 2011 a 2014 são ambiciosas, mas o PIB per capita ainda é pequeno e CT&I ainda não estão tendo a valorização necessária como política de Estado. “O problema não é o MCTI, é a área econômica do Governo Federal. Não vai fazer diferença nenhuma para o setor econômico tirar um bilhão e meio de lá e colocar para CT&I, mas eles têm dificuldade de entender a importância do setor”, apontou o ex-ministro, sendo aplaudido nesse momento pela plateia lotada do evento.
Rezende criticou a nova Lei 12772-12 pela qual doutores entram como auxiliar de ensino e basta a graduação para se tornar professor universitário. “Este é um retrocesso grave e está havendo um grande movimento da comunidade acadêmica para reverter essa decisão com uma Medida Provisória”, enfatizou o físico.
Além desse problema, o ex-ministro vê com preocupação outras questões, que são obstáculos para alcançar as metas recomendadas em 2010na 4a CNCTI para CT&I em 2022. Dentre elas estão os recentes cortes nos orçamentos da área de ciência e tecnologia. “Foi anunciada uma recuperação do orçamento para 2013, estamos aguardando.” Rezende apontou ainda o fato de que o CNPq já lançou um Edital Universal 2013, mas ainda não fez os desembolsos do Edital de 2012. “O CNPq não está pagando sua parte do Pronex às FAPs e não houve mais editais para INCTs”, alertou.
As metas a serem alcançadas são um desafio e vão requerer um esforço e vontade política. Envolvem ampliar os investimentos em P&D para 2,5% do PIB, com metade disso cabendo às empresas; dobrar o número de bolsas concedidas pelo CNPq e pela Capes; ter 450 mil pesquisadores no país; alcançar 5% da produção científica mundial; triplicar o número de engenheiros formados; dominar as tecnologias de microeletrônica e de produção de fármacos; decuplicar o número de empresas inovadoras, passando de 3 para 30%; decuplicar o número de patentes/ano, dando um salto de 400 para 4.000. Segundo o palestrante, além dessas metas mais amplas, há metas específicas para o Programa Nuclear – assegurar independência na produção do combustível nuclear e para o Programa Espacial – dominar as tecnologias de fabricação de satélites e veículos lançadores.
Mas Rezende é otimista e diz que toda a comunidade científica espera que as dificuldades atuais sejam logo superadas e que o Brasil retome o ciclo virtuoso em CT&I. “Desde que se atribua à ciência, tecnologia e inovação o status de políticas de Estado, o que garantirá, como dito no início, a continuidade, o aperfeiçoamento e a expansão.”
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