O vencedor da edição 2012 do Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia é o Engenheiro Edgar Dutra Zanotto, professor titular do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (DEMa/UFSCar), no interior de São Paulo.

O Conselho Deliberativo do CNPq contemplou nesta edição a área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias. A previsão é que a premiação seja entregue pela presidenta da República, Dilma Rousseff, em cerimônia no Palácio do Planalto.

O prêmio conta com as parcerias da Fundação Conrado Wessel (FCW) e da Marinha do Brasil e busca reconhecer pesquisadores brasileiros pelo trabalho realizado ao longo de sua carreira em prol do avanço da ciência, tecnologia e inovação brasileira. O Prêmio Almirante Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia constitui reconhecimento e estímulo a pesquisadores e cientistas brasileiros que prestam relevante contribuição à ciência e tecnologia do país. Seu nome homenageia o Almirante Álvaro Alberto – 22 de abril de 1889 a 31 de janeiro de 1976 -, que ao longo de mais de meio século, contribui com o desenvolvimento da ciência, sendo idealizador e primeiro presidente do CNPq, originalmente chamado Conselho Nacional de Pesquisas.

Concedido anualmente, em sistema de rodízio, a uma das três grandes áreas do conhecimento: Ciências Exatas, da Terra e Engenharias; Ciências Humanas e Sociais, Letras e Artes; e Ciências da Vida, o vencedor recebe diploma, medalha, premiação em dinheiro, concedida pela Fundação Conrado Wessel e uma visita ao Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo, para conhecer seu Programa Nuclear.

Para o professor Edgar Dutra Zanotto a premiação é a maior honraria concedida a um pesquisador na comunidade científica brasileira. Em entrevista ao Portal CNPq, ele conta um pouco de sua trajetória, aborda aspectos de sua carreira ainda não mencionados, descreve algumas de suas conquistas e os projetos que lhe proporcionaram maior satisfação. Fala, ainda, sobre o CNPq e agradece aos colaboradores que o prestigiaram ao longo da carreira.

Leia a seguir a entrevista com o professor Edgar Dutra Zanotto.

Qual foi a sensação no momento em que foi informado sobre este resultado?

Foi com indescritível surpresa e satisfação que recebi a notícia sobre o prêmio, transmitida diretamente pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Marco Antonio Raupp. Ainda estava atônito quando recebi a confirmação pelo presidente da comissão julgadora, Carlos Alberto Aragão, e por Glaucius Oliva, presidente do CNPq.

Quais os momentos mais marcantes de sua trajetória?

Estudei até os 16 anos em boas escolas públicas, de nível fundamental e médio, em Botucatu (SP). Naquela época, além dos estudos, me dediquei a dois hobbies: esportes e inventos. Até hoje o esporte faz parte do meu cotidiano e serve como forma efetiva de relaxamento e socialização, mas almejava mesmo era ser um “inventor”.

Fiz curso preparatório para os vestibulares em São Paulo. A experiência de viver naquela metrópole, com pouca idade e parcos recursos financeiros, e o fato de já ter optado pela formação na área da engenharia, levaram-me a prestar um exame vestibular que permitia optar por vários cursos. Fui aprovado no recém-criado curso de Engenharia de Materiais (EM), da UFSCar. Esse curso foi pioneiro na América latina. Obrigado, caríssimo Sérgio Mascarenhas por ter vislumbrado e participado ativamente da criação do DEMa!

Como requisito para a graduação, os alunos do 4º ano do curso de EM da UFSCar, devem participar de um estágio de seis meses, em tempo integral, em uma empresa. Fiz o meu na fábrica de azulejos da Klabin, no Rio de Janeiro. Essa experiência foi decisiva para que eu optasse pela carreira acadêmica. Retornando a São Carlos, obtive uma bolsa de iniciação científica com o professor visitante O. J. Whittemore (falecido), que facilitou posteriormente meu ingresso como professor auxiliar de ensino pela UFSCar, no próprio curso de EM.

Já era formado em engenharia, mas percebi que para construir uma carreira acadêmica era necessário aprofundar-me em ciência, sem, entretanto, mudar-me de São Carlos. Resolvi essa equação com a matrícula no curso de mestrado do Instituto de Física e Química da USP São Carlos, sob a competente orientação de Aldo Craievich. Em seguida, com o estímulo do chefe do DEMa-UFSCar, Dionísio Pinatti, fui aceito na Universidade de Sheffield, no Reino Unido, para trabalhar sob a orientação do famoso professor Peter James (falecido), onde permaneci por três anos, com bolsa de doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Sou muito grato, Dionísio, Aldo e Peter!

Nas duas décadas seguintes participei da construção e aparelhamento do Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) do DEMa/UFSCar, e tive a oportunidade de realizar profícuos estágios sabáticos na Universidade do Arizona (EUA), em 1987, na Universidade de Ferrara (Itália), em 1992, e na Universidade da Flórida Central (EUA), em 2005. Esses estágios foram supervisionados por Mike Weinberg (falecido), Annamaria Celli e Leon Glebov, respectivamente, com os quais mantive estreita colaboração por muitos anos. Tante Grazie, Anna. Thanks, guys!

Riquíssima e inesquecível foi a experiência de participar das atividades da Diretoria Científica (DC), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), entre 1995 e 2005, sob a criativa e eficiente gestão de José Fernando Perez. Nesse período, em colaboração com A. M. C. Paiva, Luiz Nunes Oliveira, Chico Coutinho, Rogério Meneghini, Walter Colli, Luiz Eugênio A. M. Mello, Luiz H. L. Santos e Paula Montero – grupo carinhosamente batizado por Perez como “A Incrível Armada”- participei da concepção, implantação e administração, com sucesso, de novos e paradigmáticos programas de fomento à pesquisa, como Genoma, CEPID, PIPE, Consitec, Nuplitec, Scielo e a revista Pesquisa Fapesp.

Ao longo da carreira esbarrei em muitos críticos, analistas de artigos científicos e patentes, platéias das apresentações em congressos, assessores das agências de fomento, comissões de prêmios, entre outros, que frequentemente apresentavam comentários e sugestões pertinentes e relevantes. Aprendi muito com eles.
Também tive a enorme satisfação de selecionar excelentes alunos e colaboradores no Brasil e no exterior, ao longo de 36 anos de carreira. Sempre fico extremamente satisfeito quando encontro um aluno talentoso ou motivado. Isso é necessário para que o sistema evolua!

Entre esses momentos, quais destacaria?

Respeitadas as singularidades de cada um, eu destacaria quatro iniciativas de similar importância.

– Dentre os artigos científicos que publicamos com vários co-autores, acredito que cerca de duas dezenas são realmente inovadores e contribuíram significativamente para alargar as fronteiras do conhecimento. Temos estudado e desvendado alguns dos complexos mecanismos que controlam o nascimento e crescimento de cristais em vidros, que, por sua vez, viabilizam a formação de sofisticados materiais conhecidos como vitrocerâmicos.

– A formação de dezenas de engenheiros e pesquisadores, que hoje estão inseridos no mercado de trabalho, auxiliando universidades, institutos de pesquisa e empresas na construção de soluções diversas. Com esses alunos, temos estudado e desenvolvido alguns inventos que são continuamente aperfeiçoados e testados. Por exemplo, vidros e vitrocerâmicos para aplicações como substitutos de pedras nobres, como mármores e granitos, materiais para proteção balística e até dentes e ossos artific
iais.

– O auxílio na criação, aparelhamento e manutenção do Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV), e do próprio DEMa / UFSCar.

– E o auxílio na concepção e implantação de diversos programas de sucesso na Fapesp.

Quais são seus projetos futuros e perspectivas?

Ao longo desses 36 anos, temos envidado esforços para manter um equilíbrio entre as atividades de pesquisa fundamental, que visam expandir as fronteiras do conhecimento, e as pesquisas aplicadas, que objetivam o desenvolvimento ou aperfeiçoamento de novos produtos e processos. Assim têm sido pautada a atuação do LaMaV.

No momento, aguardamos a definição sobre o apoio a um grande projeto. Nossa proposta foi uma das recomendadas entre aproximadamente 90 submetidas. Nesse projeto, que envolve 15 pesquisadores da UFSCar e USP São Carlos, aproximadamente 60 estudantes, além de inúmeros colaboradores do país e exterior, todos focados em materiais vítreos, estaremos consolidando a prática de aliar a pesquisa básica à aplicada.

Em sua opinião, como está o cenário de ciência e tecnologia hoje no país?

Há mais de 13 anos, detectamos um enorme descompasso entre a geração de conhecimento científico e a tecnologia nacional (ZANOTTO, E.D.”A defasagem entre a ciência e a tecnologia nacionais”. Pesquisa FAPESP 43 (1999) 5-7). A primeira vinha crescendo com uma taxa surpreendente desde a década de 80, enquanto a outra, a julgar pelo número de patentes depositadas por instituições nacionais, não acompanhava o mesmo ritmo.

Esse cenário ainda perdura e a principal causa é a escassez e falta de cultura de pesquisa por parte das empresas nacionais. Nesse processo é fundamental a aceleração das análises dos pedidos de patentes. O o acerto desses dois impedimentos, certamente, traria um enorme impacto na ciência e tecnologia nacional.

Modernizar o ensino universitário e aumentar a qualificação do ensino público básico, fundamental e médio também são itens importantíssimos para o desenvolvimento do país.

O que pode ser agregado na relação entre o CNPq e as universidades brasileiras para a evolução da ciência brasileira?

Acompanhei de perto as gestões dos ex-presidentes do CNPq, José Galizia Tundisi, Marco Antonio Zago e Carlos Alberto Aragão. Em minha opinião, nas últimas duas décadas, o CNPq tem cumprido muito bem a sua missão. Assim também tem sido a gestão do professor Glaucius Oliva.

Por exemplo, a excelente Plataforma Lattes, os editais universais, milhares de bolsas de estudos concedidas, os programas de intercâmbio internacional e as bolsas de pesquisa têm sido essenciais para o avanço da ciência e tecnologia nacional.

Entretanto, dentre os desafios, o CNPq e a CAPES tem a árdua missão de gerir o Programa Ciência sem Fronteiras (CsF). Acredito que a total transparência sobre a avaliação dos resultados desse programa será decisiva para a manutenção das boas relações entre o CNPq e a comunidade acadêmica.

Por fim, quais suas considerações finais?

Agradeço imensamente à comissão de seleção, ao CNPq, à FCW e à Marinha, por este valiosíssimo prêmio. As atividades aqui descritas não teriam se cristalizado sem o imprescindível e ininterrupto apoio da Fapesp, Capes e CNPq, desde minha bolsa de Iniciação Científica, em 1975. Também sou grato aos anônimos críticos, ao Perez e sua “Armada”, aos mais de 400 co-autores, aos colegas Vladimir Fokin, Oscar Peitl e Ana C.M. Rodrigues e alunos do LaMaV, aos colegas do DEMa/UFSCar e, principalmente, à minha família pela paciência e apoio ao longo desses memoráveis 36 anos.

Sobre o Acadêmico

Edgar Dutra Zanotto é engenheiro de materiais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mestre em física pela Universidade de São Paulo (USP) e PhD em tecnologia de vidros pela Universidade de Sheffield, na Inglaterra. O Acadêmico já atuou como professor visitante no Departament of Materials Science and Engineering da University of Arizona e no College of Optics and Photonics da University of Central Florida, ambos nos EUA.

Suas atividades de pesquisa básica focalizam principalmente o tema “cristalização e propriedades de vidros e vitrocerâmicas” e foram divulgadas em mais de 200 artigos científicos. Essas publicações lhe renderam 25 prêmios, que incluem a Comenda Nacional da Ordem do Mérito Científico e três dos mais importantes prêmios sobre ciência dos vidros (Zachariasen Award, Vittorio Gottardi Prize e G. W. Morey Award). Ele apresentou mais de uma centena de conferências à convite (invited talks) em congressos nacionais e internacionais. As atividades de pesquisa tecnológica, por sua vez, incluem cerca de vinte projetos em parceria com empresas, e testes e consultoria a mais de 40. Ele tem 12 patentes depositadas, duas delas premiadas pelo MEC-IBM e no Concurso Nacional “Prêmio Governador do Estado” – Invento Brasileiro 1996. Ele também foi agraciado com o TWAS Engineering Prize 2010.

Além disso, Zanotto atuou como coordenador adjunto da diretoria científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) durante uma década, foi membro do CA Materiais do CNPq, co-fundador da SBPMat, vice-presidente da Associação Brasileira de Cerâmica, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais da UFSCar (Capes nível 7), editor-chefe durante 13 anos e co-criador do periódico Materials Research, membro do comitê da SAXS do LNLS, e várias outras. O professor é também pesquisador 1A do CNPq, Fellow da Society of Glass Technology (UK) e membro da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (ACIESP), da World Academy of Ceramics, e da Academy of Sciences of the Developing World (TWAS).

Atualmente, ele acumula as seguintes funções administrativas e consultivas: supervisor do LaMaV – DEMa/UFSCar; editor principal do Journal of Non-Crystalline Solids e membro dos Advisory Boards de quatro outros periódicos; chairman do Comitê Técnico de Cristalização de Vidros da International Commission on Glass; officer elected da GOMD da American Ceramic Society, membro do Conselho do International Materials Institute (USA) e da ACIESP; curador do ParqTec São Carlos desde sua fundação em 1984, diretor da Associação Brasileira de Cerâmica e membro do Conselho de Pesquisa da UFSCar.