Notável. Foi essa a palavra utilizada por Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), para descrever o “I Simpósio Relações entre Ciência e Políticas Públicas: Propostas de Bertha Becker para o Desenvolvimento da Amazônia”, realizado em 16 de janeiro de 2013, na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com coordenação do INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia. Elogiando a homenagem prestada à Acadêmica, ele relatou: “A ABC organizou um grupo de estudos sobre a Amazônia do qual ela foi parte importantíssima. Publicamos também um livreto correspondente que obteve enorme sucesso, muita repercussão. Várias das propostas que nós elaboramos foram adotadas pelo governo e a figura da Bertha permeia todo o projeto. Trata-se de uma pesquisadora formidável e esta é uma belíssima iniciativa”. Palis afirmou ainda que essa seria uma ótima oportunidade para a adoção, por parte do governo, de novas medidas em relação à região, que deve ser priorizada nos âmbitos nacional e internacional.
Questões transformadas em mesas redondas
Segundo Ima Vieira, pesquisadora titular do Museu Paraense Emilio Goeldi – do qual já foi diretora entre os anos de 2005 e 2009 – e coordenadora do INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia, a ideia para a realização do simpósio surgiu durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Ela contou que, em uma conversa informal com Bertha Becker e Roberto Bartholo, professor da Coordenação de Programas de Pós Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), nasceu a iniciativa de realizar uma avaliação do impacto das obras da geógrafa. “Nós achávamos essa avaliação importante porque suas contribuições têm sido muito constantes desde 1995, com as primeiras metodologias de zoneamento”, explicou Ima.
Bertha Becker e Ima Vieira, organizadora do simpósio
Uma contribuição tão vasta, no entanto, não seria satisfatoriamente contemplada em apenas um dia. “Este, então, é apenas o primeiro de três simpósios”, completou a idealizadora do evento. Animada, Ima contou que as demais reuniões deverão acontecer ainda no ano de 2013 – uma em Brasília, possivelmente contando com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) como coorganizador, e outra em Belém. O tema a ser desdobrado no segundo simpósio será a Ciência e a Tecnologia, enquanto o terceiro analisará os estudos de Becker na área de ordenamento territorial e ambiental na Amazônia.
Sobre a parceria com o BNDES na realização do Simpósio, Ima assegurou ter sido muito gratificante. “A doutora Helena Lastres, assessora do presidente Luciano Coutinho e incansável na ajuda à realização do evento, adorou a ideia, pois a professora Bertha tem colaborado muito com as propostas, planos e políticas realizadas pelo banco, como a discussão do Fundo Amazônia”, exemplificou.
A escolha dos temas a serem debatidos se deu de forma muito espontânea. De acordo com Ima, em determinado momento, Becker lhe disse: “Não acho que devam ser temas e sim questões. Por que o Plano Amazônia Sustentável (PAS) foi engavetado? Por que sofreu tantas metamorfoses e o que realmente foi feito? A Ciência ajudou na definição da metodologia do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE). E aí, ele funciona? Está sendo aplicado? E a BR-163?”. Dessa forma, suas questões foram transformadas em mesas redondas, que, depois de gravadas e transcritas, serão publicadas em forma de anais.
Energia Renovável
Compuseram a mesa de abertura, além de Ima Vieira e da homenageada, Bertha Becker, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o secretário do ambiente do estado do Rio de Janeiro, Carlos Minc. A idealizadora do evento foi sucinta: “Dona de uma prestigiosa carreira científica, Bertha é hoje a mais importante geógrafa brasileira. Ela não só elabora conceitos, mas analisa, reflete e propõe programas e projetos inovadores para a Amazônia, o que é muito raro na academia. Gostaria de ressaltar apenas a alegria e o orgulho que sinto em ser sua amiga e poder realizar essa reunião de tantas pessoas que têm pensado, junto com ela, uma forma de colocar a região amazônica no centro do debate nacional”.
Doutor em economia pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, o presidente do BNDES ressaltou sua satisfação em participar do evento. “O desenvolvimento sustentável sócio-econômico da Amazônia é um desafio de grande envergadura, que nos instiga há muitas décadas. A professora Becker é credora de muita gratidão por parte do BNDES por ter colaborado em discussões iluminadoras, muito relevantes e enriquecedoras, a respeito dessa temática”, afirmou. Após falar sobre questões como o desenvolvimento aeroportuário regional e as hidrovias na região, Luciano Coutinho explicitou suas expectativas em relação ao encontro: “Espero que este seja um seminário muito rico e inspirador”.
Em uma fala marcada pelo bom humor, o secretário Carlos Minc evidenciou sua alegria em participar de uma mesa que trata da obra, em suas palavras, da maior especialista em Amazônia de todo o mundo, à qual ele constantemente se referiu como “Berthinha”. “Nem todos sabem, mas eu tenho privilégio de conhecê-la praticamente desde que nasci”, disse o também geógrafo, contando que seus pais são grandes amigos de Becker. Ele ainda elogiou a humildade da pesquisadora, que, mesmo reconhecida internacionalmente, “não sobe no salto alto” e continua acessível, conversando com todo mundo.
Segundo Minc, durante a elaboração de sua tese de doutorado, que foi sobre a Amazônia, ele teve a oportunidade de vê-la em ação, estimulando suas equipes para o trabalho e dialogando com todas as áreas, desde a população local até governadores e membros da Aeronáutica. “Era uma coisa sensacional. Apesar de conhecer muita teoria, viajar e fazer conferências no mundo inteiro, a Bertha sempre adorou trabalho de campo: levar a garotada lá para o fim do mundo, para a Amazônia. Às vezes o pessoal ficava sem fôlego e ela, já avançada na idade, arrastava a rapaziada toda para conviver nas cidades, entrevistar os comerciantes locais, os agricultores, os empresários… Isso é que é energia renovável!”
Além disso, Carlos Minc ressaltou a importância dada por Bertha à ABC e à Ciência em geral. “Ela acredita na necessidade de se colocar a Ciência e a Tecnologia em outro patamar, no qual você possa produzir cada vez mais, destruindo menos, agregando mais valor, transformando mais e melhor os produtos e gerando renda e conhecimento, porque esse realmente é o ponto – levar conhecimento às pessoas e trazer o conhecimento que elas têm de suas comunidades tradicionais”, finalizou o secretário.
Bertha Becker, professora emérita da UFRJ e coordenadora do Laboratório de Gestão do Território da instituição (Lateg/UFRJ), quis acelerar o debate. Após um rápido agradecimento aos presentes, ela congratulou este importante diálogo entre Ciência e políticas públicas, falou sobre a riqueza da Amazônia e propôs a análise de três questões: “A primeira é a sucessão de planos que não são colocados em ação. Isso se dá devido à existência de planejamento de planos, mas não de políticas que deveriam dirigi-los. O planejamento é importante, mas ele deve estar ligado à política. Outro ponto é o poder do Estado. Com a globalização, o Estado não é mais a única fonte de poder e a escala do território nacional não é mais a única escala privilegiada de ação. São várias escalas, nas quais as instituições estatais continuam a ter um papel fundamental. O último elemento que eu trouxe para instigar o debate são os conflitos de interesse, os quais são de tal monta que levam a posturas que não são convenientes”, explicitou Becker.
Mesa de abertura
Detentora de duas graduações – uma em história e outra em geografia – pela Universidade do Brasil, atual UFRJ, Bertha Becker realizou pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology – Department of Urban Studies and Planning. No fim de sua palestra, buscando resumir suas expectativas para o evento, a professora opinou: “Sustar o desflorestamento é imperativo. O cerne do meu padrão de desenvolvimento é superar o falso dilema entre conservação entendida como preservação intocável e a utilização vista como destruição”. Propondo a ideia de “produzir para conservar”, ela afirmou que este novo paradigma científico-tecnológico deve ter como base logística necessária as cidades, “porque são elas que produzem os serviços básicos para a cidadania e para a produção e as quais propiciam o dinamismo econômico de uma região”.
A visão dos coordenadores
Além de uma conferência de abertura e outra de encerramento, as temáticas foram subd
ivididas em três mesas: “As Metamorfoses do Plano Amazônia Sustentável e a nova conjuntura de infraestrutura para a Amazônia”, coordenada por Esther Bemerguy, secretária de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, “Inserção da Ciência no MacroZEE: o que foi feito?”, coordenada pelo professor da Coppe/UFRJ Roberto Bartholo, e “Território e Sustentabilidade na BR-163: estado atual do Modelo de Distrito Florestal Sustentável (DFS)”, coordenada por Maria Célia Coelho, professora aposentada da UFRJ.
Esther Bemerguy, coordenadora da primeira mesa e amapaense orgulhosa de suas origens, concorda com o pensamento de Becker sobre a realidade enfrentada pela região amazônica: “Nós, enquanto amazônidas, sabemos que a maior parte do Brasil não conhece a Amazônia”. De acordo com a secretária, a homenageada fez um trabalho extraordinário na expansão do conhecimento sobre o local e a sua eterna militância no intuito de viabilizar um diálogo entre Ciência e políticas públicas é notável.
Os componentes da mesa eram Ima Vieira, Francisco de Assis Costa, professor e pesquisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (UFPA) e o consultor Gilberto Siqueira. Como debatedores representantes do BNDES, figuravam o superintendente da área de meio ambiente, Sérgio Weguelin, e o chefe do Departamento de Relações com o Governo, Antônio José Alves Jr. Para Esther, a mesa era bastante representativa e tentaria propor caminhos para aprimorar esse diálogo defendido com tanta veemência por Bertha Becker.
A segunda mesa, coordenada pelo professor Roberto Bartholo, tratou de questões relativas ao macrozoneamento e teve como palestrantes Adma Hamam de Figueiredo, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Roberto Ricardo Vizentin, presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio/MMA) e Cláudio Egler, professor da UFRJ. Para o coordenador, as idéias podem ser algemas, que prendem, ou asas que nos permitam voar. “E a ideia do zoneamento, no sentido como Bertha o concebeu, tinha muito mais a ver com asas para a nossa imaginação, do que com engessamentos e fixações de padrões”, continuou.
Bartholo também prestou uma grande homenagem à geógrafa, que considera também uma amiga. Esquecendo por um momento suas relações com a política pública, ele quis falar um pouco sobre Bertha dentro da universidade. Segundo o professor, muito mais importante do que publicar é ter algo valioso a dizer e, na sua opinião, a atualidade passa por um processo de desertificação da cultura da mais radical e profunda infecundidade. “Eu acho que a minha amiga Bertha é uma referência para as novas gerações, ela é o que um professor pode querer ser de mais valioso. Eu já disse isso mais de uma vez para essa mulher que eu amo e até já declarei em público, mas, quando eu crescer, eu quero ser Bertha Becker”, afirmou em meio a aplausos.
Maria Célia Coelho, professora aposentada da UFRJ, coordenou a última mesa, que abordou a sustentabilidade na BR-163 e o modelo de Distrito Florestal Sustentável. Ana Albernaz, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Raimunda Monteiro, professora da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e Antônio Carlos Galvão, diretor do CGEE/MCT, foram os palestrantes. Enquanto isso, Nelson Siffert, superintendente da área de infraestrutura do BNDES, exerceu o papel de debatedor.
A coordenadora falou sobre a noção de território e as inúmeras definições que podem ser feitas desse conceito. Para ela, é de extrema importância definir a priori a qual território o debate diz respeito. “Uma das coisas que eu aprendi com a Bertha Becker foi a ver a Amazônia integrada com o restante da América do Sul. Nós temos que entender que a Amazônia não é só brasileira”, disse Coelho, triste por ver mapas nos quais a Amazônia termina nos limites do território brasileiro. “Não foi essa a lição que Bertha nos ensinou”, continuou a especialista em geografia regional.
A polêmica do PAS
Durante o simpósio, o assunto de maior recorrência e polêmica foi o Plano Amazônia Sustentável. Escalado para figurar como tema da primeira mesa redonda, o PAS foi citado em todas elas, certas vezes suscitando opiniões discordantes por parte dos conferencistas. A única unanimidade em relação ao plano era a contribuição de enorme importância feita por Bertha Becker na sua elaboração.
O PAS nasceu no início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a partir da necessidade enxergada por alguns de seus ministros e pelos governadores da Amazônia de um maior desenvolvimento da região – tópico que havia ganhado destaque nas campanhas presidenciais de 2002, em que Lula atacava o também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pelo fechamento das Superintendências de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e do Norte (Sudam).
O Ministério da Integração Nacional ficou responsável pela coordenação do projeto, enquanto o Ministério do Meio Ambiente (MMA) assumiu a secretaria executiva em seu processo de elaboração, que durou cerca de cinco anos, de 2003 a 2008. Segundo Esther Bemerguy, trata-se de um plano de notória importância porque foi “extremamente participativo, além de ter partido com um aval político muito forte”. O economista Antônio Carlos Galvão concorda: “O PAS nasceu com grande apoio das lideranças sociais regionais, inclusive da comunidade ambientalista internacional”, assegura.
Por outro lado, há um ponto em relação à temática que causa discordância entre os dois especialistas. Para Esther, o PAS não é um plano operacional, é um plano de diretrizes. “Seu conjunto de diretrizes dizia respeito a como enfrentar os principais problemas da Amazônia, entre eles a regularização fundiária, a produção sustentável, o papel da floresta e a redução dos desmatamentos”, afirma a amapaense.
Galvão, tendo participado de sua elaboração no ano de 2003, discorda. “Ele contemplava, além das necessidades estratégicas e diretrizes para o desenvolvimento regional, uma compilação de todas as ações e projetos que estavam sendo propostos por todos os Ministérios e agências federais para a região, ao que se somariam as programações dos respectivos governos estaduais. Diante de algumas prioridades conflitantes, decidiu-se não oficializar o PAS por inteiro, o que o transformou num documento essencialmente de diretrizes e orientações, sem relação com a programação oficial”.
Com o tempo, o plano sofreu diversas modificações e atualizações. Em 2008, por exemplo, com o término do mandato do presidente Lula, iniciou-se uma tentativa de revisão liderada pelo MMA e sua Secretaria da Amazônia Legal. Segundo Galvão, foram atualizadas principalmente questões relativas à estratégia de contenção do desmatamento, o Plano Desmate. Ele ainda contou que, mais tarde, por iniciativa da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR), outra versão do
PAS foi produzida. “Essa nova versão teve por base estudos desenvolvidos pelo CGEE, com a contribuição de alguns dos participantes do grupo original e também a presença de outros pesquisadores”.
O consultor Gilberto Siqueira, que participou da mesa que se propunha a tratar do assunto, acredita que o PAS está “ultrapassado”. Muitos discordam e, para Galvão, “parte da estratégia será replicada em novos planos simplesmente porque não foi efetivamente implementada”. Segundo Roberto Vizentin, presidente do IMCBio/MMA, “muitas das razões pelas quais o PAS, o Macrozoneamento e outros planos não são implantados de maneira satisfatória não são por defeitos conceituais em sua elaboração, mas devido à falta de alguém capaz de, de fato, implantá-los”.
Apesar das diferentes opiniões em relação à efetividade da aplicação do plano, é unânime a contribuição de Becker para sua elaboração, bem como sua influência nas políticas públicas do país. Segundo o diretor do CGEE, “poucos cientistas sociais sabem tão bem relacionar as reflexões acadêmicas com as contribuições diretas às políticas públicas, algo coerente com o desejo de provocar as mudanças necessárias para construir um país mais justo, integrado e dinâmico”.
Para saber mais sobre a obra da geógrafa, acesse seu blog, onde será possível conferir seu mais novo trabalho, “Reflexões sobre Hidrelétricas na Amazônia: água, energia e desenvolvimento”.