Um dia de escola marcou profundamente a vida de Frank Nelson Crespilho. Natural de Jaú, no Estado de São Paulo, foi em 1995 durante uma aula de química estrutural na qual a professora, Dona Cidinha, desenhou no quadro negro os modelos atômicos propostos pelos cientistas Ernest Rutherford e Niels Bohr. Fascinado com o estudo dos átomos, ele conversou muito com a professora após a aula e afirma que, dali em diante, passou a ver o mundo de outra maneira, que culminou com a escolha pela carreira de químico.

Antes dessa aula inesquecível, suas incursões pela ciência aconteceram na infância, por volta dos sete anos, moendo plantas e colecionando insetos. Certa vez, ele vendeu pela vizinhança água, sabão em pó e folhas de plantas moídas. “Talvez tenha sido meu primeiro experimento químico”, ele se diverte. Não foi um sucesso de vendas, é verdade, mas o menino cientista já arriscava seus primeiros passos.

Seu pai era metalúrgico e sua mãe, dona de casa. Ele passava muito tempo com a mãe, a irmã e com seus avós. Gostava de jogar futebol, basquete e soltar pipa. Também gostava muito de música, tendo aprendido a tocar violão e outros instrumentos.

Estudando em escolas públicas e particulares, suas disciplinas favoritas eram matemática, ciências, física e química. Nos últimos anos do ensino fundamental, ele estudou no período noturno para ajudar o seu pai que na época havia perdido o emprego e, por isso, abriu o próprio negócio, uma vidraçaria. Toda a família se uniu em torno desse negócio e, em 2012, a vidraçaria completou 20 anos de existência. “Embora muito feliz por ter um trabalho em família, eu realmente não levava jeito para o comércio e sentia que algo faltava na minha vida profissional e pessoal”, ele reflete.

Atualmente, Frank leciona no Instituto de Química de São Carlos da USP, após ter completado pós-doutorado em física, doutorado em físico-química e realizado um estágio de doutorado-sanduíche em Portugal, além do mestrado em ciências e bacharelado em química pela Universidade de São Paulo (USP). Junto com seus estudos universitários, ele realizou um estágio não remunerado no Departamento de Água e Esgoto da Cidade de Bauru, São Paulo. Embora tenha gostado muito da experiência, esse estágio serviu para se decidir de vez pela carreira acadêmica. Após o estágio, ele fez sua iniciação científica na área de eletroquímica ambiental pesquisando a modificação de superfícies sólidas a partir de métodos eletroquímicos de investigação. O tema do seu mestrado passou a ser bem aplicado, pois o foco era estudar os efeitos da dissolução de alumínio em processos eletrolíticos, com o objetivo de desenvolver um processo eletroquímico para descontaminação de águas de descarte da indústria. O doutorado em físico-química foi na área de interfaces, envolvendo materiais nanoestruturados e biomoléculas.

Conhecendo técnicas eletroquímicas, Frank foi orientado por Francisco Carlos Nart. “Ele me sugeriu um projeto na área de eletroquímica de sistemas nanoestruturados conjugados com biomoléculas, uma área recente. Percebi que meu projeto era multidisciplinar e, assim, decidimos conversar com o professor Osvaldo Novais Oliveira Jr., do Instituto de Física de São Carlos, da USP. O Chu, como é chamado pelos estudantes, teve um papel fundamental na minha formação”, revela. Em 2005, estudou em Portugal, trabalhando com Christopher Brett, no Departamento de Química da Universidade de Coimbra. “Eu tinha dois objetivos principais nessa ida a Portugal: o primeiro, imobilizar biomoléculas em superfície de eletrodos sólidos e estudar sistemas enzimáticos quando em contato com nanopartículas presentes em membranas nanoestruturadas eletroativas; o segundo, obter experiência internacional e manter alguns contatos com grupos de pesquisas do exterior”, explica.

Ao voltar ao Brasil, no ano seguinte, tudo estava indo muito bem, até o falecimento do professor Nart. Este infortúnio o levou a decidir defender o doutorado ao completar dois anos e seis meses de doutorado, algum tempo antes do prazo final. Após a defesa da tese de doutorado, ele ingressou no grupo de polímeros de Bernhard Gross, onde realizou o pós-doutorado sob a orientação de Valtencir Zucolotto, prosseguindo na investigação do efeito de biomoléculas em superfícies sólidas na presença de nanomateriais. Como pesquisador, trabalhou em parceria com Welter Silva, professor do Departamento de Química da Universidade do Piauí (UFPI) e também participou do Instituto do Milênio para Materiais Poliméricos, onde conheceu a Acadêmica Yvonne Primerano Mascarenhas, que considera uma cientista exemplar em sua vida.

As pesquisas de Frank se dão na área de físico-química, mais especificamente na bioeletroquímica, área da química que estuda, por exemplo, como uma enzima reconhece uma molécula em um meio específico, como o oxigênio reage nas células, como um fármaco interage com uma célula cancerígena, como uma célula se comporta na presença de corrente elétrica (eletrofisiologia), como os neurônios transferem informações via neurotransmissores, entre outros. Os resultados de suas pesquisas estão fornecendo informações de processos fundamentais ocorridos nos sistemas biológicos. Ele estuda o comportamento de biomoléculas na presença de nanomateriais, desenvolvendo dispositivos capazes de traduzir um fenômeno chamado “reconhecimento molecular”. Esses dispositivos são uma espécie de biochip, que conseguem ler um fenômeno chamado “transferência eletrônica” e faz com que consigamos entender como as biomoléculas – enzimas, membranas biológicas, proteínas, DNA – se comportam na presença de nanomateriais como as nanopartículas e os nanotubos. “Do ponto de vista de aplicação, as consequências dos estudos fundamentais em bioeletroquímica fornecem os subsídios para que pesquisadores possam desenvolver novos tipos de biossensores para detecção de doenças. Por exemplo, o glicosímetro, aparelho que determina a concentração de glicose no sangue, é um equipamento bioeletroquímico que pode ser encontrado nas farmácias. Esse aparelho é composto por um bioeletrodo (biochip) com enzimas que possuem a propriedade de reconhecimento molecular, reconhecendo, assim, a glicose presente no sangue. Neste caso, as enzimas reconhecem apenas a glicose no sangue funcionam também como catalisadoras de reações químicas”, ele explica.

Atualmente suas pesquisas estão concentradas na construção de bioeletrodos para verificar como os nanomateriais interferem em processos de reconhecimento molecular. “Mais recentemente, mostramos que é possível também gerar energia elétrica utilizando bioeletrodos a base de fibra de carbono. Construímos uma biobateria que funciona a partir reações químicas com a glicose presente no sangue, criando assim, uma biobateria implantável – também chamada de biocélula a combustível.” Ele explica que isso abre novas possibilidades na medicina, onde implantes que dependem de energia elétrica, como biossensores implantáveis e estimuladores elétricos, poderiam ser supridos com a energia renovável contida no sangue.

Para ele a possibilidade de manipular os átomos e moléculas que compõem a natureza, entender como a natureza se comporta e ver como as reações químicas são versáteis e intrigantes são os maiores encantos da profissão. Ele vê, ainda, o pragmatismo e a essência da ciência como características fascinantes. “Como profissionais, temos a responsabilidade de usar nossos conhecimentos visando a expansão do saber, transferir o conhecimento, contribuir para o crescimento do país e discutir sempre a liberdade científica e a ética nas pesquisas. O que me mais me encanta
na ciência é a nossa capacidade de construir a própria ciência, de maneira clara, objetiva e sempre em busca da verdade. Buscar o desconhecido e fazer perguntas sobre o que desconhecemos é muito prazeroso para mim”, explica. Ele acredita que ética, perseverança e honestidade são características fundamentais para todo cientista.

E se um jovem tiver interesse pela ciência, Frank considera que os primeiros passos são explorar quais as habilidades necessárias em cada área para escolher uma profissão e fazê-lo de acordo com as suas. Para quem precisa escolher uma carreira na universidade, ele recomenda visitas aos departamentos e institutos de pesquisa, além do diálogo com os professores.

Frank Nelson Crespilho afirma ter ficado muito feliz e honrado em se tornar um membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências. “Em primeiro lugar, para mim, significa ter a oportunidade de aprender com os acadêmicos mais experientes, cientistas de renome internacional que compõem o quadro da ABC. Também é uma oportunidade de contribuir para a inserção dos estudos científicos desenvolvidos no Brasil nas plataformas de políticas nacionais em CT&I. Espero contribuir exatamente no foco central da ABC, o de promover a qualidade científica e o avanço da ciência brasileira, interagindo também com outros jovens acadêmicos, discutindo ideias e projetos”, conclui.