O médico e Acadêmico Esper Abrao Cavalheiro falou sobre a profícua associação entre nanotecnologia, informática, biotecnologia e neurociência, no 4º Encontro Preparatório para o Fórum Mundial de Ciência, realizado em Salvador, na sede da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB), entre os dias 5 e 7 de dezembro. Professor titular do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (USP), Cavalheiro recebeu, entre outros prêmios, a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Científico Nacional e o título de Comendador da Ordem do Rio Branco. Mais recentemente, foi convidado a atuar como assessor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos em Ciência, Tecnologia e Inovação (CGEE), onde lidera estudos de prospecção estratégica em várias áreas do conhecimento.
O Acadêmico comentou que o período entre 1990 e 2000 foi considerado, em termos de estudos científicos, a década do cérebro. Uma das razões para isso se deve ao fato de que, devido a sua natureza crônica, as doenças neurológicas tem maior peso econômico e social que as demais, inclusive as cardiovasculares. O início do século XXI, de acordo com Cavalheiro, tem sido caracterizado como a era da mente: a prioridade passou a ser a compreensão dos mecanismos da mente humana, envolvendo “tratá-la e protegê-la, incrementar o seu potencial e até configurá-la”, observou o palestrante.
A convergência tecnológica
A ação sinérgica de quatro campos científicos e tecnológicos que apresentaram crescimento acelerado nas últimas décadas – nanotecnologia, biotecnologia, tecnologias de comunicação e informação e ciências cognitivas (neurociência) – tem sido intitulada convergência tecnológica (CT). Cavalheiro vem estudando esse conceito e acompanhando as principais discussões que vêm ocorrendo na comunidade científica internacional sobre o seu desenvolvimento.
Ao propor a possibilidade dessa convergência como uma realidade para o futuro próximo, o palestrante apontou para o fato de que cada uma dessas tecnologias, individualmente, já é capaz de introduzir modificações significativas na sociedade e no ambiente, e que a combinação das quatro áreas poderá, portanto, trazer modificações muito mais expressivas. “Estudiosos norte-americanos apontam várias possibilidades para a aplicação da CT, desde tecnologias para o prolongamento da vida até aquelas dirigidas para o aprimoramento do desempenho humano, incluindo o aprendizado, a memória e a criatividade.”
O termo convergência tecnológica se refere, então, ao estudo interdisciplinar das interações entre sistemas vivos e sistemas artificiais, para o desenho de novos dispositivos que permitam expandir ou melhorar as capacidades cognitivas e comunicativas, a saúde e a capacidade física das pessoas e, de modo geral, produzir um maior bem estar social. “Ela só é possível agora, pois somos capazes de trabalhar com e manipular suas unidades: os átomos para a nanotecnologia, os neurônios par ao sistema nervoso, os bits para a informática e os genes no caso da biotecnologia”, esclareceu Cavalheiro.
Segundo o Acadêmico, os principais defensores da atual CT propõem que ela não deve ser confundida com o uso mundano dos campos interdisciplinares ou multidisciplinares. “A elaboração do projeto científico ou tecnológico deve se iniciar a partir do problema a ser resolvido e não a partir das disciplinas ou indivíduos envolvidos.”
Alcance das aplicações
Cavalheiro explicou então o alcance da CT em diversas áreas. Com relação à expansão da cognição e da comunicação, o médico apontou que a CT pode contribuir para a compreensão da estrutura, das funções e do aprimoramento potencial da mente humana; para o desenvolvimento de dispositivos de interface sensorial pessoal; para promover o bem estar das comunidades com tecnologia mais humanizadas e para aperfeiçoar instrumentos que facilitem a criatividade.
A CT também pode ser utilizada no desenvolvimento de nano-bio-processadores para novas estratégias terapêuticas, de implantes de base nanotecnológica e biossistemas regenerativos para substituir órgãos humanos, na elaboração de interfaces cérebro-cérebro ou cérebro-máquina, assim como para a criação de ambientes virtuais para o treinamento e educação. “Todas essas possibilidades dizem respeito ao melhoramento da saúde humana, da sua capacidade física e ao alongamento da vida”, destacou Cavalheiro.
Do ponto de vista clínico, os avanços mais significativos estão relacionados ao aumento do conhecimento sobre o desenvolvimento normal do sistema nervoso, às técnicas de imagem funcional, à identificação dos mecanismos da plasticidade neural e à neurofarmacologia da adição ou dependência química, entre outros. Com relação a esse último aspecto, Cavalheiro explicou que a integração dos conhecimentos proposta pela CT trouxe avanços também na área de medicamentos “neurocêuticos”. O médico classifica esses remédios em três categorias. Os “cognicêuticos” atuam nos processos de tomada de decisão, atenção, aprendizagem e memória; os “emociocêuticos” atuam no humor, sentimentos, motivação e alerta; e os “sensocêuticos” são os que atuam na recuperação e aprimoramento dos sentidos, permitindo formas diversas de sensações.Ele considera ainda que a CT pode contribuir para a melhoria das relações sociais. “Através da CT se poderá remover barreiras de comunicação determinadas por incapacidade física, por diferença de idiomas, pela distância geográfica ou por momentos diferentes de desenvolvimento”, ressaltou. Para Cavalheiro, a convergência tecnológica vai gerar aumento da produtividade e da criatividade, estabelecendo uma conexão entre a sociedade e a engenharia cognitiva.
No entanto, ele acredita que os desafios postulados pelas novas tecnologias demandam transformações radicais nos ambientes educacionais. “A convergência de disciplinas isoladas não será possível sem a emergência de novos tipos de indivíduos. Necessitamos de novos currículos e novas formas de instituições educacionais”, salientou o pesquisador.

Referências de pesquisa
Como referência principal de pesquisas nessa área de convergência tecnológica, Cavalheiro citou o relatório da National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, intitulado Converging Technologies for Improving Human Performance. O médico citou ainda o estudo Molecules to Minds: Grand Challenges for the 21st Century, que coloca algumas questões que devem ser respondidas no futuro próximo: Como o cérebro funciona e produz a atividade mental? Como a atividade física dentro do cérebro leva ao pensamento, às emoções e a outros comportamentos? Como a interface entre biologia e experiência molda nossos cérebros e nos faz ser quem somos hoje? Como podemos manter nossos cérebros saudáveis? Como podemos protegê-lo, restaurá-lo ou melhorar seu desempenho enquanto envelhecemos?
Em resumo, Cavalheiro considera que a nova dis
ciplina chamada de “neurotecnologia” é parte integrante da convergência tecnológica e afirmou que ela pode ajudar a compreender como as emoções afetam as decisões e pode promover o aumento da criatividade, fundamental para a geração de inovação, grande demanda do país para o século XXI.