Realizado em 6 de novembro no auditório da Academia Brasileira de Ciências, o simpósio de Ciências Biomédicas da Conferência Avanços e Perspectivas da Ciência no Brasil, América Latina e Caribe 2012 foi coordenado pelo Acadêmico Marcello Barcinski, professor titular na Universidade de São Paulo (USP) e criador da Pós-Graduação em Oncologia no Instituto Nacional do Câncer (INCA). De acordo com Barcinski, a escolha dos conferencistas componentes da mesa se deu em função do seu desejo de reunir cientistas já consagrados em suas respectivas áreas a dois nomes promissores de jovens pesquisadores membros afiliados da ABC.

O primeiro deles, Dario S. Zamboni, além de membro afiliado da ABC é também coordenador da área de parasito/hospedeiro da Sociedade Brasileira de Microbiologia. Ele escolheu como assunto de sua palestra os receptores da imunidade inata, definidos por ele como “os receptores que estão codificados no nosso genoma e que são expressos em diversas células do nosso corpo”, e a maneira como se dá o reconhecimento dos patógenos que entram em contato com essas células. “Durante a nossa vida, nosso corpo entra em contato com micróbios patogênicos e não patogênicos. Eventualmente, o sistema imune, usando esses receptores da imunidade inata, tem que detectar e fazer o reconhecimento diferencial do que é um patógeno, que causa doença, do que é um micróbio ambiental que não vai causar dano algum ao nosso corpo.”

Após ressaltar a importância do tema, lembrando que essa área foi contemplada com o prêmio Nobel no ano passado, Dario diferenciou o funcionamento de dois tipos de receptores, os receptores Toll (Toll-Like Receptors) e os receptores NOD (NOD-Like Receptors). Os receptores Toll estão localizados na membrana celular e contem domínios intra e extracelulares. Os domínios extracelulares possuem uma região rica em resíduos de leucina, que são importantes para montar uma estrutura proteica que favorece o reconhecimento de determinados componentes dos micróbios, sejam eles patógenos ou não. Os receptores NOD, por sua vez, são intracelulares, localizam-se no citoplasma das células de imunidade inata e só são ativados na presença de um micróbio patogênico, ou seja, um organismo que causa doença aos seres humanos.
Exemplificando, bactérias patogênicas como Legionella e Coxiella, ou protozoários patogênicos como Leishmania e Trypanosoma cruzi, sobrevivem e se replicam no interior das células, característica essencial que possibilita a patogênese desses organismos. Nesses casos, os receptores do tipo NOD possibilitam o reconhecimento desses patógenos quando eles estão se replicando. Dessa forma, viabilizam que o sistema imune reconheça diferencialmente micróbios patogênicos, configurando respostas imunes mais rápidas e mais robustas.

Após a fala de Zamboni, Guilherme Suarez-Kurtz, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro titular da ABC, introduziu o tema da farmacogenética/farmacogenômica, “disciplina que estuda de que maneira a genética afeta a resposta aos medicamentos”. Segundo o pesquisador, as pessoas respondem aos remédios de formas diferentes e o objetivo de seus estudos é verificar se essa variabilidade de respostas pode ser explicada por fatores genéticos. Quanto à importância do evento, Suarez-Kurtz afirmou que sua principal meta é causar impacto na sociedade acadêmica e nos órgãos governamentais que financiam a pesquisa, mas não deixou de sugerir a criação de uma sessão de categoria mais educativa, de divulgação científica, visando atrair, nas próximas edições, um número maior de estudantes.

A terceira palestrante foi Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e também membro titular da ABC. Bolsista de produtividade do CNPq nível 1A, ela discursou sobre a glicobiologia, a biologia que lida com açúcares. Nader dedicou o início de sua fala à apresentação de algumas razões para o estudo dos glicoconjugados, os quais, segundo ela, estão envolvidos em uma série de funções biológicas tais quais a adesão, sinalização e migração celular, além de também estarem relacionados a várias doenças congênitas importantes, ao câncer, às doenças auto-imunes e inflamatórias, à diabetes, entre outras.

Realizando uma análise do desempenho brasileiro em relação ao resto do mundo no âmbito biomédico, ela disse que apesar dos investimentos realizados pelo Brasil na busca pelo entendimento do DNA e RNA, o país está em defasagem com relação a pesquisa sobre açúcares, uma vez que outros países já investem maciçamente nessa área. “Nós vamos ter que passar a investir mais dentro dessa área para podermos ter frutos biotecnológicos.”

Luciano Paulino da Silva, pesquisador da Embrapa, premiado TWAS e membro afiliado da ABC, realizou uma apresentação sobre a nanomedicina, intitulada “Da observação da natureza ao desafio do desenvolvimento de nanodispositivos”. Em sua palestra, abordou os riscos representados pelas nanopartículas tanto aos organismos humano e vegetal, como aos microorganismos. Luciano falou também sobre a questão da sustentabilidade, citando a conferência Rio+20, os objetivos da agricultura sustentável, as razões para a utilização de subprodutos, a diferenciação entre nanociência e nanotecnologia, bem como entre os termos bionanotecnologia e nanobiotecnologia, além de outros tópicos como, por exemplo, a comparação entre os riscos da nanoterapia convencional e da autonanoterapia (self-nanotherapy), termo cunhado pelo próprio cientista e que diz respeito ao “uso de dispositivos feitos de componentes moleculares encontrados endogenamente no organismo alvo para aplicações terapêuticas.”

A fala de Rafael Linden, professor titular da UFRJ e coordenador da rede de Terapia Gênica e do Instituto Virtual de Doenças Neurodegenerativas do Estado do Rio de Janeiro, encerrou o simpósio de Ciências Biomédicas. Segundo Linden, a terapia gênica, temática de sua palestra, é um “procedimento destinado à substituição, manipulação ou suplementação de genes inativos ou disfuncionais, através da correção ou introdução de genes sadios, com o emprego de técnicas de DNA recombinante”. Ele contou que, apesar de ter sido conceituada por volta de 1960, foi apenas no final da década de 1980 que aconteceu a primeira tentativa de realização da terapia gênica. Os médicos envolvidos no caso extraíram linfócitos do sangue da paciente, cultivaram-nos em placas, transfectaram-nos com uma molécula contendo os genes
da enzima que faltava para que seu sistema imune funcionasse -a enzima desaminase – e reinjetaram-nos em seu sangue. O resultado do tratamento foi positivo e a paciente passou a levar uma vida normal.

Linden ainda explicou que existem duas formas de terapia gênica, uma denominada in vivo, na qual o gene é produzido diretamente no organismo, e outra chamada de ex vivo, em que células são extraídas, o gene terapêutico é nelas introduzido e elas são recolocadas no paciente, assim como foi feito no caso descrito. Mais a frente, o professor mostrou estatísticas não só da América Latina, mas também do restante do mundo, e citou também o primeiro pedido de patente de uma instituição brasileira em terapia gênica, que se deu no ano de 2009. O conferencista, junto a outros pesquisadores, desenvolveu um projeto denominado “Desenvolvimento de terapia gênica neuroprotetora para glaucoma”, o qual alcançou resultados positivos e gerou o pedido de patente em questão. Linden afirmou ser lamentável que ele tenha sido “o único pesquisador brasileiro a encaminhar um pedido de patente internacionalmente em uma área de pesquisa como essa.”