A ciência avança por vários caminhos e um deles busca aproximar cientistas e empresários. Com o objetivo de encurtar a distância, o simpósio Academia-Empresa promoveu um encontro na Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, onde a UFRJ divide espaço com a Petrobras e outras indústrias. O simpósio aconteceu em 16 de outubro, no auditório do Instituto Luiz Alberto Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro (SECT-RJ), a Coppe/UFRJ, o Parque Tecnológico do Rio e com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Academia-Empresa

O simpósio investe na interação entre a academia e as empresas. Sua primeira edição ocorreu em 2010, durante a Feira da Ciência, Tecnologia e Inovação da Faperj, em parceria com a SECT-RJ. O objetivo era apresentar casos de sucesso de empresas que apostaram na inteligência nacional, contratando doutores brasileiros e investindo em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Em dois anos, outras edições do evento foram realizadas em Manaus, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo, com perspectivas em Porto Alegre.

Na visão da Academia Brasileira de Ciências, este simpósio aproxima setores indispensáveis para o desenvolvimento do país.”Na sua realização, a Academia congrega empresas grandes, médias, pequenas, brasileiras e estrangeiras, cientistas, gestores e organizações civis, incentivando uma troca de conhecimento entre universidades, indústrias e financiadores por todo o Brasil”, nas palavras do seu presidente Jacob Palis. “Os casos de sucesso mostrados durante o evento podem servir de inspiração para que mais empresas invistam em ciência, tecnologia, pesquisa e inovação”, complementa Fernando Carlos Azeredo Verissimo, chefe de gabinete da ABC.

Estratégias de mercado

O tema do simpósio – “transformar conhecimento em produtos com valor agregado” – é uma forma de deixar no passado a velha economia brasileira baseada na exportação de matérias-primas ou commodities. Para que o país alcance uma postura competitiva no mercado globalizado, não basta usar seus recursos naturais, é preciso produzir a partir deles. O desafio não é pequeno, mas é preciso enfrentá-lo. O simpósio mostrou algumas cooperações entre empresas internacionais e universidades brasileiras que servem de exemplo, voltadas para atender as demandas do mercado – e ir além.

Gabriela Cezar, doutora em Reprodução Fisiológica pela Universidade de Wisconsin-Madison (Estados Unidos), e diretora sênior de Pesquisa e Desenvolvimento, Inovação e Parcerias Estratégicas em Pesquisa no Brasil e América Latina da Pfizer, expôs a iniciativa da empresa para acelerar o fabricação de novas terapias: fazer alianças com cientistas e instituições brasileiras. A empresa oferece recursos à academia e a academia oferece desenvolvimento tecnológico e a capacidade científica. “O Brasil está em condições de competir globalmente nas áreas de saúde, biotecnologia, biocombustíveis e terapia celular, que são indispensáveis para o nosso ramo”, afirmou. A Pfizer investe no Fundo Burrill Brasil I que reúne grandes quantias de empresas nacionais e internacionais para investimento no país, atuando em ciências da vida, biotecnologia, biofármacos, saúde, biotecnologia, biocombustíveis e alimentos.

Blaise Didillion, doutor em Química pela Universidade de Lyon (França), e diretor de Pesquisa e Inovação da LOréal no Brasil, enfatizou a miscigenação brasileira como uma característica singular nos interesses da empresa no país. “O consumidor brasileiro é local e global simultaneamente, com um tipo de pele e cabelo que se encontra aqui e em alguns outros povos do mundo”, explica. A ciência se torna indispensável para atender a um mercado consumidor tão diversificado como o brasileiro. A intenção da empresa é construir um centro de pesquisas na Ilha do Fundão, cujas obras serão iniciadas em janeiro de 2013. A cooperação com a academia brasileira passará pelas áreas da biologia, química, física e biotecnologia.

Doneivan Ferreira, doutor em Petróleo e Meio Ambiente pela Unicamp (Brasil), e diretor do Centro de Tecnologia da Halliburton Brasil, revelou que a empresa quer inserir o seu centro de tecnologia, localizado na Ilha do Fundão, na plataforma de inovação global da empresa, integrando o trabalho de pesquisa e desenvolvimento dos cientistas brasileiros aos que são realizados no exterior. “Esta iniciativa atende a uma demanda de internacionalização da ciência brasileira e amplia a atuação da empresa”, relatou Ferreira. A Halliburton tem centros de tecnologia nos Estados Unidos, Arábia Saudita, Índia, Singapura e no Brasil, onde serão desenvolvidas pesquisas para soluções de exploração de petróleo em águas profundas e o aperfeiçoamento da produção no setor.

Keneth Herd, doutor em Engenharia Mecânica pelo Instituto Politécnico Rensselaer (Estados Unidos), e gerente geral do Centro de Tecnologia da GE no Brasil, apresentou alguns dados relativos ao Centro de Pesquisa Global da empresa, que também ocupa um espaço na Ilha do Fundão. Hoje, a parceria com a UFRJ se dá também através do compartilhamento de laboratórios de pesquisa. A expectativa é de desenvolver pesquisas nas áreas de biocombustíveis, integração de sistemas, sistemas inteligentes e sistemas submarinos. “Investir na ciência brasileira é investir na própria empresa. Hoje, o Brasil é um dos cinco principais mercados da companhia no mundo”, explicou.

Olivier Wambersie, doutor em Matemática Aplicada pela Universidade de Louvain (Bélgica), e diretor de tecnologia da BG Group, relatou que a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade de São Paulo (USP) formam um grupo de parceiros envolvidos em pesquisas na área petrolífera. “Os desafios da extração do petróleo são bem conhecidos e, junto com os pesquisadores brasileiros, nós estamos em busca das soluções”, concluiu. Contar com a cooperação acadêmica é o mesmo que ter um grupo de especialistas capazes de solucionar problemas que a atividade industrial encontra. A empresa anunciou que vai instalar um novo Centro de Tecnologia para o Pré-sal no Rio de Janeiro.

Parceria para o conhecimento

As instituições acadêmicas que participaram do simpósio mostraram que o processo não se encerra no conhecimento, mas inclui a geração de um produto ou processo e sua inserção no mercado.

A formação de recursos humanos e a estrutura de laboratórios de pesquisa foram ressaltados. Artur Roberto Couto, diretor de Bio Manguinhos, mostrou o planejamento integrado em Pesquisa e Desenvolvimento, Inovação em Ciência e Tecnologia, Recursos Humanos e Produtos. “A cadeia produtiva de vacinas e biofármacos vai desde a identificação de antígenos até o pós-marketing”, relatou. Toda esta demanda é atendida em atividades integradas com universidades, laboratórios públicos e privados, além da capacitação profissional. “Biomanguinhos oferece de cursos de Mestrado Profissional em Tecnologia de Imunobiológicos (MPTI) e Gestão Industrial de Imunobiológicos, com o objetivo de integrar teoria com a prática, repensando técnicas e processos para conduzir os estudantes à análise, ao planejamento e à implantação de novos produtos e soluções”, declarou Couto. Uma prova do sucesso de Bio Manguinhos é sua contribuição à saúde pública internacional. Em 2012, as vacinas contra febre amarela e a meningocócica somaram 14 milhões de doses.

O físico e Acadêmico Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho, diretor do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), apontou a importância das parcerias com a indústria, organizações e governos para alcançar o volume de trabalho que o centro realiza atualmente. No desafio para uma política institucional de inovação, o Centro, através do Laboratório Nacional de Luz Síncroton, o Laboratório Nacional de Biociências, o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia, tem entre seus parceiros indústrias brasileiras, europeias e governos latino-americanos. Os laboratórios participam de atividades nas áreas de física, saúde, petróleo e gás, entre outros. “Em 2011, os laboratórios tiveram 917 propostas de pesquisa realizadas. Ainda conta com um projeto da Capes para atração de pesquisadores externos”, relatou Aragão.

O engenheiro e Acadêmico Luiz Pinguelli Rosa, diretor da COPPE, apresentou um panorama da instituição, evidenciando a extensão das suas atividades. “Nesta relação de cooperação entre academia e empresa, cada caso é um caso. Nós queremos mostrar que a universidade é uma fonte infindável de conhecimento”, enfatizou. Vinculada à UFRJ, a Coppe promove ensino de graduação, extensão e pós-graduação. Faz pesquisa básica e aplicada, priorizando áreas de inovação em diagnósticos tecnológicos, soluções de problemas empresariais, desenvolvimento de tecnologia de processos e produtos, criação de empresas de base tecnológica e cooperativas populares. São 116 laboratórios, inclusive um Parque Tecnológico, onde se destacam o LabOceano e o Laboratório de Visualização Científica. Nas interações com a indústria, a Coppe estabelece parcerias com as áreas de petróleo e gás, naval e offshore, energia, química e biotecnologia, mineração e siderurgia. A parceria com os setores governamentais inclui planejamento de políticas públicas, tecnologia da informação, gestão de transportes, assim como tecnologias sociais. No setor de serviços estão as telecomunicações, construção civil, software e gestão de processos. “Em 2011, foram produzidas na Coppe 336 dissertações de mestrado, 169 teses de doutorado”, relatou seu diretor.

Os atalhos e as pedras no caminho

O campus da UFRJ tem recebido muitas empresas. Para Maurício Guedes, diretor do Parque Tecnológico do Rio de Janeiro, “o simpósio mostrou que o primeiro passo é reconhecer que academia e empresa são dois entes diferentes, com missões diferentes e que a sociedade precisa de ambos. O espírito do simpósio é de congregação. Se conseguirmos juntar nossa capacidade científica, da academia, com as empresas, isto pode ser um ponto de virada para o país”, apontou.

Compartilhando laboratórios, construindo centros de tecnologia, integrando cientistas ao corpo de trabalho das empresas, a distância entre a academia e as empresas foi reduzida nos últimos anos. Alguns obstáculos permanecem, no entanto. Glauco Arbix, presidente da Finep, e Luiz Edmundo Costa Leite, secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro, abordaram essa questão.

Arbix acredita que o Brasil só se consolidará como uma economia competitiva, com uma produtividade elevada, se investir permanentemente em ciência, tecnologia e inovação (CT&I). “Hoje o país desfruta de uma oportunidade singular para sua prosperidade. Inovação e tecnologia foram tradicionalmente concebidas como subprodutos do desenvolvimento econômico e não como pré-requisitos para o desenvolvimento. Precisamos dar fim a esta mentalidade”, afirmou. Há mercado interno, abundância de recursos naturais e empresas dinâmicas e inovadoras, na avaliação de Arbix. “E foi com estas condições que outros países construíram uma economia forte, capaz de estimular o desenvolvimento de competências tecnológicas de crescente valor agregado.” Para o Brasil chegar neste patamar, segundo ele, as políticas públicas voltadas para a inovação devem incluir as empresas nas suas ações, ao passo que as empresas brasileiras devem investir mais em inovação. “O diálogo entre universidade e empresa no Brasil ainda é difícil”, afirmou.

Para Luiz Edmundo, é importante que o conhecimento se torne produto, se torne tecnologia. “É positivo tanto para a empresa, que aumenta seus rendimentos, quanto para a universidade, que vê o seu potencial aplicado, desenvolvido, estimulado”, avaliou o secretário. “Esta interação traduz o novo modelo o desenvolvimento do país. Ouvir cientistas e empres
ários traz muitos ensinamentos para a gestão pública, sobretudo para o estabelecimento de políticas públicas mais objetivas. É preciso ter competência científica, planejamento político e capacidade empreendedora. Inovação se faz em parceria”, concluiu.

O Simpósio mostrou que este é um importante momento de mudança para o Rio de Janeiro e para o Brasil. O país está numa fase de boas perspectivas para a economia, sendo que o setor do petróleo seja talvez o mais evidente. Mas, além dele, há outros setores muito promissores. E a ciência pode ser parceira em todos eles. Para isto, é preciso promover investimentos em todas as áreas do conhecimento nas universidades. Afinal, o conhecimento é o único recurso que é humano, abundante e renovável; é a matéria-prima para um país melhor.