Nos dias 2 e 3 de outubro, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) promoveu o simpósio Interrelações Oceano-Continente no Cenário de Mudanças Globais, reunindo cientistas de várias áreas ao redor deste tema.
A expectativa do coordenador-geral do simpósio, o acadêmico Luiz Drude de Lacerda, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal do Ceará (UFC), era informar a sociedade em geral da importância do oceano ser pesquisado, tanto para conhecê-lo melhor, quanto para auxiliar o monitoramento de desastres naturais e do clima. “Enfim: para conhecer melhor o continente, pesquisar o oceano é fundamental”, ele afirmou.
Foram realizadas quinze palestras que expuseram os últimos avanços das ciências do mar, da atmosfera e da terra, dentre os quais se destacaram as relações entre oceano, continente e o clima, além do papel do homem nas mudanças climáticas.
Ilana Wainer, Alberto Piola, Luiz Drude, Pedro Leite e José Marengo
Natureza e reciprocidade
Compreender um mundo repleto de transformações não é tarefa fácil nem para um cientista. Mas há uma mudança à vista de todos: o clima. E ele tem sido analisado em pesquisas que o reproduzem no passado, no presente e no futuro. A modelagem climática é a reprodução matemática, por meio de computadores, dos componentes que condicionam o clima, como por exemplo a terra, os oceanos e o gelo, além de componentes complexos como a química atmosférica. O desafio atual deste tipo de pesquisa é reproduzir as mudanças do clima no planeta.
Este foi o tema da palestra “Variabilidade climática de baixa frequência: papel da dinâmica interna do sistema climático versus forçantes solares”, proferida pelo Acadêmico Pedro Leite da Silva Dias, professor da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC). A palestra ressaltou a necessidade de se conhecer hoje a previsão do clima nas próximas décadas, por causa do aquecimento global. Mas esta urgência enfrenta a barreira dos modelos atuais, que ainda encontram dificuldades de determinar a variação do clima de uma forma mais precisa em uma escala de décadas. Uma solução são os modelos de alta resolução, mas o custo deles é alto. Diante disto, uma solução é superposicionar modelos de previsão de dias, meses, décadas até algumas décadas, e “isto é um problema e um desafio para a ciência”, segundo o palestrante.
Na palestra “O Atlântico Sul e Austral e as mudanças climáticas”, Ilana Wainer, professora da USP e vice-presidente do Comitê Científico de Pesquisas Oceânicas (SCOR, na sigla em inglês) abordou o papel dos oceanos nas alterações do clima, desde a escala global até a regional, considerando a influência da região antártica no clima do mundo. Com foco no continente e no oceano antárticos, a cientista mostrou que o aumento da temperatura nesta região tem diminuído a extensão de terra. tanto pelo descolamento de placas de gelo quanto pelo aumento do nível do mar. O clima mais quente também reduziu a taxa de salinidade do oceano, o que está modificando a vida marinha. “O que acontecerá com a Antártica e oceano Austral se traduzirá na vida dos moradores do Rio de Janeiro, por exemplo”, refletiu.
Se pensar a Antártica é pensar o mundo, pensar o Brasil também é. Michel Mahiques, diretor do Instituto de Oceanografia da USP, lídera de um projeto sobre os riscos, recursos e registro do passado nas plataformas continentais. Em sua palestra “Evidências de penetração da pluma do rio da Prata na plataforma continental brasileira”, Mahiques destacou que este rio somado ao rio Paraná, rio Paraguai e o rio Uruguai formam a segunda maior bacia hidrográfica da América do Sul. “Daí a importância de observá-lo numa perspectiva de longa duração”, destacou o palestrante. Ele apresentou dados referentes à descarga do rio da Prata sobre o oceano Atlântico ao longo dos últimos 7.000 anos, identificando o aumento dos sedimentos do rio no oceano como um processo natural que no último século, no entanto, foi bastante intensificado pelo homem.
O professor da Universidade de Buenos Aires (UBA) e diretor de pesquisa do Serviço de Hidrografia Nacional da Argentina, Alberto Piola, realizou a palestra “O impacto do rio da Prata no oceano Atlântico Sudoeste”, fruto de um trabalho de cooperação de uma década com cientistas brasileiros. Apresentando um estudo da costeira sul do litoral do Brasil, sua palestra abordou o impacto das águas do rio da Prata no Atlântico Sul. “Uma das variabilidades da ação do rio se dá em função das precipitações no continente”, explicou, esclarecendo que há uma relação entre a distribuição de água com baixa salinidade no oceano e as flutuações do vento perto da costa. “O que acontece no continente repercute no rio e vice-versa”, ele resume.
Esta influência mútua que existe na natureza foi o tema da palestra “Teleconexões oceano-atmosfera e impactos no clima regional: presente e futuro”, proferida por José Marengo que é professor e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). “Uma teleconexão é a relação que existe entre os climas do mundo. Se o que ocorre no clima do Brasil está associado ao que acontece com o clima na Índia ou na Austrália, chamamos isto de teleconexão”, exemplifica. Ele também utilizou o El Niño como exemplo. “O fato dele causar seca em uma região, acarreta chuvas intensas em outra. Por isso, nem a seca, nem a chuva são fenômenos quem podem ser analisados isoladamente.” A urgência de saber o clima no futuro pode encontrar soluções na observação do passado. “O El Niño, por exemplo, é um fenômeno que exibe alguns padrões no seu comportamento se for observado por décadas. Procuramos saber, então, como ele se comportará no futuro”, apontou Marengo.
A forçante humana
“Forçante” é o nome dado pela ciência aos fatores que influenciam o equilíbrio do planeta. Antes, as forçantes do clima costumavam ser fatores naturais, como o sol e a erupção vulcânica, por exemplo. O simpósio enfatizou o papel do homem nas mudanças climáticas contemporâneas. Com o descongelamento das calotas polares e o aumento da sedimentação nos oceanos, o clima está mudando para pior. A isto se dá o nome de “forçante humana”.
Alberto Piola avalia que um fator importante para estudar rios e oceanos atualmente são as construções da engenharia hidráulica para usinas hidrelétricas, que modulam a ação de rios alterando todo o ambiente e o clima. “Por exemplo, a grande extensão de espelhos d`água criados por essas construções favoreceram a evaporação; a evaporação fez aumentar o volume de chuvas e o aumento das chuvas terá outra consequência…”, explicou.
Ilana Wainer observou que a fronteira da ciência se torna mais vasta ao traduzir informações do clima, “da teoria, da larga escala”, à escala local onde as pessoas vivem e interagem. “É necessário sair da escala do sistema terrestre para a escala do sistema humano”, definiu.
José Marengo argumentou que “a ciência é um fator indispensável na tomada de
decisões em um mundo onde a premissa é alcançar a sustentabilidade”. Pedro Leite ainda considerou que o “clima não é só atmosfera, não é só oceano, gelo, continente, clima também é o homem”. Para Michel Mahiques, um mérito louvável do simpósio Interrelações Oceano-Continente no Cenário de Mudanças Globais foi reunir áreas distintas do conhecimento ao redor de um tema. “É uma prova de que existem questões comuns a toda ciência”, afirmou, destacando ainda a recorrência do papel do homem nos novos estudos sobre oceano, o continente e o clima. “A presença antrópica agregará novos fatores aos estudos e a interdisciplinaridade é um caminho neste sentido”, concluiu.