Nascida em Canguçu, no Rio Grande do Sul, a ganhadora do Prêmio L’Oréal-Unesco-ABC Para Mulheres na Ciência 2012 Márcia Foster Mesko teve uma infância simples, porém divertida. Ela costurava roupas para bonecas, fazia perfumes usando flores, frutas e álcool, andava de bicicleta e a cavalo com os irmãos. “Demos muito trabalho a meus pais porque éramos agitados, mas sempre fomos bons filhos”.

Os pais trabalhavam no comércio, no interior da cidade, onde Márcia morou até os nove anos. Paralelamente, o pai realizava viagens curtas de caminhão para levar produtos a cidades próximas de Canguçu. Os valores passados por seus pais para ela e os dois irmãos, um mais velho e o outro mais jovem, envolveram humildade, trabalho árduo, caráter e honestidade. “Eles sempre nos ensinaram que com trabalho e dedicação qualquer dificuldade pode ser resolvida”.

Alguns anos depois, foram morar na cidade para que os filhos dessem continuidade aos estudos. Fã de matemática, ciências e português, durante o colégio Márcia já pensava em melhorar a perspectiva financeira da família, não desperdiçando, assim, as chances que surgiam. “Com a mudança, tivemos que fechar o comércio, motivo pelo qual minha mãe começou a costurar, especialmente roupas de festa”, conta. Ainda hoje, quando tem tempo, a pesquisadora vai à casa dos pais e ajuda a mãe com as provas dos modelos. “Para mim, é uma terapia e uma oportunidade para colocar a conversa em dia. Pena que tenho cada vez menos tempo para fazer isso”.

A escolha profissional começou a ser traçada no ensino médio técnico, cursado na então Escola Técnica Federal de Pelotas, atual Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IFSul). “Na época, tínhamos que cursar o primeiro ano com todas as disciplinas e depois optávamos por um curso profissionalizante, para o qual passávamos dependendo da média”, explica. Assim, ela escolheu a química e ingressou na área. “Tive muitas dúvidas, principalmente por ser jovem. Hoje não me arrependo nem um pouco da minha opção”.

De início, viajava todas as noites de Canguçu para a cidade, para estudar. Aos poucos, convenceu os pais de que seria melhor ir morar em Pelotas, com uma tia. Assim, começou um estágio não remunerado no Laboratório de Nutrição Animal da UFPel, trabalhando com algumas análises de rações e pastagens e assistindo às aulas da pós-graduação.

Como Márcia ajudava os alunos de mestrado e doutorado em seus experimentos, o interesse pela pesquisa amadureceu. Em seguida, estagiou no Laboratório de Análise de Grãos do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos, o que a incentivou ainda mais.

No início da graduação, a pesquisadora ingressou na iniciação científica na área de físico-química e química nuclear, pela qual realizou diversos trabalhos que a levaram a participar de seus primeiros eventos científicos regionais e nacionais. “Essas atividades contribuíram para o meu aperfeiçoamento e me fizeram optar pela carreira de pesquisadora e professora universitária. Além disso, elas me levaram, posteriormente, ao mestrado e doutorado”.

Muitas experiências, ótimos resultados

Após ser aprovada na seleção de mestrado da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), na área de química analítica, a laureada passou por um período de adaptação, pois ingressou em uma nova área de pesquisa. Além disso, a pesquisadora foi morar na casa da tia, que naquele momento era a única pessoa que ela conhecia na cidade de Santa Maria. “Logo que iniciei minhas atividades de pesquisa, recebi treinamento e comecei a realizar meus próprios trabalhos. Fui ajudada por muitos colegas e fiz amigos com os quais convivo até hoje e mantenho alguns trabalhos em parceria”, conta.

Após a conclusão do mestrado, ingressou no doutorado, seguindo a mesma linha de pesquisa. Para Márcia, a figura de seu orientador, o professor Érico Marlon de Moraes Flores, foi fundamental, pois ele é uma pessoa muito dinâmica e cheia de iniciativas, que sempre ajuda e possibilita diversas oportunidades para seus alunos. “Durante o doutorado, acabei passando alguns meses em um laboratório da Technische Universität Graz, na Áustria, e em outro localizado em Erlangen, na Alemanha.”

A pesquisadora também atuou como química da Farmacopeia Brasileira, onde adquiriu conhecimentos que, anos depois, foram de grande valia para a elaboração da proposta de criação do Curso de Farmácia da UFPel. “Além disso, fui aprovada em um concurso público para professor na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) durante o doutorado, o que me fez dividir o tempo também com as atividades docentes.”

Após o doutorado, foi convidada a participar de um projeto como pesquisadora visitante para produzir material de referência certificado para fármacos no Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), no Rio de Janeiro, onde permaneceu durante um ano. A seu ver, todas as atividades contribuíram para seu enriquecimento profissional. “Tive que ficar longe da família e dos amigos em alguns momentos, mas com o meu esforço e a compreensão de todos, obtive muitas conquistas”, garante.

Química aliada à consciência ambiental

Atualmente, Márcia é pesquisadora e professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde coordena o Curso de Farmácia. Em seu trabalho, desenvolve um estudo que irá avaliar a capacidade de uma microalga denominada Chlorella vulgaris em absorver nanopartículas de dióxido de titânio (TiO2) presentes no ambiente aquático. “Essas partículas tão pequenas em tamanho – inferiores a 100 nanômetros – vêm sendo utilizadas em produtos de beleza e protetores solares devido à sua capacidade em reduzir a opacidade e aumentar a absorção na pele”, destaca.

Contudo, segundo a ganhadora, a avaliação do comportamento desses compostos em sistemas aquáticos é quase inexistente e, além disso, é necessário que métodos analíticos sejam desenvolvidos para que este comportamento possa ser observado. Pensando nisso, o projeto proposto visa utilizar microalgas para absorver esses compostos do sistema aquático e avaliar sua capacidade de absorção quando comparada ao dióxido de titânio superior a 100 nanômetros. “Além disso, essas microalgas podem ser utilizadas como biomassa na produção de biodiesel, mesmo após terem feito a absorção”, pontua. “Temos a expectativa de obter resultados promissores, para que possamos propor alternativas que amenizem os problemas causados por partículas metálicas, reduzindo a agressão ao meio ambiente.”

Contribuição e planos

A possibilidade de realizar uma pesquisa aplicada às necessidades, por exemplo, da indústria, do meio ambiente e da saúde, fascina a pesquisadora. “A química analítica pode servir de ferramenta para complementar e fornecer informações relevantes que podem trazer benefícios diretos à sociedade”, afirma. Márcia também avalia que o cientista precisa estar disposto a contribuir e ter em mente que sua profissão será importante para o desenvolvimento humano, tecnológico e social. “A jovens que desejam seguir na área eu diria que toda a sociedade necessita de bons profissionais e de cientistas audaciosos em suas pesquisas que contribuam, de alguma forma, para o seu desenvolvimento.”

Em relação ao prêmio, a ganhadora diz ser um estímulo ao seu trabalho, bem como um motivo de orgulho para seus familiares. “Além disso, para o meu grupo de pesquisa, formado por meus alunos de graduação, mestrado e doutorado, foi muito importante esse prêmio, pois os deixou mais estimulados com o trabalho”, garante. A sensação, segundo ela, é de maior credibilidade junto às entidades que oferecem apoio institucional às atividades que desenvolve. Quanto aos recursos, o destino já é certo. “Pretendo utilizá-los para melhorar a nossa estrutura de trabalho, além de financiar nossa participação em eventos científicos e comprar equipamentos que possam nos ajudar a desenvolver essa pesquisa.”