A comunidade científica brasileira esteve bem representada em São Paulo durante três dias, no 1º Encontro Preparatório para o Fórum Mundial de Ciência que acontecerá no Brasil em 2013. Os desafios enfrentados pela ciências em suas diversas áreas neste início de século foram analisados em palestras instigantes.
Os desafios da física ficaram a cargo de Nathan Jacob Berkovits, Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Ele é professor titular do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquista Filho (Unesp) e diretor do Instituto Sulamericano para Pesquisa Básica do ICTP, sediado na Unesp. Em 2009, venceu o Prêmio TWAS de Física, oferecido pela Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS). Para Berkovits, o aumento do investimento em ciência no Brasil é o caminho para avançar, mas obstáculos educacionais e políticos precisam ser superados.
Teorias e tecnologias
Embora restritas a um reduzido grupo de pesquisadores em todo o mundo, as soluções para os desafios da física podem afetar toda a população do planeta. É com esta grande responsabilidade que os cientistas convivem, seja na física teórica, que descreve o comportamento de todos os elementos do universo através de leis e equações ou na física aplicada, que desenvolve novas tecnologias a partir dessas conclusões, visando o benefício da sociedade.
Berkovits mostrou em sua palestra que alguns dos pilares da física estão sendo questionados atualmente. Pesquisas recentes iniciam um processo de revisão de teorias consolidadas, como a teoria da relatividade (1920), a mecânica quântica (1930) ou o modelo padrão de partículas físicas (1970). Descobertas experimentais atuais sobre a aceleração do Universo e a matéria escura, assim como experimentos realizados no grande acelerador de partículas (LHC, na sigla em inglês) da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN) que confirmaram a existência do bóson de Higgs, por exemplo, ainda não tem explicações suficientes desenvolvidas e podem vir a exigir algumas mudanças teóricas. Para tanto, porém, os cientistas dependem de equipamentos de alta precisão para sua comprovação e a construção e manutenção de equipamentos como o LHC estão atingindo custos proibitivos.
“O grande desafio para os físicos do século XXI nessa área será construir uma nova teoria cosmológica que explique de forma convincente estas descobertas experimentais e desenvolver experimentos financeiramente sustentáveis para testar a extensão da mecânica quântica e do modelo padrão”, entusiama-se Berkovits.
O custo alto para a realização destes experimentos, esclareceu o pesquisador, compensa, pois traz retornos à altura para a sociedade. A compreensão das leis da física básica, segundo Berkovits, levou invariavemente à criação de novas tecnologias, como a eletricidade, as geladeiras, os aviões, os foguetes, a bomba atômica, os computadores, a internet e muitas outras coisas que caracterizam a vida moderna. “A mecânica quântica possibilitou avanços nanotecnológicos e está mudando a maneira como vivemos, pois além de permitir a criação de computadores mais rápidos e menores, a nanotecnologia tem aplicações importantes para todas as áreas da ciência”, observou o palestrante.
Ele acrescenta que o estudo dos sistemas complexos também é uma das metas para os cientistas do século XXI, pois a utilização desses conhecimentos possibilitará a previsão das propriedades de novos materiais. Além disso, comenta que os conhecimentos sobre os sistemas complexos influenciam áreas como a biologia e a economia. Berkovits exemplifica, dizendo que eles podem ser usados para descrever vários fenômenos, como a dinâmica do crescimento populacional, as interações das redes neurais no cérebro, a formação de proteínas no sistema circulatório, os efeitos da política monetária e outros aspectos da vida moderna. “O grande desafio para os físicos, nesse caso, é conseguir transpor o rigoroso método científico da física, que envolve teoria e experimentação, para esses outros campos de estudo”, avaliou o Acadêmico.
Desafios educacionais
Para acompanhar este momento de grandes mudanças, o Brasil precisa rever sua estrutura educacional para a área. Para Berkovits, os desafios se concentram em tornar a carreira de físico mais prestigiada, diferenciando a remuneração de acordo com o mérito e o incrementando o aproveitamento dos profissionais na indústria. “A existência de poucos centros de pesquisa e o pouco reconhecimento pelo trabalho desenvolvido não tornam a carreira atraente no Brasil”, observou o Acadêmico.
Nas universidades também existem dificuldades a serem enfrentadas. “Para alcançar um posto de trabalho melhor, por exemplo, os físicos passam por exames escritos, não havendo um acompanhamento das pesquisas que eles desenvolvem”, critica o palestrante.
Os estudantes, por sua vez, não adquirem no ensino médio ferramentas imprescindíveis para o estudo da física, como o conhecimento de cálculo e o domínio do inglês. Até ingressar na universidade, o conhecimento de física de muitos estudantes está resumido no conjunto de fórmulas que são aprendidas para os exames vestibulares. “E quando chegam na universidade, eles precisam optar rapidamente por uma subárea de estudos dentro da física e dedicar a ela muitas horas de estudo, o que impede a formação de um conhecimento mais amplo e inibe a exploração de outras áreas de pesquisa”, lamenta Berkovits.
Desafios políticos
As melhorias na educação para a área de física precisam ser acompanhadas de uma mudança na política para ciência no Brasil. Berkovits observou que em países mais desenvolvidos os investimentos em física teórica costumam ser feitos pelo governo ou por filantropia, enquanto a física aplicada consegue captar recursos da iniciativa privada, além de ter apoio do governo.
Ele aponta a necessidade de se criar mais centros de pesquisa no país, com identificação de objetivos e das pesquisas realizadas em cada um deles. Como exemplos de planejamento estratégico, o Acadêmico citou países como Canadá, Estados Unidos, China e Coreia do Sul, que induzem pesquisas em áreas estratégicas com maiores investimentos. “No Brasil, os salários são bons, mas muito independentes da qualidade da pesquisa praticada” afirma Berkovits, que afirma ainda serem as disputas por cargos decididas por políticas locais e regulamentos burocráticos. “Neste ambiente, a exigência de cartas de referência de autoridades internacionais em cada área são incomuns”, conclui, apresentando editais de concursos brasileiros como exemplo.
Propostas concretas para melhorar a situação da Física no país
Após identificar algumas questões educacionais e políticas que terminam por obstruir o desenvolvimento da física num contexto de investimentos e recursos até favoráveis, Berkovits propôs uma flexibilização na dinâmica educacional e a superação da burocracia e da política local na tomada de decisões sobre as atividades científicas. Em sua opinião, os obstáculos educacionais para o progresso da física no país podem ser superados por medidas distintas. Uma das propostas de Berkovits é que a universidade adote uma postura mais flexível, que permita aos estudantes ingressarem sem ter que definir totalmente
uma escolha de carreira. Outras de suas propostas incluem reduzir o número obrigatório de horas de aula e permitir que estudantes ingressem em programas de mestrado sem escolher um orientador. “Essas são ações simples que certamente contribuiriam para o desenvolvimento da pesquisa na área”, reforçou.
O Acadêmico enfatizou ainda a importância de se aumentar o salário dos professores do ensino médio e de reservar espaço nas universidades e no programa Ciência Sem Fronteiras para estudantes provenientes de escolas públicas. “Acredito também que a inclusão de cartas de recomendação na avaliação de pesquisadores em todos os níveis seria uma mudança que traria bom retorno.”
Berkovits também fez propostas para que os obstáculos políticos identificados fossem superados e sugeriu uma participação internacional no planejamento dos campos prioritários de pesquisa. “Penso na formação de um comitê internacional que identifique áreas estratégicas de pesquisa em física e inclua pesquisadores visitantes do programa Ciência Sem Fronteiras. Proponho ainda a criação de institutos especializados, com flexibilidade dos salários e das condições de trabalho. Convidar pesquisadores estrangeiros estabelecidos no Brasil para auxiliar na condução de políticas científicas para estes centros de excelência seria uma boa estratégia.”