Se fosse impresso como listas telefônicas, o genoma humano formaria uma pilha de volumes de cerca de 170 metros de altura, pouco menos da metade do tamanho do Pão de Açúcar (392m). Mas quando seu primeiro rascunho foi completado em 2000, os cientistas ficaram surpresos em ver que apenas 2% das “palavras” escritas com 3 bilhões de “letras” nestes livros, por volta de 22 mil genes, faziam sentido, isto é, traziam informações para a fabricação das proteínas essenciais para a vida. O resto foi classificado como DNA “lixo”, ou não codificante.

Agora, no entanto, uma série de 30 artigos publicados nas revistas “Nature”, “Genome Research” e “Genome Biology” mostra que boa parte, se não todo, esse “lixo” tem função, regulando o funcionamento, a chamada expressão, dos genes, algo como um imenso painel de controle instalado no genoma humano. A descoberta ajudaria a explicar não só como somos tão diferentes, apesar de todos termos 99,9% de nosso código genético igual, como por que pequenas variações neste DNA não codificante terem sido relacionadas a um risco maior de desenvolvimento de uma ampla gama de doenças, de câncer a diabetes.

– Agora o que tem que ir para o lixo é esta expressão “DNA lixo” – diz a Acadêmica Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano e do Instituto Nacional de Células-Tronco em Doenças Genéticas da USP. – Nunca acreditei nessa história de “DNA lixo” porque seria impossível termos menos genes que outros organismos muito menos complexos, como o tomate (cujo genoma contém cerca de 32 mil genes), e mesmo assim sermos como somos. Sempre disse que tudo isso era apenas DNA cuja importância a gente ainda não entendia. A natureza é sábia e não desperdiça material.

Os artigos divulgados nesta quarta-feira foram produzidos por mais de 440 cientistas de 32 instituições espalhadas pelo mundo reunidos em um projeto batizado ENCODE (sigla em inglês para “enciclopédia de elementos do DNA”), criado em 2003 para tentar entender o significado dos trechos aparentemente incompreensíveis do DNA humano. Os pesquisadores tiveram como ponto de partida justamente o fim do trabalho do Projeto Genoma Humano, iniciado em 1990 nos EUA e que anunciou o primeiro rascunho de 2000, seguido desde então por várias análises mais detalhadas. Em experimentos com 147 linhagens de células humanas cultivadas em laboratório, os cientistas verificaram que mais de 80% do genoma contêm elementos que podem ser relacionados a funções bioquímicas específicas, mapeando 4 milhões de regiões responsáveis por ativar ou desativar partes de nosso DNA.

– O DNA humano é muito mais ativo do que esperávamos, e há muito mais coisas acontecendo do que imaginávamos – resume Ewan Birney, do Laboratório Europeu de Biologia Molecular e um dos pesquisadores líderes do projeto ENCODE. – Nosso genoma está simplesmente lotado de interruptores: milhões de locais que determinam quando e se um gene será ligado ou desligado.