A cobertura de gelo sobre o Oceano Ártico chegou ao seu menor tamanho desde o início das medições por satélite em 1979. No fim de semana passado, foi medida a menor extensão, e o Ártico ainda pode perder mais gelo, já que os dias mais quentes na região costumam ocorrer em setembro, no fim do verão no Hemisfério Norte. Restaram 4,1 milhões de km² de gelo marinho – até então, o menor índice registrado fora 4,17 milhões de km², em setembro de 2007. Isso equivale a apenas 30% da superfície do oceano. O fenômeno deve alterar o clima nos próximos meses no Hemisfério Norte – o Ártico é um dos grandes reguladores climáticos do planeta. E ele abre literalmente caminho para novas rotas de navegação, boas para o comércio, mas perigosas para o frágil equilíbrio ambiental do polo.
Climatologistas antecipam que novos recordes devem ser batidos em breve. Até agora o Ártico se comportou exatamente como previram os modelos climáticos que associavam a elevação da temperatura da Terra às emissões de CO2 e outros gases-estufa pela ação humana. Desde que o gelo marinho começou a ser medido por satélite, foi observada uma redução de 40% da superfície nos meses de verão. É normal que parte do gelo derreta nos meses mais quentes do ano – o que no Ártico significa temperaturas na casa de 0 grau Celsius – mas a maior parte da cobertura costumava se manter.
Pesquisadora do Centro Nacional de Neve e Gelo dos EUA (NSIDC, na sigla em inglês), Julienne Stroeve acredita que o Oceano Ártico terá apenas água em estado líquido antes de 2050. Ainda nesta década, no entanto, a quantidade de gelo poderia ver sua área reduzida a apenas 1 milhão de km².
– A cobertura de gelo do Ártico tem diminuído a cada verão – lamenta. – No verão de 2007, condições anormais do tempo provocaram um grande dano ao gelo. Neste verão, porém, não registramos padrões climáticos prejudiciais como aquele, e, ainda assim, a cobertura de gelo desabou para o menor nível conhecido. Houve apenas uma tempestade no início do mês, mas ela apenas contribuiu para remover uma porção fina que, inevitavelmente, seria derretida.
Caminho aberto entre Europa e Oriente
A NSIDC pretende se dedicar ao novo cálculo da temperatura do oceano – visto que os prognósticos divulgados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas em 2007 já são considerados desatualizados. Também interessa ao órgão a análise das mudanças em correntes atmosféricas, que se encaminham do Ártico para boa parte do Hemisfério Norte.
Cientista-sênior do Centro Goddard de Voos Espaciais da Nasa, Joey Comiso também ressalta que, “diferentemente de 2007, as temperaturas não foram anormalmente quentes no Ártico este verão”.
– Chegamos a este recorde porque estamos perdendo gelo perene (aquele que sobrevive ao derretimento no verão) – explica. – E, também, foi reduzida a espessura da camada de gelo. Sem esse componente, o verão torna-se uma época muito vulnerável para o Ártico.
As porções do oceano que melhor resistiram ao degelo estão ao norte do Canadá e da Groenlândia, segundo o Acadêmico Jefferson Cardia Simões, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera, sediado em Porto Alegre. O problema é mais acentuado no Nordeste do Ártico – entre a Europa e a Ásia, chegando ao Estreito de Bering.
De acordo com Simões, mais do que uma temperatura extremamente alta, o que importa é uma sequência de dias com termômetros registrando mais de 0 grau Celsius.
– As primeiras implicações (da perda recorde de gelo) são climática e ambiental – ressalta. – O oceano absorve mais energia solar, porque é negro, ao contrário do gelo, que é branco e reflete a radiação solar. As correntes atmosféricas trazem mais calor de outras regiões do planeta. E, também, há implicações para as formas de vidas ali presentes, inclusive no fundo do mar. Falamos muito no urso polar, mas ele não é o único a sofrer com o aumento da temperatura global causado pelo homem no Ártico.
O segundo impacto, de acordo com o pesquisador, é político e econômico. O degelo permitiria, e por toda uma estação, a exploração do Ártico. Hoje, sua navegação é restrita à presença de navios quebra-gelo. O caminho marítimo entre Europa e Oriente seria reduzido em mais de 30%.
– Esta é a rota do sonho dos navegadores há mais de quatro séculos – assinala Simões. – Os navios de carga fariam caminhos mais curtos, e, além disso, isto possibilitaria a exploração de óleo e gás da Sibéria.
Antes do verão, o inverno também trouxe más notícias ao Ártico. Aquela estação registrou temperatura no mar de até 6 graus Celsius – quase o dobro da notada no início do século passado (3,4º C).