Robert Gillham, Ricardo Hirata, Ernesto Brown, Uri Shamir e Cheikh Gaye
A sessão intitulada “Desafios para o gerenciamento sustentável das águas subterrâneas” foi coordenada pelo engenheiro civil e hidráulico chileno Ernesto Brown. Graduado pela Universidade do Chile – onde hoje é professor – e pós-graduado em Análises de Sistemas de recursos Hídricos pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, Brown atua, ainda, como consultor em hidrologia e recursos hídricos para agências do governo e empresas privadas do Chile.
O relator foi o geólogo paulista Ricardo Hirata, graduado pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), pós-graduado pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado em hidrogeologia pela Universidade de Waterloo, no Canadá. Atualmente, Hirata é diretor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (CEPAS) da USP.
Participaram como palestrantes o diretor do Instituto da Água da Universidade de Waterloo, Robert Gillham; Uri Shamir, do Instituto de Tecnologia de Israel; e o presidente do Comitê Nacional do Senegal no Programa Hidrológico Internacional da Unesco (IHP, na sigla em inglês), Cheikh Bécaye Gaye.
O papel das águas subterrâneas
Hirata explicou o contexto do tema, afirmando que a água subterrânea é um recurso importante e, algumas vezes, fundamental para a economia e o provimento de água para o meio urbano e rural em muitos países e regiões do mundo. Hoje, mais de dois bilhões de pessoas no mundo dependem deste recurso em regiões áridas e semiáridas, ou mesmo em países localizados em ilhas, sendo esta a única fonte natural de abastecimento.
As águas subterrâneas também desempenham um papel chave na manutenção de sistemas biológicos e ecológicos sensíveis. “A descarga de água subterrânea em rios é responsável pela perenidade de muitos cursos de água e lagos no mundo, com cifras que podem ultrapassar 60% dos fluxos de base”, explica o relator. “Assim, muitas áreas alagadiças (wetlands) existem e suportam sua biota específica graças ao papel das descargas subterrâneas.”
Hirata mencionou, ainda, o seu papel social, uma vez que, em regiões rurais e em cidades onde não há alcance da rede pública de água, a população sobrevive utilizando poços tubulares ou escavados: ou seja, a água subterrânea é de acesso mais fácil e o recurso mais democrático que existe. “Em áreas mais industrializadas dos países em desenvolvimento e desenvolvidos, é regra que todas as indústrias tenham as águas subterrâneas como uma opção certa de abastecimento.”
O geólogo informa que, a despeito dessa grande importância, as águas subterrâneas encontram-se à sua própria sorte, sobretudo em países pobres e em desenvolvimento: “Elas não são somente invisíveis aos olhos por se encontrar abaixo da superfície. Também são escondidas dos governantes, tomadores de decisões e mesmo dos usuários dos recursos hídricos, incluindo engenheiros e técnicos das companhias de água. Assim, as águas subterrâneas acabam sendo excluídas também das políticas de manejo dos recursos hídricos.” Em relação aos panoramas revelados pelos participantes, Hirata considerou interessante o fato de que, embora eles tenham apresentado a situação do manejo das águas subterrâneas em seus países – que têm claras diferenças sociais, geológicas e econômicas -, vários pontos eram convergentes em suas conclusões.
As situações de cada país
Os grandes problemas que afetam as águas subterrâneas foram descritos por Cheikh Bécaye Gaye, que baseou-se em casos no seu país. Doutor em Hidrogeologia pela Universidade Cheikh Anta Diop (UCAD), em Dacar, no Senegal, especializou-se em hidrologia isotópica na Universidade de Paris VI. Além do cargo no IHP, Gaye coordena o G-WADI para a África Subsaariana, projeto da Unesco de redes de informação sobre recursos hídricos nas regiões áridas e semiáridas do mundo.
No Senegal, a contaminação dispersa em áreas urbanas (incluindo a questão do uso de fossas sépticas e negras) pela falta de rede de esgotamento sanitário em cidades tem causado problemas sérios de presença de nitratos, bactérias e vírus nas águas. Por sua vez, esta ainda é extraída de poços mal construídos pelos milhares de usuários das cidades, conforme informou Gaye. “Tal problema não é muito diferente de outros países em desenvolvimento, incluindo os da América Latina”, complementou Hirata.
Sob essa mesma linha, Robert Gillham ressaltou a dificuldade que a América do Norte e, particularmente, o Canadá têm no enfrentamento de problemas de contaminação envolvendo solventes clorados. Em alguns casos, eles não têm permitido a remediação ou limpeza das águas de aquíferos complexos. “Esse é um tema que a comunidade acadêmica do Canadá tem se esforçado em resolver, buscando soluções técnicas mais baratas e mais eficientes”, acentua.
Os demais participantes concordaram que, muito embora esse problema de contaminação envolva os países desenvolvidos, este não é exclusivo a eles, complementando a fala de Gillham, que é doutor pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e foi professor de Hidrogeologia no Departamento de Ciências Ambientais e da Terra da Universidade de Waterloo por 30 anos. Como diretor do Instituto da Água dessa universidade, Gillham patenteou o uso de ferro granulado na descontaminação de águas subterrâneas, tecnologia utilizada em mais de 200 sítios em todo o mundo. Durante sua apresentação, o professor mostrou os resultados do Painel de Especialistas em Água Subterrânea do Conselho das Academias Canadenses, alertando sobre a extração de água além das capacidades dos aqüíferos.
Em relação a essa questão, Uri Shamir concordou com Guillham e revelou algumas alternativas adotadas por Israel para resolver os problemas de desequilíbrio entre demanda e oferta. Doutorado pelo Massachussets Institute of Technology (MIT), Shamir é professor emérito da Faculdade de Engenharia Civil e Ambiental, além de diretor do Instituto de Pesquisas em Água Stephen e Nancy Grand, ambos do Technion, o Instituto de Tecnologia de Israel. Ele liderou diversas entidades nacionais e internacionais voltadas para hidrologia e gerenciamento de recursos hídricos, tendo sido membro da última diretoria do Conselho Internacional para Ciência (ICSU, na sigla em inglês).
Ideias debatidas
Uri Shamir foi enfático ao dizer que a solução tem que envolver a avaliação integral de toda a matriz hídrica, incluindo as águas subterrâneas e superficiais, sistemas de dessalinização de água do mar e recarga artificial, adicionalmente a programas de controle eficiente da demanda. “Essas medidas, obviamente, não serão possíveis se não houver o real entendimento da importância do recurso hídrico subterrâneo nos processos de governança da água”, emendou.
Na mesma medida, a governança foi destacada por Gaye, que mencionou o papel da Comissão Africana de Água Subterrânea (African Ground Water Commission), formada sob a African Ministers Concil on Water (AMCOW). A ideia de haver uma instituição que tente englobar o tema da água subterrânea foi vista como boa e podendo não somente ser supranacional, mas também de outras escalas, chegando a estadual ou provincial, como forma de superar o “atomismo” de instituições que tratam da água subterrânea.
Conforme ressaltou o relator da sessão, Ricardo Hirata, o bom manejo dos recursos hídricos passa por incluir e incorporar as águas subterrâneas não apenas como mais uma fonte, mas também a partir do seu entendimento físico e de suas relações com o ciclo hidrológico. “Temos que tirar o melhor proveito para aumentar a segurança hídrica, além de reduzir custos ambientais e socioeconômicos da utilização em áreas rurais e urbanas.”
Assim, as estratégias para o uso das águas subterrâneas pelos países deveriam incluir pelo menos:
– a necessidade de um programa de obtenção de informações geológicas e hidrogeológicas, com mapeamentos sistemáticos, com banco de dados (incluindo cadastro de poços e mananciais) para o acesso aberto de informações;
– o aumento da participação das águas subterrâneas no planejamento de uso do solo, reduzindo os impactos das atividades antrópicas no solo e aquíferos;
– o planejamento do uso da água, considerando o manejo do armazenamento de aquíferos e não se restringindo à contabilidade de entradas e saídas;
– o entendimento melhorado dos efeitos da mudança climática nas águas subterrâneas; e) avaliação das opções de manejo de aquíferos transfronteiriços;
– o aumento da capacidade de formação e preparação de pessoal técnico em vários níveis e, particularmente, na gestão das águas subterrâneas, através de programas que permitam uma visão mais multidisciplinar da matéria água.
“As águas subterrâneas devem ser apresentadas como uma solução para os problemas da sociedade, e não apenas mais um problema adicional de difícil solução”, concluiu Hirata.