A mesa-redonda “Água para o crescimento econômico e desenvolvimento” foi coordenada pelo engenheiro agrícola camaronense Mathias Fru Fonteh, professor da faculdade de Agricultura da Universidade de Dschang, em Camarões, especializado em gerenciamento de recursos hídricos, com mestrado na Universidade de Newcastle, na Inglaterra, e doutorado na Universidade do Estado do Colorado, nos Estados Unidos (EUA).
A sessão teve como relator o engenheiro civil e sanitário Ivanildo Hespanhol, que cursou doutorado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP) e em Engenharia Ambiental pela Universidade da Califórnia, nos EUA. Ele fundou e dirige o Centro Internacional de Referência em Reutilização de Água (IRWR/Cirra – USP), além de ser consultor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) para questões referentes ao reúso da água.
Ivanildo Hespanhol, Henry Vaux, Mathias Fru Fonteh, Ramón Llamas e Salmah Zakaria
Relação entre água disponível e PNB
Ramón Llamas, membro da Academia Real Espanhola de Ciências, da Academia Francesa de Águas e da Academia Europeia de Ciências e Artes, explicou como o desenvolvimento da ciência e da tecnologia permite utilizar os recursos hídricos para incrementar o desenvolvimento em muitos países. Ele é diretor do Observatório de Águas da Fundação Espanhola Botín e professor emérito de hidrogeologia na Universidade Complutense de Madrid.
“Na realidade, crescimento econômico e desenvolvimento dependem de diversos outros fatores, tais como disponibilidade de petróleo, como no caso dos países do Oriente Médio; tecnologia elevada, como existe na Índia e Israel; turismo, como na Espanha, Egito e Califórnia; minerais, que podem ser encontrados na África do Sul, Angola e Peru; negócios, podemos dar como exemplo a Suíça; e disponibilidade de energias renováveis”, afirmou. Ele disse, ainda, que mesmo a disponibilidade de água para a produção agrícola deixou de ser tão relevante, devido ao comércio internacional de alimentos. “Isso levou ao crescimento mundial de intercâmbio de água virtual, que é a quantidade de água necessária à produção de alimentos, serviços, bens, entre outros.”
As atividades econômicas desenvolvidas por muitos países nos quais os setores produtivos são associados a um menor consumo de água, apresentando como consequência menores impactos ambientais, levam a um crescimento econômico e desenvolvimento bastante expressivos. “Não existe, portanto, uma relação estreita entre disponibilidade de água e Produto Nacional Bruto (PNB)”, reforçou.
Como exemplo, Llamas apresentou o caso histórico da Espanha, cuja população cresceu de 25 milhões de habitantes em 1950 para 45 milhões em 2010, enquanto que o PNB/capita/ano subiu de R$600,00 para R$ 30.000,00. “Entretanto, é o país mais seco da Europa, com uma precipitação média de 700 mm/ano ou 8.000 m3 por habitante/ano. Em 50 anos, a economia do país passou de eminentemente agrícola para industrial, causando uma redução da população rural de 40% a 4%”. O crescimento econômico da Espanha está desvinculado das variáveis primárias associadas à água, como o consumo. Ainda assim, o pesquisador enfatizou que a importação de água virtual vem crescendo mais do que todas as demais variáveis, muito embora a Espanha continue a suprir de água muitos países, na forma de exportação de água virtual.
Para ele, a correlação entre pobreza (ou riqueza) de um país e a abundância de água é fraca ou não existente e a boa gestão de recursos hídricos é um elemento importante para o desenvolvimento econômico e social, não sendo, entretanto, considerado adequado concentrar-se excessivamente no domínio da água. “Os avanços recentes em ciência e tecnologia vêm introduzindo ou modificando os paradigmas de gestão, muitos dos quais estão distantes daqueles praticados há apenas duas décadas”, complementou. “Países com disponibilidade limitada de água devem dirigir o uso de recursos escassos em atividades mais lucrativas tais como turismo, indústria e para a agricultura de rápido retorno econômico como, por exemplo, as hortaliças”.
A água na produção agrícola
Tendo ocupado diversos cargos públicos relacionados à economia dos recursos hídricos, Henry Vaux é professor emérito de Recursos Econômicos na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e especialista nos aspectos econômicos do uso agrícola da água, mercado e políticas de água. É membro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos e membro do Comitê de Águas da Rede Interamericana de Ciências (IANAS).
Em sua palestra, “O papel da água no desenvolvimento econômico”, ele abordou a relação entre disponibilidade de água e o desenvolvimento econômico dos países. “A disponibilidade de recursos hídricos é necessária, mas não suficiente, para a promoção de desenvolvimento econômico significativo. A produção de chips de computadores, por exemplo, símbolo da indústria moderna, vem gerando desenvolvimento econômico expressivo, independentemente da disponibilidade de água em grande quantidade”, afirmou.
Entretanto, alertou, a escassez de água é uma tendência a se intensificar. Em 1995, de 29 países com pequena disponibilidade de água, 18 apresentavam escassez de água, e 11, condições de estresse hídrico. “A previsão para 2025 é que 48 países enfrentem condições de pequena disponibilidade hídrica. Desses, 29 estarão em condições de escassez e 19 apresentarão estresse hídrico”, informou.
Segundo Vaux, uma das consequências mais alarmantes da escassez é o aumento em nível global da vulnerabilidade do setor agrícola, alavancado pelo crescimento da demanda. Dentro desse cenário, como definir desenvolvimento econômico e qual é o critério básico para a medida de produtividade? “Ele é medido através do PNB e da produtividade em termos de aumento com menos uso de água”. Assim, o aumento de produtividade agrícola fica condicionado ao desenvolvimento das atividades técnicas, gerenciais e sociais, como a promoção da gestão adequada dos sistemas de plantio e irrigação; um melhor planejamento das parcelas agrícolas, adotando culturas adequadas às condições locais e metodologias de irrigação compatíveis com a disponibilidade de água; contabilização das características de variação de produtividade; programação adequada do plantio, visando uma produção agrícola significativa.
“O aumento da produtividade agrícola depende de atitudes e fatores diversos, entre os quais planejamento e gestão adequados dos sistemas agrícolas; da avaliação da variabilidade da produção; da programação adequada das práticas de plantio e colheita; e de uma melhor compreensão do contexto social e cultural local”, concluiu.
Sistema de Informações Baseado em Temas Específicos (IBIS)
Com apresentação intitulada “A água e seu problema perverso”, Salmah Zakaria, atuante por 30 anos no governo da Malásia em atividades relacionadas à hidráulica, hidrologia e mudanças climáticas, é membro do grupo de Águas da Academia de Ciências da Malásia (ASM) e lidera a Força Tarefa de Adaptação às Mudanças Climáticas da instituição. Além disso, ela também é especialista em Águas da Comissão Econômica e Social das Nações Unidas para a Ásia e o Pacífico (Unescap) e sua linha de atuação envolve a relação entre água, alimento e energia, assim como entre economia, alimento e segurança hídrica.
Zakaria contextualizou, inicialmente, a situação mundial da água e alguns elementos associados, passando, em seguida, para a proposição de iniciativas e tendências do setor na forma de estudos de casos. De acordo com ela, a água é considerada um problema “perverso” porque as propostas científicas não são suficientes para oferecer soluções adequadas, uma vez que os problemas integram aspectos de natureza econômica, social e política. “As características dessas situações são dinâmicas, sistêmicas e estão associadas a temas emergentes com dimensões variáveis. As soluções não podem ser consideradas como boas ou más, mas simplesmente o melhor que se pode conseguir”, disse.
A proposta para a gestão adequada de problemas mais complicados pode ser obtida através do Sistema de Informações Baseado em Temas Específicos (Issues Based Information System – IBIS), que consiste numa metodologia com base em argumentações projetada para dar suporte à coordenação e planejamento do processo político de decisões. “Ele se constitui em um arcabouço que orienta a identificação, a estruturação e o estabelecimento de temas propostos por grupos encarregados da resolução de problemas específicos, os quais proporcionam as informações necessárias”, explicou.
A aplicação do sistema IBIS é efetuada em três etapas: coleta de informações informais no mercado (internet, bases de dados, relatórios, artigos, etc.); montagem de um repositório de informação processada e elaboração de um mapa de temas a serem considerados. O produto final, segundo a pesquisadora, consiste em relatórios e documentos de políticas, características do engajamento dos setores público, privado e da mídia, e propostas para conferências e diálogos em nível nacional.
Em suas recomendações, Zakaria frisou que uma abordagem meramente científica não é suficiente para oferecer soluções adequadas: ela deve ser tomada de vários ângulos. “A gestão adequada de recursos hídricos deveria ser efetuada através da metodologia IBIS, facilitando o engajamento político de uma maneira integral”.