Uma descoberta de cientistas brasileiros ajudará a compreender como o câncer surge, o misterioso processo molecular que faz com que uma célula normal sofra mutações que a fazem se dividir descontroladamente e gera um tumor. Eles descobriram que uma proteína mutante presente em até 60% dos cânceres apresenta um comportamento similar ao dos príons – responsáveis pela doença da vaca louca, dentre outras encefalopatias espongiformes. Como os príons, ela induz as proteínas normais ao seu redor a se alterarem, formando aglomerados. A descoberta, feita por uma equipe liderada pelo Acadêmico Jerson Lima Silva, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, pode mudar estratégias de combate ao câncer, ao oferecer novos alvos para drogas e tratamentos.
Os príons são agentes infecciosos muito particulares. Na verdade, são proteínas nas quais o complexo processo de dobradura molecular tridimensional (que as caracteriza) sofre alterações. Por razões ainda não totalmente compreendidas, essa natureza alterada dos príons é associada à sua capacidade de “sequestrar” seus contrapartes normais e induzí-los a adotar a conformação anormal.
O aumento contínuo do número de proteínas alteradas forma os agregados vistos também em doenças neurodegenerativas, como os males de Parkinson e Alzheimer. Uma vez modificada, uma proteína não consegue retomar suas funções originais na célula. Agora, o grupo da UFRJ conseguiu demonstrar que a proteína p53, responsável pela supressão da formação de tumores no organismo, exibe um comportamento similar ao do príon quando sofre mutações.
– A p53 em mutação se encontra em mais de 50% dos cânceres, é um mau prognóstico achá-la – explica Silva. – A proteína é um fator de supressão tumoral e, quando não funciona bem, a célula perde o controle da divisão celular, começa a se dividir demais. Mas o que observamos agora é um fenômeno que chamamos de dominância negativa: a proteína que sofreu a mutação interfere na atividade normal das outras. É como se ela sugasse a proteína normal, que se junta a ela, perdendo a função e formando agregados.
Já se sabe há algum tempo que a multiplicação anormal da p53 altera sua capacidade de prevenir o crescimento de tumores. Mas, no estudo publicado na “Journal of Biological Chemistry”, o grupo de Silva conseguiu demonstrar que, no câncer de mama, nas linhagens de célula que apresentam a mutação mais comum da p53, a formação de agregados similar à que ocorre com os príons explicaria a perda da função protetora da proteína.
A partir desta constatação, o desenvolvimento de novas estratégias contra a doença poderá ser possível, com foco, por exemplo, em bloquear a alteração e a agregação das proteínas.
– Temos uma longa estrada pela frente, mas olhando para o futuro, é um alvo que vale a pena ser perseguido – avalia Silva. – Se conseguirmos fazer com que a proteína não se agregue, ou que ela recupere a atividade da proteína normal, então teríamos um novo tratamento para o câncer.