O Acadêmico Jailson Bittencourt de Andrade coordenou a palestra “Ciência, Tecnologia e Inovação para um Brasil Competitivo”, na qual o físico e professor da Universidade de São Paulo (USP) Roberto Mendonça Faria apresentou um estudo encomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e executado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A conferência aconteceu durante a 64ª Reunião Anual desta instituição, em São Luís, no Maranhão.
O estudo, que leva o mesmo nome da palestra, foi publicado em março deste ano pelo grupo de trabalho da SBPC liderado por Faria, também coordenador do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (Ineo). Além de Jailson Bittencourt, que é Professor Titular de Química da Universidade Federal da Bahia (UFBA), compõem o grupo o engenheiro e Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Jacobus Willibrordus Swart e o biólogo e Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) João Batista Calixto, também membro da ABC. O livro lançado tem o objetivo de contribuir para o avanço tecnológico e inovador do Brasil por meio de recomendações e propostas factíveis.
Conquistas e falhas da educação
Faria apresentou alguns dados relativos à situação da ciência e da educação brasileiras. Ele criticou o fato de que o investimento público no ensino básico é muito baixo, diferentemente do ensino superior – segundo o físico, o estudante do ensino superior custa dez vezes mais que o de ensino fundamental e médio. “Esse investimento assemelha-se àquele dos países desenvolvidos, mas, ainda assim, temos problemas no ensino universitário público que precisam ser resolvidos.”
O palestrante reconheceu, entretanto, que a pós-graduação passou a viver uma boa fase no Brasil. Em 2009, tivemos quase 36 mil mestres titulados, além de 11.300 doutores e 3.102 pessoas que concluíram o mestrado profissional, totalizando mais de 50 mil pós-graduados. “O número ainda é baixo, mas está crescendo bem. Realmente os projetos da Capes deram certo.” E esses índices estão progredindo: em 2010, formaram-se 12 mil doutores e 41 mil mestres. Faria lembrou, porém, que a maioria dos graduandos e pós-graduandos é da área de Humanas, havendo, portanto, a necessidade de um maior equilíbrio com as áreas científicas e tecnológicas.
Outro problema citado foi o das assimetrias regionais na pós-graduação. A maioria dos cursos avaliados pela Capes com nota 6 e 7 está localizada na Região Sudeste, enquanto o Norte e o Nordeste concentram a maior parte dos cursos que levam nota 3. “Para um país ser competitivo internacionalmente, ele tem que ser homogêneo na sua competitividade”, destacou Faria.
Falta interação entre universidade e indústria
Mais um dado preocupante é o de que, apesar do aumento de pós-graduados, esse contingente de recursos humanos altamente capacitados pouco é absorvido pelas indústrias, sendo a grande maioria contratada pelas universidades e órgãos públicos. “Isso significa que esses mestres e doutores vão continuar fazendo a mesma coisa que seus orientadores, e assim por diante”, ressaltou o físico. Segundo Faria, hoje temos em torno de 85 mil pesquisadores brasileiros distribuídos em 370 instituições, mas uma porcentagem muito baixa está no setor privado.
“Vivemos em um sistema pouco inovador, que não contrata mestres e doutores para as indústrias”, afirmou. “E o responsável pela inovação de processos e produtos é o setor industrial, mas estão cobrando isso das universidades. Ela até pode fazer, mas não é sua obrigação. Seu papel é gerar recursos humanos e desenvolver conhecimento. A missão da universidade não pode ser confundida com a da empresa, mas ambas devem trabalhar juntas.” Faria ressaltou, ainda, que os laboratórios e centros de pesquisa estão basicamente no setor público, e que a produtividade científica feita dentro destes se dá, sobretudo, pelas publicações.
A produção científica brasileira
No entanto, sobre essa questão, o palestrante observou que a produtividade brasileira cresceu bastante. Em 1981, publicávamos em torno de 2 mil artigos por ano, o equivalente a 0,4% do total de publicações no mundo. Em 2009, esse valou passou para 32 mil. “Se comparamos a produção brasileira com a mundial, vemos que o crescimento foi semelhante.” Hoje, 2,7% das publicações de todo mundo são oriundas do Brasil, que é o 13º país no ranking da produção científica. Por outro lado, a qualidade desta produção ainda deixa a desejar. A ciência que o país mais se destaca é a Matemática, seguida por Física e pela área de Ambiente e Ecologia.
Faria criticou, também, a renda per capita brasileira equivalente a dez mil dólares e o índice de 0,7 pesquisadores por mil habitantes (dados de 2007). “Estamos bem longe dos Estados Unidos e Coreia, por exemplo.” Ele lembrou da proposta feita pelo MCTI, à época da divulgação desses dados, de que, em 2022, o Brasil estaria na posição de quase dois pesquisadores por mil habitantes e o dobro da renda per capita. “É isso que a gente espera. O país tem que enriquecer, mas também homogeneizar a riqueza. Infelizmente, em dois anos o investimento em ciência e tecnologia caiu 30%. Temos que corrigir essa trajetória.”
Propostas
A partir do cenário apresentado, Faria fez algumas recomendações. Entre elas, expandir os sistemas de institutos científicos tecnológicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e também de outros Ministérios, como da Saúde, Indústria e Comércio e Defesa. Além disso, ele falou sobre a importância de implementar mecanismos para que a as grandes empresas, sobretudo as multinacionais, criem centros de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no Brasil. “Também precisamos aperfeiçoar e consolidar o Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec) e eliminar a burocracia, que emperra o funcionamento do país”, declarou.
Faria defendeu, ainda, que é preciso fortalecer o setor de bens de capital – um “maquinário” que ajuda o setor industrial a se desenvolver e modernizar. “A indústria que ajuda a própria indústria no Brasil atualmente é muito fraca.” É necessário avançar também na indústria química, um dos pilares do desenvolvimento, além de investir no setor de fármacos e medicamentos e tecnologia de informação e comunicação, pois “nenhum país cresce sem isso”. Além disso, Faria mencionou a importância da indústria eletrônica, inclusive para o nosso domínio sobre a Amazônia: “Os Estados Unidos conhecem muito mais sobre esta região do que a gente, sendo que este é o maior patrimônio desse país”.
A última proposição do documento apresentado foi a criação da Empresa Brasileira de Tecnologia e Inovação (Embrati). Essa proposta está ligada ao argumento de Faria de que quem
faz inovação e está ligado ao desenvolvimento de processos e patentes é a indústria, não a universidade. A ideia de criar a Embrati foi tirada, em parte, de alguns exemplos internacionais e outros brasileiros, como a Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa). “Antigamente, a agricultura brasileira era muito fraca. O surgimento da Embrapa, nos anos 70, contribuiu efetivamente para o desenvolvimento do agronegócio no país, hoje altamente desenvolvido. Queremos que o mesmo aconteça com o setor industrial.”
Ele acrescentou que o lócus da inovação é a indústria. Assim, a ideia de uma rede de instituições de pesquisa voltada ao desenvolvimento tecnológico e à inovação, fora das instituições de ensino superior, é o tema abordado neste capítulo do documento. Em seguida, Faria apresentou o organograma da empresa, que incluiria um conselho nacional de desenvolvimento industrial, ligado a vários ministérios, uma diretoria administrativa e uma de P&D.
“A ideia da Embrati é criar uma ponte entre os dois setores – indústria e academia -, de modo que o resultado seja progresso”, concluiu o Acadêmico Jailson Bittencourt. “Não queremos tirar as pessoas da universidade para a indústria ou vice-versa, e sim que as mesmas trabalhem juntas.