Os desafios do ensino de ciência na realidade brasileira foram tema de uma das mesas redondas que aconteceram durante a 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em São Luís, no Maranhão. Coordenada pelo professor do Departamento de Química Fundamental da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e diretor do Espaço Ciência do mesmo estado, Antonio Carlos Pavão, a mesa contou com a participação da professora do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBqM – UFRJ) e Acadêmica Vivian Rumjanek e da professora do Departamento de Matemática da Universidade Federal Fluminense (UFF) Suely Druck.
Suely Druck, Antônio Carlos Pavão e Vivian Rumjanek
Falta de qualidade no ensino básico
Pavão deu início ao debate lamentando o fato da qualidade do ensino superior não se refletir no ensino básico, o que é evidenciado pelas notas do país no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, na sigla em inglês). “Aquela produção científica equivalente à 13ª posição no ranking mundial não se refere ao ensino fundamental e médio”, criticou. “Estamos abaixo da média em leitura, matemática, ciência.” Ele mencionou a pós-graduação, informando que, apesar de o método de avaliação da mesma ser bem conceituado, ele não especifica nada relacionado a atividades vinculadas à educação básica, nem ao menos no item de inserção social.
Assim, Pavão propôs a inclusão de um novo item em tal método: atividades na educação básica. “Até mesmo porque a Lei das Diretrizes da Educação Básica prevê que educação escolar se compõe de educação básica e educação superior”, lembrou o professor. “Precisamos de uma integração maior entre a pós-graduação – aquela que produz ciência – com o ensino fundamental e médio.”
Sobre a questão da educação científica, Pavão afirmou ser essencial levar a pesquisa para a escola, de forma a “ensinar ciências fazendo ciência”. “Queremos o estudante-cientista desde bem pequeno”, declarou. “A criança tem aquela característica de cientista de perguntar sempre e ter resposta para tudo. Não tem cabeça fechada, é aberta à argumentação. Mas quando cresce, deixa de ser cientista, porque a escola mata isso dentro dela.”
O professor criticou aqueles que acham que, para se fazer ciência, é preciso se apropriar de todas as regras e códigos e se mostrou adepto do método “La Main à La Pâte” (Mão na Massa), criado pelo físico vencedor do Prêmio Nobel Georges Charpak e conduzido no Brasil, em versão adaptada, pela Academia Brasileira de Ciências. “Conforme afirmei em uma matéria na Science, eu não faço distinção entre ensinar e pesquisar.” Ele finalizou sua introdução citando Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.
Perguntar e experimentar sempre
Em seguida, a Acadêmica Vivian Rumjanek contou que atua na área de imunologia tumoral, mas também de difusão científica. Ela afirmou que a primeira etapa de ensinar ciência é fazer com que a pessoa pergunte. Deste modo, está se usando algo criado há mais de 500 anos – o método científico. “Ciência é a pergunta em busca de uma resposta. Se não há uma pergunta, não estamos fazendo ciência.” Ela lamentou o fato de que, na escola, até o professor tem medo de quando a criança faz uma pergunta, uma vez que ele teme não saber responder e não tem coragem de dizer que não sabe. “Além disso, a criança morre de vergonha de fazer uma pergunta e todos a acharem boba”, complementou. “Mas nenhuma pergunta é boba.”
Ela deu um exemplo simples sobre a metodologia de ensino que defende: “Imagina uma criança que não conhece chocolate. Então um professor decide explicar e informa o que é o cacau, de onde vem etc. A aula termina e a criança continua não sabendo o que é chocolate. A outra alternativa é dar um chocolate a ela.”
Integração entre escola e universidade
A pesquisadora falou sobre seu trabalho com o também Membro Titular da ABC Leopoldo de Meis, criador uma rede nacional de educação e ciência que, atualmente, engloba 19 universidades e 30 grupos de pesquisa. Uma das atividades deste trabalho é o curso de férias, que leva alunos e professores à universidade para fazer pesquisas e experiências, aproximando-os da ciência.
Rumjanek explicou de onde veio a iniciativa do Acadêmico. “O Leopoldo conta que, uma vez, estava parado no sinal no Rio de Janeiro e uma criança pobre veio se aproximar. Como todo mundo, fechou a janela. De repente, ele refletiu: Que pais é esse em que a gente fecha a janela para uma criança porque tem medo dela?. E então o Leopoldo pensou que, apesar de não se considerar um revolucionário, poderia criar oportunidades para essas crianças através do que ele sabe fazer bem – ciência.”
Em seguida, a Acadêmica falou sobre o curso de férias de Leopoldo de Meis, criado em 1985. “Ele é experimental, intensivo e dura duas semanas nas férias escolares. É oferecido para estudantes do ensino médio e professores da educação básica. Entre os objetivos, incluem-se desenvolver uma visão prática a partir da vivência e reflexão sobre o cotidiano do ambiente da ciência e enfatizar o pensamento científico”, relatou Vivian.
Os alunos realizam experimentos usando os equipamentos da universidade e fazem uma apresentação final de resultados. “Muitos deles choram porque não querem ir embora. Então oferecemos estágios para os alunos que mais se destacaram”, contou Rumjanek, que lamentou não ser possível oferecer bolsas para todos. “É uma via de mão dupla, porque não é só o aluno que está aprendendo. O orientador (que é um pós-graduando) aprende muito mais. Ele é transformado.”
Resultados do curso de férias
A Acadêmica contou que 91% dos alunos do programa já completaram o ensino médio. “Isso é uma vitória, porque a maior parte deles é de baixa renda e nunca terminava a escola porque tinha que trabalhar.” 53% entraram na universidade e 11,6% fazem ou fizeram pós-graduação. Além disso, um ex-aluno fez pós-doutorado na Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos. Atualmente, ele é professor-adjunto do Instituto de Bioquímica Médica.
Rumjanek destacou, ainda, que a iniciativa gerou outros efeitos, entre eles a criação de uma pós-graduação de Educação, Difusão e Gestão em Biociências, em 1995. Ela enfatizou que ocorreu toda uma mudança da maneira de ver do próprio instituto em relação à educação científica. “Nós achamos que, como indivíduos, não podemos fazer nada ou apenas muito pouco. Acreditamos que tem sempre uma autoridade maior que deveria fazer alguma coisa – o prefeito, o governador, Deus… Mas a verdade é que cada um já pode fazer muito.”
Incentivar as crianças a partir da matemática
A mesa redonda teve continuidade com o relato da experiência da professora de matemática Suely Druck, que atuou por sete anos na liderança da Olimpíada Brasileira de Matemática. Ela contou que, até os anos 2000, suas atividades eram restritas à graduação e pós-graduação, quando foi convidada para assumir a presidência da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), que estava em um mau momento. “99% dos recursos e atividades da SBM eram dirigidos à pesquisa”, informou.
Druck ressaltou que, como presidente, era convidada para abrir eventos pelo país, mas dizia que só aceitaria se disponibilizassem 20 professores de escolas públicas para conversar com ela. “Queria entender o que acontecia na rede pública, onde estudam 86% das crianças brasileiras. E vi que se tratava de um desastre”, relembrou. “Não havia nada de interessante, nem para o aluno nem para o professor.”
Sua primeira iniciativa foi criar a Bienal da SBM. “Metade da comunidade de matemática me apoiou e metade achou que eu estava contaminando a Sociedade com questões de ensino, que não era o foco”, destacou a professora. Em seguida, ela passou a dedicar-se à Olimpíada. “Diziam para fazermos somente no Sudeste e no Sul, mas eu disse que deveria ser no Brasil inteiro e contei com o apoio do então presidente Lula. Eu acreditava que ia dar certo porque todo mundo gosta do que é bom.”
Druck passou, então, a atuar no sentido de estimular crianças a partir da matemática, utilizando, inclusive, jogos e brincadeiras. Ela explicou que, como ciência, a matemática é muito diferente das outras, porque não é experimental. “É difícil ensinar matemática de maneira divertida. Tentamos aproximá-la da realidade, mas em algum momento é necessária a abstração.” Segundo a palestrante, as crianças acreditavam que a matemática acabava na trigonometria. Entretanto, até hoje, há questões simples em aberto. Um exemplo é o da Conjectura de Goldbach, que tenta provar, há quase 300 anos, que todo numero par maior ou igual a 4 é a soma de dois números primos. “Já foi descoberto que todo par pode ser descrito como a soma de seis primos, mas em relação a dois números primos, isso ainda não foi comprovado.”
O desafio do ensino de ciências
Druck também falou sobre a situação da ciência brasileira. “Em dez anos, o avanço de ciência e tecnologia (C&T) no Brasil foi fantástico, mas não mudou os problemas a serem enfrentados. O progresso que o país tem na área de ensino de ciências é extremamente pequeno em relação à sua necessidade.” Ela declarou que o país perde muitas oportunidades por não ter uma boa educação nesta área. Reconheceu, no entanto, que os demais países estão “de olho” no Brasil, à procura de jovens talentos estrangeiros: “Nenhum outro país tem 50 milhões de jovens nas escolas e universidades. Além disso, muitas empresas e universidades do exterior dão prioridade aos sul-americanos, pois eles têm menos dificuldade de adaptação que os orientais”.
Sobre a questão da educação científica nas escolas, a professora observou que as ciências experimentais são mais prejudicadas, porque precisam de recursos. “Matemática é a ciência mais barata. Por isso, pode ser muito bem desenvolvida em países pobres. A Índia, por exemplo, tem uma matemática excelente. Lá, as crianças estão aprendendo matemática antes de aprender a ler.” Ela concluiu que o essencial é combater a exclusão científica e todos os danos que ela causa. “O problema é que a sociedade brasileira aceita a exclusão. Não andamos mais rápido por causa disso.”