Uma pesquisa de mais de dez anos, que está sendo realizada no Laboratório de Cronofarmacologia da Universidade de São Paulo, ajuda a entender a atuação da melatonina no corpo humano e como ela pode auxiliar na organização do corpo afetado por doenças crônicas. O estudo foi apresentado nesto dia 26 de julho, durante a 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso (SBPC), em São Luís.
Esse hormônio, normalmente associado ao sono por ser produzido na ausência de luz, é gerado naturalmente pelos seres vivos e atualmente se encontra também em compostos alimentares consumidos nos Estados Unidos e Europa (no Brasil, ainda não), além de ser comumente receitado para pacientes idosos, quando a produção natural de melatonina tende a cair.
A Acadêmica Regina Pekelmann Markus, doutora em farmacologia, professora do Instituto de Biociência da Universidade de São Paulo e diretora da SBPC, ressalta que é importante saber que a melatonina não induz ao sono e sim permite que os chamados “portões” desse estado sejam abertos, admitindo que os mecanismos do sono aconteçam mais rapidamente. Ela apresentou os resultados de uma pesquisa sob a melatonina que começou no fim dos anos 1990, mas que não está centrada no aspecto do sono e sim no processo inflamatório.
Detalhes
O trabalho, que rendeu publicações em diversas revistas, analisou o comportamento da melatonina, que, quando liberada pela glândula pineal, impede a adesão de leucócitos na condição de higidez (saudável). O estudo começou com a análise de camundongos, que foram infectados com o bacilo da tuberculose.
Foram comparadas as reações entre a cobaia normal e outra cuja glândula pineal foi retirada, que recebiam melatonina por meio da água que bebiam. Algum tempo depois, começaram as análises sobre a melatonina em inflamações humanas, a partir do leite retirado de uma mulher com mastite (inflamação no bico do seio).
No trabalho, foi descoberto que o próprio LPS, padrão molecular que sai das paredes das bactérias, “avisa” a pineal para parar de produzir melatonina e assim permite que a montagem da resposta inflamatória seja feita com a adesão de leucócitos. “Mostramos que o agente agressivo consegue ele mesmo baixar a melatonina e com isso permitir que a resposta contra ele comece”, revela a pesquisadora ao Jornal da Ciência.
Mudança conceitual
A pesquisa descobriu que a melatonina também pode ser produzida localmente, na própria zona onde ocorreu o ataque, e, nesse caso, o hormônio teria um comportamento diferente do habitual, facilitando a adesão dos leucócitos. Regina conta que se trata de uma importante mudança conceitual.
“A glândula pineal era tratada como uma glândula que produzia o hormônio do escuro e que respondia a estímulos de luz. Nós estamos mostrando que ela responde a uma mensagem interna do organismo e nesse local a melatonina terá uma potente ação antiinflamatória”, ressalta. Essa mudança se dá porque o líquido em volta das células da área afetada é baixo e a melatonina acaba tendo concentrações mais altas, com outros efeitos.
Entre as aplicações, Regina cita o caso de doenças que têm, entre seus sintomas, alterações na produção de melatonina. “O paciente com Alzheimer não tem melatonina, por exemplo. A descoberta abre uma nova perspectiva terapêutica, uma nova conceituação, que vai permitir não só usar derivados da melatonina de forma muito mais conceitual, como vai permitir abordar esse problema da organização temporal do organismo em doenças crônicas. Isso é importante porque existem algumas em que a melatonina é a primeira a cair fora” revela.