O programa Ciência Sem Fronteiras (CsF), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Educação (MEC), foi tema de debate na 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A mesa redonda “Fronteira da Ciência Sem Fronteiras” teve a participação do presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Acadêmico, Jorge Guimarães; do presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e também Membro Titular da ABC, Glaucius Oliva; da presidente regional da SBPC e professora de pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maíra Baumgarten; e da presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação (ANPG), Luana Bonone.
“Não existe fronteira para o Ciência Sem Fronteiras”
Jorge Guimarães contou que a interpretação do tema da mesa foi motivo de muita reflexão. “Se a gente pensa na fronteira do próprio CsF, eu diria que ela não existe. O programa causou tanta expectativa e teve tanta gente estimulada que não vai mais durar quatro anos. Certamente vai continuar.” O CsF, que completou um ano no dia 25 de julho, prevê distribuir 101 mil bolsas de estudo no exterior até 2015, em modalidades como graduação-sanduíche, doutorado-sanduíche e doutorado pleno.
De acordo com o Acadêmico, o mestrado não foi incluído no programa uma vez que, há muitos anos, a Capes não financia tais bolsas no exterior, “pois temos uma longa experiência aqui, melhor que da Europa”. Os primeiros bolsistas do CsF embarcaram em janeiro para os Estados Unidos – conforme explicou o presidente da Capes, o programa começou nesse país porque a cooperação com a Europa já está bem estabelecida e é para lá que se destina a maioria dos estudantes. Outros grupos partirão em agosto e setembro.
Guimarães explicou que a fase de experimentação, voltada especificamente para graduação-sanduíche, foi um desafio: “Dos 7.500 candidatos, só 1/3 tinha condição de ir para os Estados Unidos, inclusive em relação à língua. A grande maioria não tinha passaporte; muitos nunca tinham saído nem da sua cidade. Foi uma grande operação para passarmos por essa etapa”. Em seguida, foram lançados outros editais e firmados acordos com países como Alemanha, França e Reino Unido. “Fazer essas parcerias foi um processo bastante complicado, mas estamos indo muito bem.”
“Esses estudantes no exterior estão nos ensinando muito”
O presidente da Capes afirmou, orgulhoso, que tais estudantes estão ensinando muito à instituição. “As primeiras visitas que fizemos para firmar acordos com as universidades foram de uma grande frieza, e hoje elas fazem fila para fazer parcerias com a gente. Os brasileiros estão ganhando prêmios lá fora. Eles tiram as melhores notas e estão sendo convidados para estágios em empresas multinacionais. Há uma euforia das universidades de grande prestígio internacional em relação aos nossos bolsistas.”
E o aprendizado não parou por aí. Jorge Guimarães destacou que, indagados sobre as diferenças entre estudar fora e no Brasil, os estudantes mencionaram a quantidade de aulas por semana – enquanto outros países tem a média de 14 horas semanais de aula, as universidades daqui, algumas vezes, chegam a 40 horas. “Apostamos que a percepção desses contrastes vai mudar a nossa cultura de universidade. Sem dúvida, um grande defeito que temos aqui é aulas demais; é preciso incluir outras atividades na grade.”
Outro ensinamento foi o de que os jovens brasileiros precisam de uma segunda língua. “Felizmente, isso já foi difundido dentro das universidades e todos estão buscando ter um aperfeiçoamento no segundo idioma”, informou o Acadêmico. “O inglês é predominante, mas há estudantes aprendendo mandarim, porque vamos mandar estudantes para a China em breve.” Mais um aprendizado importante: a convivência, uma vez que os bolsistas se estabelecem nos alojamentos da própria universidade. “É um intercâmbio de cultura com o mundo inteiro. Esse é um desafio que temos para o Brasil – criar alojamentos nas nossas universidades, que fazem uma enorme diferença.”
Por fim, Guimarães voltou ao título dado à mesa redonda, comentando a fronteira do CsF no aspecto científico: “A fronteira da ciência está na fronteira do conhecimento de cada pesquisador. Como bioquímico, sempre me surpreendo com o número de proteínas que cabe numa célula. Então a fronteira é determinada pelo cientista e, por isso, precisamos de mais deles. Temos que valorizar essa área como é feito com o futebol. Só vamos ter um Prêmio Nobel quando tiver muita gente jogando a bola da ciência.”
Bom cenário da ciência, mas também desafiador
O presidente do CNPq, Glaucius Oliva, falou sobre o momento positivo pelo qual o país passa atualmente. “A ciência brasileira avançou extraordinariamente nas ultimas décadas”, comemorou. Ele mencionou o crescimento do número de títulos de mestrado e doutorado e informou que já passamos de 12 mil doutores formados anualmente. Também foi expressivo o aumento de programas de pós-graduação no Brasil e de matrículas no ensino superior. O Acadêmico lembrou, ainda, do momento promissor das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs), cujos orçamentos têm crescido e possibilitado financiamentos importantes.
Entretanto, Oliva comentou também sobre o cenário dos problemas. Lamentou, principalmente, os cortes no orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) realizados nos últimos dois anos. “Temos o desafio de aumentar os investimentos privados, uma vez que, no Brasil, o financiamento público é predominante. Nos grandes países, os investimentos privados são muito expressivos.” Por fim, ele citou a necessidade de pessoal qualificado para promover a inovação nas empresas, de incentivar a percepção da sociedade sobre o valor da ciência e a atração de talentos para a mesma.
O que precisa melhorar no CsF
Durante a mesa redonda, o programa Ciência Sem Fronteiras também foi analisado pela professora de Sociologia Maíra Baumgarten e pela presidente da ANPG, Luana Bonone. Está última elogiou o fato de o CsF aumentar a mobilidade acadêmica e a integração científico-tecnológica entre os países, além de promover o intercâmbio cultural e social do Brasil com outras nações e a livre circulação do conhecimento. “O programa é um poderoso instrumento que posiciona bem o Brasil no cenário internacional e impulsiona a formação de recursos humanos. Mas a ANPG fez reflexões e temos algumas proposições.”
Entre elas, Bonone enfatizou a importância de preparar o país para o retorno desses pesquisadores ao Brasil – e ter uma política que garanta a volta da maior parte. Outros fatores destacados foram a necessidade do fortale
cimento da relação com países do eixo sul, o que teria um caráter geopolítico estratégico, e de investimento em uma política mais ousada de intercâmbio, através da oferta de cadeiras de língua portuguesa e de cultura brasileira em universidades do exterior, por exemplo. Ela citou outras dificuldades, como o calendário sem previsão, prazos muito curtos, poucos candidatos aptos e a falta de comunicação mais efetiva com os coordenadores das instituições de ensino brasileiras.
A principal crítica de Bonone foi em relação ao fato de o CsF não abranger as Ciências Humanas e Sociais. Jorge Guimarães explicou que, por decisão da presidente Dilma Rousseff, o programa não incluiu essa área do conhecimento, mas o CNPq e a Capes a convenceram a manter os programas usuais das duas agências, nos quais não há prioridade de área, e sim de mérito. “Na verdade, a quantidade de bolsistas das Ciências Humanas e Sociais aumentou muito. Isso porque, quando um estudante se candidata para um de nossos programas, mas tem o perfil do Ciência Sem Fronteiras, os encaminhamos para o CsF.”
Já Maíra questionou as possibilidades de inovação social no desenvolvimento econômico. Segundo a presidente regional da SBPC, as políticas formuladas e implementadas em Ciência e Tecnologia (C&T) não necessariamente vão na direção de resolver as questões ligadas às disparidades regionais ou aos graves problemas sociais relacionados à exclusão. “Temos a tendência de copiar modelos, aplicar políticas e estratégias moldadas na realidade dos países centrais, o que levou ao domínio de uma perspectiva produtivista nas direções dos órgãos de C&T.” Ela opinou, ainda, que os cientistas que se preocupam com questões sociais ou de divulgação, geralmente acabam sendo considerados como de segunda classe.
Glaucius Oliva discordou das colocações de Baumgarten, lembrando dos editais que o CNPq anunciou recentemente na Reunião Anual da SBPC. Entre eles, as chamadas de apoio a Ciências Humanas e Sociais aplicadas, olimpíadas científicas, inclusão social, saúde bucal, pesquisa sobre fontes de financiamento em saúde no setor público e igualdade de gênero. “Estamos investindo muito em tecnologias que não são classificadas como Ciências Exatas”, contestou. “Não é possível imaginar um crescimento do Brasil equilibrado sem envolver todas as humanidades.”