Em um mundo onde 80% da produção de energia ainda é derivada de combustíveis fósseis, o diálogo sobre a transição para uma economia verde e sustentável encontra-se em evolução. O físico e Acadêmico José Goldemberg acredita que o reconhecimento para a área energética finalmente chegou, porém ainda existem dificuldades a serem superadas. Essa foi a discussão da mesa “Energia”, que integrou o penúltimo dia de atividades do Fórum para o Desenvolvimento Sustentável realizado na PUC-Rio.

O segundo organizador da mesa, Nebojsa Nakicenovic, professor de Economia Energética na Universidade Tecnológica de Viena, ressaltou que os principais desafios são o acesso universal à água e o aumento da eficiência. “A meta global é aumentar a contribuição da energia renovável até 2030, que atualmente é da escala de aproximadamente 15%”, informou.

Roberto Schaeffer, Jacqueline McGlade, Nebojsa Nakicenovic,
José Goldemberg, Keywan Riahi e Vijay Modi

Para Goldemberg, os países industriais devem embarcar imediatamente nessa transformação de suas matrizes energéticas, ajudando, também, os países em desenvolvimento.

Um recorte da África, Brasil e Europa

Em sua exposição, Jacqueline McGlade, diretora executiva da Agência Europeia de Meio Ambiente, esclareceu que no continente europeu os carros têm ficado cada vez mais eficientes, o que encoraja seu uso. Ao mesmo tempo, observa-se um aumento do uso de energias renováveis, o que, segundo McGlade, já posiciona a Europa na metade do caminho do cumprimento das metas de 2020 e 2050.

Ela ressalta que a segurança energética das nações do bloco é boa, o que pressupõe eficiência no consumo final e redução do total de energia utilizado. “A necessidade energética depende do tamanho do país, que na Europa varia bastante. Estamos focando nas metas para o ano de 2050, especialmente a minimização das emissões dos gases de efeito estufa”. Para isso, complementa, os setores de agricultura, indústria, transportes, entre outros, precisam receber investimentos para cortar em 80% esses gases.

Por sua vez, Vijay Modi, professor da Escola de Engenharia Mecânica da Universidade da Columbia, contextualizou a situação de alguns países africanos e asiáticos, como é o caso do Senegal, Mali, Etiópia e Índia. “São regiões que encontram imensas dificuldades para obter acesso à energia”, explicou Modi, “o que leva muitas mulheres a retirarem água de poços para a irrigação de alimentos e plantações”. É preciso muita água para um campo de agricultura. Na Índia, 1kg de alimento, que é vendido no varejo pelo preço de U$0,20 de dólar, requer 1KW/H. “Isso se torna ainda mais crítico pelo preço alto que se paga pela energia”, salientou.

Modi ainda levantou a seguinte questão: é possível fazer a irrigação com menos água/energia? “Sim, é possível”, responde. “Mas sem eletricidade é inviável”. De acordo com ele, em um mundo onde o problema da produção suficiente de alimentos se torna cada vez mais evidente, em especial a expansão das áreas agricultáveis, uma estratégia de mobilização mundial deve ser pensada incluindo os países em desenvolvimento, carentes de políticas públicas efetivas e tecnologias.

O representante do Instituto Internacional para Análise de Sistemas Aplicados, Keywan Riahi, ponderou que os desafios energéticos das próximas gerações são indissociáveis das perspectivas socioambientais. “Existem no mundo três bilhões de pessoas sem acesso à energia. No entanto, a solução deve vir acompanhada da melhoria da qualidade do ar, impulsionada pelo decaimento do consumo de energias fósseis”, frisou.

Seguindo a linha de raciocínio, Riahi apontou para a necessidade do aumento da eficiência energética, com destaque para o surgimento de tecnologias advindas de pesquisas da área da inovação. “Uma das metas globais é complementar o uso de energias fósseis com a biomassa a longo prazo, de modo a atingir os pontos estabelecidos para 2050”.

Segundo o palestrante, os países industrializados estão seis pontos percentuais na frente dos países em desenvolvimento quando se fala em investimento no setor energético. “Isso engloba o abastecimento de energia, aportes financeiros para a segurança energética, ampliação da matriz, redução dos gases de efeito estufa, aumento do uso de fontes renováveis, mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e poluição”.

Para Roberto Schaeffer, professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que atua no Programa de Planejamento Energético da COPPE, “gasta-se muita gasolina apenas para se chegar ao próximo engarrafamento”. O combustível está ficando barato no Brasil, destacou, enquanto a eficiência energética do carro brasileiro é ruim. “A Petrobras está importando porque não consegue produzir tudo”, disse.

O governo brasileiro taxou a gasolina a preços inferiores aos praticados globalmente. “Soma-se a isso o fato do etanol não ser encorajado. Embora exista uma produção considerável de carros flex fuel, a gasolina anda muito mais competitiva”, lamentou. “É importante compreender que os combustíveis fósseis têm subsídios do governo. Vivemos um momento de aquecimento do mercado de energias renováveis, que tendem a se tornar mais populares a longo prazo”.

Debate para agenda de políticas energéticas

Daniel Bouille, Ellen Williams, Johan Rockström, Nebojsa Nakicenovic,
José Goldemberg, Suzana Ribeiro, Moacir Bertol e Ashok Khosla

Em seguida, deu-se início ao painel sobre transformação energética para atingir objetivos de sustentabilidade. Participaram da mesa, além de Goldemberg e Nakicenovic, Daniel Hugo Bouille, vice-presidente do Instituto de Economia Energética; Ellen Williams, cientista chefe da British Petroleum (BP); Johan Rockström, diretor executivo do Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo e do Centro de Resiliência de Estocolmo; Suzana Kahn Ribeiro, professora da UFRJ e membro do comitê executivo do Global Energy Assessment; Moacir Carlos Bertol, secretário adjunto de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia; e Ashok Khosla, presidente da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

Segun
do Bouille, da Argentina, as dificuldades da América Latina (AL) podiam ser melhor endereçadas se existisse uma integração em nível regional. “No âmbito da AL não há grandes dificuldades no acesso à água, mas sim no atendimento a necessidades básicas, como o preparo de comida”, situou, lembrando que 80% das pessoas residem em centros urbanos, que são ainda mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. “Mitigar é importante, mas a adaptação é ainda mais necessária”.

Suzana Ribeiro apresentou, então, um painel que mostra o quanto o consumo de energia está associado à renda e ao desenvolvimento dos países. “No entanto, podemos e devemos questionar essa demanda. Nada mais saudável e correto se temos metas a atingir, uma vez que o atual modelo de crescimento não é sustentável”.

Os palestrantes apontaram a necessidade de maior envolvimento entre estado, setor privado, terceiro setor e sociedade civil para a construção de novos hábitos comportamentais. Segundo dados apresentados por Ashok Khosla, isso é de importância vital para os três bilhões de pessoas mais pobres, que vivem em situações precárias e resumem seus pertences a uma barraca – suas moradias. “Eles não tem acesso à água potável, à energia e cozinham em fogões rudimentares, movidos à lenha”, enfatizou.

De acordo com o Acadêmico José Goldemberg, a inovação é a grande aliada para a elaboração de uma agenda de políticas públicas. “As tecnologias leapfrogging são importantes nesse processo, pois ajudam a diminuir a necessidade do uso de energia. Sem inovação não há futuro”, pontuou.

No Brasil, a participação da energia elétrica é três vezes maior do que a média mundial, sendo aproximadamente de 13%, conforme mostrou Moacir Bertol. Até 2020, as fontes que aumentarão em participação serão a biomassa e energia eólica, em complementação às já existentes e mais utilizadas.

Em relação ao documento que faz parte do relatório final do fórum, Suzana alerta para a importância das formas de implementação do desenvolvimento sustentável, de maneira a quantificar os objetivos e as etapas intermediárias. “Metas longas podem ser ineficazes. Qual é o meio do caminho, até para podermos verificar se estamos no rumo certo?”.

Os presentes ainda destacaram a relevância de se coordenar as políticas energéticas com outras políticas de estado, como as de transporte e indústria. Como são fatores que permeiam diversas áreas, a integração é uma palavra-chave. “As tomadas de decisão sobre energia nunca devem ser consideradas à parte. Estamos lidando com vidas e não apenas com questões técnicas”, finalizou Goldemberg.